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minhas notas

06.07.13

Numa audiência com alunos de colégios e movimentos jesuítas, após ser questionado sobre o compromisso político dos cristãos, o Papa Francisco respondeu: «Envolver-se na política é uma obrigação para um cristão. Os cristãos não podem fazer de Pilatos, lavar as mãos. Devemos implicar-nos na política, porque a política é uma das formas mais elevadas da caridade, visto que procura o bem comum. Os leigos cristãos devem trabalhar na política. Dir-me-ão: não é fácil. Mas também não o é tornar-se padre. A política é demasiado suja, mas é suja porque os cristãos não se implicaram com o espírito evangélico. É fácil atirar culpas, mas eu, que faço? Trabalhar para o bem comum é dever de cristão». Possivelmente, esta resposta surpreendeu muitos cristãos católicos. Está difundida, erradamente, a ideia de que religião e política são dois mundos separados e que um católico honrado e piedoso «não se mete na política». Cada um mete-se na sua vida e ponto final. Nada mais errado. Quem assim pensa é porque desconhece todas as exigências e implicações da sua condição de cristão católico, se o é, e tem uma visão mesquinha, redutora e enviesada da política. Em parte, compreendo o tabu, ou se quisermos, o asco que se criou entre religião e politica porque a palavra política está refém das manobras e dos jogos dos partidos políticos, com todo o interesse e tacticismo e toda a astúcia e sujeira que os acompanham. Mas a política, a boa política, é muito mais do que isto, que, muitas vezes, é denominado de politiquice ou baixa política e com toda a razão, e de certeza que muitos politiqueiros, na sua anquilosada sagacidade, veem as palavras do Papa como um apelo a defender alguns partidos políticos e a fazer campanha por eles dentro das igrejas. Xô, belzebu. Alarguemos horizontes.

A palavra política vem da palavra grega polis, que significa cidade, ou mais concretamente de politikê, a ciência de gerir os negócios da cidade, a arte de governar a cidade. Os gregos costumavam reunir-se em algumas praças específicas, em assembleia, para discutirem todos os assuntos relativos à vida da cidade, ou se quisermos, da sociedade ou comunidade, de maneira a se encontrarem as melhores soluções para os problemas que eram comuns a todos. Por política deve, assim, entender-se o debate público, aberto à participação de todos, onde se expõem os anseios e os problemas que afetam a sociedade e se definem as ações e procedimentos para os atingir e sanar, respectivamente. Política é a arte de bem gerir e governar uma sociedade ou comunidade, em ordem à sua realização. De modo imperfeito, podemos traduzir ou aplicar a palavra politica e sua ação a república (res publica – a coisa pública), organizar e gerir o que é de todos e que diz respeito a todos, ou por Estado, enquanto conjunto de instituições que visam criar o bem comum.

Assim entendida a política originariamente, na sua pureza e retidão, enquanto debate aberto a todos para se escolher o melhor para a vida coletiva, sem os preconceitos e os escolhos e as estreitezas e as barreiras das lutas partidárias, não nos é difícil perceber que é um dever de todo o católico integra-se e envolver-se na política, porque um cristão católico faz parte da sociedade e não pode viver indiferente às orientações e ao rumo da sociedade, em todas as suas dimensões, mas, pelo contrário, deve procurar influenciá-lo a partir da sua fé. Como diz o documento Gaudium et Spes, do Concílio Vaticano II, «as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração». A fé cristã não é algo que se tem só para se viver dentro das igrejas ou em privado, longe dos holofotes da vida pública, e muito menos é um ópio para se ir vivendo uma vida alienada do mundo. A fé cristã é compromisso, desafio, missão, intervenção (no bom sentido da palavra), porque nenhum cristão católico se salva sozinho, metido só na sua consciência e nas suas devoções, mas enquanto reparte o que recebe, levando o evangelho a todos para a salvação de todos, ou seja, salva-se enquanto salva o mundo em que vive, levando o espírito evangélico a todas as realidade da vida humana e do mundo. E para aqueles que mais diretamente estão e atuam na vida política partidária, é bom que não esqueçam: quem aceita ser cristão católico aceita um conjunto de princípios e de valores, inspirados na mensagem de Jesus Cristo e na doutrina da Igreja, que obrigam a tomar opções e a fazer escolhas e que devem estar presentes em toda a vida e ação, adquire uma mentalidade e um estilo de vida próprio, assimila uma visão cristã do homem, do mundo e da sociedade, de que passa a ser missionário e apóstolo. Como é lamentável ver que muitos políticos católicos deixam a fé num cabide do guarda-fatos quando saem de casa, manifestado grande incoerência pessoal. É um mau serviço que prestam a Cristo e à Igreja quando dão a impressão de que a fé não passa só de um verniz ou de um adorno de cerimónias.

O sociólogo António Barreto dizia há dias nas Jornadas Pastorais do Episcopado, que decorreram em Fátima: «A Igreja acabará sempre por se ocupar também do que está na Terra, não só do Além, e eu gosto que seja assim, gosto que a Igreja o diga, que os seus Bispos, os seus sacerdotes digam o que pensam, participem da vida coletiva e da vida social. Acho que ficamos todos a ganhar com isso». Não é um voluntarismo ou uma mera opção. É um dever de todo o cristão católico.

21.05.09

Os agentes e instituições políticas devem promover uma credibilização do sistema político e dos candidatos. A CEP (Conferência Episcopal Portuguesa) é clara: «Os responsáveis políticos têm o dever de formular programas eleitorais realistas e exequíveis, que motivem os eleitores na escolha das políticas propostas e dos candidatos que apresentam. Este dever exige dos mesmos responsáveis a obrigação de visar o bem comum e o interesse de todos, como finalidade da acção política, propondo aos eleitores candidatos capazes de realizar a sua missão com competência, cultura e vivência cívica, fidelidade e honestidade, sempre mais orientados pelo interesse nacional, que pelo partidário ou pessoal. Ser apresentado como candidato não é uma promoção ou a paga de um favor, mas um serviço que se pede aos mais capazes». O povo, e com razão, já está farto de muito teatro mal ensaiado, de muita pantominice e desonestidade, de muitos ilusionismos e malabarismos. Já é tempo de se acabar com o paleio das promessas e de se falar a sério e com transparência às pessoas sobre a verdadeira realidade dos problemas do país e apontar soluções que podem, de verdade, ser exequíveis e que são sólidas a médio e longo prazo, acima dos interesses partidários ou pessoais. 

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