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minhas notas

21.09.11

Fico impressionado com a rapidez com que os acontecimentos são esquecidos e a ligeireza com que são abordados. Os meios de comunicação social imediatamente montam as câmaras para se assistir às imagens reais de uma qualquer anormalidade social, convocam-se dois ou três comentadores de serviço, cria-se o debate, apontam-se teses, traçam-se cenários, descobrem-se mundos e fundos, mas basta acontecer uma rajada de tiros numa outra qualquer parte do mundo, que rapidamente se desmonta o circo e se parte para outra, ficando tudo muito no ar, duas ou três tiradas doadas ao vento. Enfim, o circo mediático. No inicio do mês de Agosto, uma série de motins lançou o caos e a anarquia nas ruas de várias cidades inglesas. A causa, segundo informaram, foi a morte de um jovem por parte das autoridades inglesas. A morte do jovem é geradora de indignação, é verdade, mas a reacção foi totalmente desproporcionada e sem sentido. Em democracia ou em qualquer outro regime, não é assim que se manifesta a indignação, mas pedindo o apuramento de responsabilidades e mudando as estruturas e as leis para que não se repitam os mesmos erros. Mas não demorou muito a percebermos que aquela não era a única causa dos motins. Aliás, a morte do jovem era a justificação de que estavam a precisar para colocar em marcha o vandalismo puro e duro. O que movia aqueles bandos de insurrectos, afinal, não era tanto a «solidariedade» para com o malogrado jovem, mas o poderem durante alguns dias descarregar a má sorte da sua vida, a inveja e a raiva que têm aos «ricos», o sentimento de injustiça que os invade por verem que o progresso e o bem-estar não passam pela casa deles.

Alguns, convencidos de serem senhores do mundo por alguns dias, afirmavam orgulhosamente que «estamos a mostrar aos ricos que fazemos o que nos apetece». Enfim, imbuídos dos sentimentos de impunidade e de libertinagem, outra coisa não quiseram que libertar a fúria e a cólera reprimida que as suas entranhas aprisionavam. Outros gritavam que o faziam em nome dos seus «direitos», sem se importarem minimamente com os direitos dos outros, destruindo tudo o que lhes aparecia pela frente, sobretudo lojas comercias, principais alvos da sua ira.

A grande conclusão que se retira desta injustificável insurreição de jovens é que os motins não foram actos de reparação de uma injustiça, mas foram actos de vândalos, que acirrados pela febre consumista e cultivadores da violência, espalharam estrategicamente o caos para adquirirem produtos e bens que vêm aos outros e que a televisão lhes impinge a toda a hora. O consumismo ou o não poder consumir como os outros, devidamente caldeados por uma inveja a transbordar, foram os grandes instigadores dos motins. Para azar deles, a Inglaterra não tem a justiça portuguesa, e um bom número dos autores dos motins já foram julgados e sentenciados com alguns anos de prisão, alguns dos quais serão ocupados a reconstruírem o que destruíram.

A nossa esquerda apressou-se logo, demagogicamente, a explicar que aquilo tudo resultava da injustiça e da opressão do capitalismo sobre os mais pobres, esquecendo-se que a Inglaterra tem dos sistemas de apoio e de assistência à pobreza e à desigualdade mais consistentes e eficazes da Europa.  Aqueles jovens não são uns «pobres coitados». Têm subsídios do Estado, que lhes permite ter um nível de vida minimamente digno. Só que isto para eles não chega. Quiseram adquirir bens e ter um pouco de poder dos bens sucedidos da sociedade.

Como isto mudou! Noutros tempos, organizavam-se revoltas e manifestações em nomes de grandes ideais, em nome de grandes projectos de sociedade e de ideologias, em nome de utopias e de grandes transformações sociais, em nome de convicções políticas. Agora, fazem-se revoltas por um iphone ou por um ipad, por um LCD ou por um ipod, por roupa de marca ou por uns ténis, que são o último grito da moda (as lojas de tecnologia e de roupa foram as mais afectadas). Promover mudanças sociais, lançar ideias, apresentar soluções, lutar em nome de causas dignas não importa. Importa é ter e consumir, poder divertir-se e levar uma vida na boa, nem que seja à custa dos outros.

Na senda disto mesmo, um dado curioso dos motins foi que as livrarias foram minimamente afectadas. Ao lado de lojas de vestuário, de produtos alimentares e de tecnologia completamente devastadas, as livrarias permaneceram incólumes, apenas exibindo algumas escoriações de grafiteiros. Os livros não interessaram aos revoltosos. Adquirir bens para o intelecto e para o estudo e a leitura não estavam nas suas prioridades. Isto diz muito da sociedade em que vivemos e que em parte estamos a construir. As novas gerações que aí vêm, que nasceram nas sociedades da informação, correm muito o risco de serem gerações incultas. De nada adianta ter muita informação, se não se organiza, sintetiza e questiona essa informação. Porque gerações que não lêem, são gerações que não pensam e gerações que não pensam, são gerações que não contribuem para o progresso da humanidade e para o enriquecimento das culturas dos povos.

Hoje em dia, o pensar e o reflectir está reservado a uma elite e subalternizados ao sentir e ao divertir-se. Como não podia deixar de ser, vivemos um tempo de pensamento pobre, em que a vida se reduz a um acumular de experiências e sensações que levam a não sei onde. Como dizia um colunista aqui há uns tempos, «vivemos num tempo de pensamento débil, de pós-modernidade, onde o discurso da liberdade se tornou solitário: liberdade é fazer o que se quer, desde que não se faça mal aos outros. Há a ideia vagamente difusa, ou difusamente vaga, de que cada homem é o absoluto senhor do seu destino. Este conceito de liberdade traz consigo o penhor da solidão desencantada e depressiva em que muitos homens, mulheres, jovens, crianças e idosos rapam os seus dias». Sociedades que não privilegiem a inteligência, o pensamento, a reflexão e a cultura, serão sempre sociedades pobres e áridas.

E já que de cultura falamos, não entendo o retrocesso que este governo promoveu ao reduzir a cultura a uma simples secretaria de estado. Parece que só conta para o governo trabalhar e produzir riqueza. Um governo deve ter a preocupação de pensar no conjunto dos bens que contribuem para a realização dos cidadãos. E um dos mais importantes é a cultura. Ver boas peças de teatro, ver um bom filme, assistir a um concerto de uma boa orquestra, ter bons livros nas livrarias, poder visitar bons museus, é do mais elementar para a felicidade dos cidadãos e para o rendimento e progresso do país. Tanta preocupação com o 12º ano e com a qualificação superior dos cidadãos, e depois fecham-se ou diminui-se a importância dos teatros, dos cinemas e das casas de expressão artística, como se não contribuíssem para a educação e formação dos cidadãos e uma maior amor à cultura nacional.

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