Também os da inteligência, também os do coração. Há tempos, um afamado comunicador da nossa praça fez constar que o grande culpado do que menos bom ou até mau ia acontecendo no agora célebre Bairro da Bela Vista seria o primeiro bispo de Setúbal que, levado pela sua preocupação pelos pobres (salve-se isto!), mandaria construir aqueles mamarrachos sem pés nem cabeça, isto é, sem as condições mínimas para garantirem uma saudável vizinhança e qualidade de vida. Procurei elucidá-lo a ele, procurador da história e das estórias, fazendo-lhe ver que estava lavrando no impensável, até porque ao dito bispo mais não se poderia atribuir que um preocupado trabalho de ajudar aquela gente, criando meios e espaços de humanização, bem apoiados por serviços, instituições e párocos mui zelosos em acompanhar aquele mosaico racial, cultural e religioso. O Bairro da Bela Vista foi sempre problemático, logo a partir da concepção ideológica que presidiu à sua construção. Para além das estruturas referidas, entre as quais se encontra uma humanizadora igreja, são sem número os eventos que se promovem para aproximar aquela gente, que, como toda a outra de Setúbal, é trabalhadora e boa. Acrescentaríamos que não devidamente
olhada por quem de direito. A policia, claro, é necessária, ó se o é, mas não é a única nem mais válida solução. E os casos que o provam vão-se multiplicando por essa Europa fora e já com inquietante frequência pelo nosso país. É preciso lá ir. É preciso lá estar. Com os ouvidos e os olhos da inteligência e do coração. Na cave, isto é, na verdade, está o abandono, está a desconsideração pelas pessoas, está a desconfiança. E destas companhias só pode despoletar o descontentamento, a raiva, o desejo, porventura inconsciente, da vingança. Os equipamentos muito bem apetrechados, com gente muito boa, mas muito sabedora e formalizada, embrulhada em papéis, não chegam. Podem até ofender, quando o importante, que é interesse e o afecto, não acontece. Vivemos tempos perigosos. Os nossos políticos, com que pena o digo, não servem, porque lhes falta a inteligência do coração. Aproveitando um sugestivo título de um livro de Daniel Sampaio, apetece-me dizer “Inventem-se novos políticos”. Que exagerado que eu continuo a ser.
D. Manuel Martins, Página Um da Renascença, 28.5.2009