06.12.13
O primeiro capítulo da Constituição Dogmática Lumen Gentium do Concílio Vaticano II sublinha um dado fundamental: a Igreja é um mistério de comunhão com a Santíssima Trindade. A Igreja é uma comunidade de irmãos alicerçada e unida a Jesus Cristo, no mesmo Espírito, que aceita viver num mesmo amor, caminhar num mesmo sentido e num mesmo caminho e partilhar a vida e os bens da vida para bem de todos, à imagem da comunhão profunda e santa que reina no seio da Trindade. Assim sendo, aceitar ser cristão é abandonar o individualismo e o egoísmo (eis a verdadeira conversão) e abrir-se à comunhão com Deus e com a Igreja. Assumir livremente a condição de batizado é sair de si mesmo e comprometer-se a seguir Jesus Cristo, na e com a Igreja, vivendo como seu discípulo e membro ativo da Igreja.
Muitos cristãos, ou por falta de formação, ou incapazes de se desligarem da cultura e da mentalidade deste tempo, marcadamente individualista, ou até por comodismo, manifestam não entender a dimensão comunitária da sua fé cristã. Só tem sentido aceitar ser cristão se se está disposto a viver em comunhão com a Igreja. Infelizmente muitos cristãos julgam que se podem chamar de cristãos só porque tem o seu nome no livro de batismos ou porque concordam formalmente com os princípios e os valores da doutrina e da práxis da Igreja, sem se importarem minimamente com a vida da Igreja e de viverem em comunhão com a Igreja, querendo viver sempre ao sabor dos seus interesses, gostos e conveniências. Quem assim pensa e vive não tenha dúvidas de que vive numa relação ilusória com Jesus Cristo e vive erradamente a sua fé cristã.
Há uma consequência clara desta mentalidade que se entranhou no espírito de um bom número de cristãos: a Igreja não é a sua comunidade e a sua família, colocada no centro dos seus interesses, com a qual e para a qual se procura viver, mas é antes uma prestadora de serviços para quando convier. Muitos cristãos não são discípulos de Cristo e membros da igreja, são clientes da Igreja, que não se interessam da Igreja, nem se importam de viver em comunhão com a Igreja, e que, quando muito bem lhes interessar, batem à porta da Igreja para obterem bens ou serviços religiosos e espirituais para consumo individual, sacramentos para reunir a família e os amigos (temos cristãos que pedem batismos e matrimónios e nunca mais aparecem), porque toda a oportunidade de fazer festa é imperdível e fica mal não cumprir a tradição, ou para solicitarem qualquer outra coisa para ultrapassar dificuldades e problemas. São cristãos que se servem da Igreja, mas não querem ser e viver em Igreja. Tudo isto é uma grave deturpação da vivência da fé cristã. Jesus Cristo quer uma Igreja de discípulos, que verdadeiramente o querem amar e seguir todos os dias e se dispõem a viver em comunhão com Ele e uns com os outros, e não uma Igreja de clientes, que querem bens de Deus para comodamente viverem para si, sem vontade e disposição de caminhar e viver em comunhão com os outros. É preciso acabar com o espírito clientelista dentro da Igreja.
2. Em Outubro de 2014, está definida a realização de mais um Sínodo dos Bispos, centrado no tema da família. Antes destas grandes reuniões da sua cúpula, a Igreja lança um documento de preparação, em que apresenta e situa o tema, procurando recolher informação alargada e útil para a reflexão do Sínodo. Habitualmente, a informação só é solicitada ao episcopado e ao presbiterado da Igreja, mas desta vez o Papa Francisco também pede a colaboração dos leigos no inquérito preparatório. Aspeto positivo a salientar. A Igreja é constituída por todos os batizados e todos têm direito ao seu espaço de expressão dentro da Igreja e a participar na discussão, na reflexão e nas decisões da Igreja. Lembrei-me do episódio do monte Tabor: Jesus pôs água na fervura no deslumbramento dos mais influentes dos Apóstolos e mandou-os descer à terra, para enfrentarem os problemas do mundo e continuarem a caminhada até Jerusalém. Os leigos são os que mais diretamente convivem com esses problemas todos os dias e por isso têm uma sabedoria e uma experiência da vida e suas realidades que poderá ser de grande utilidade para o pensamento e as decisões da Igreja. Outro aspeto a salientar, olhando-se ao inquérito, é a transmissão da ideia de que não se devem abandonar ou desprezar os cristãos que não estão em sintonia com a doutrina da Igreja. Não têm lepra. Mais importantes do que os princípios e os valores são as pessoas e os seus dramas. Não se aprovam algumas das suas escolhas, mas não se pode deixar de ter solicitude por todos, até porque só o amor é que promove mudanças e permite trilhar novos caminhos.