09.09.13
O consumismo, paulatinamente, tem vindo a invadir todos os âmbitos da vida humana e social. Continua a demência do mundo contemporâneo: a convicção de que a felicidade está na abundância de produtos e serviços, no usufruto de rendimentos e de bens e mais bens, na multiplicação e sobreposição de experiências, na realização fugaz de todos os desejos, até dos mais insignificantes, fazendo-se da vida uma experiência de tudo e de nada, uma roda-viva sem sentido, uma vida sem vida. Quando entenderemos que a felicidade está nas pessoas e na vivência da verdade mais profunda de nós mesmos, com espiritualidade e moralidade, e não na satisfação epidérmica que os prazeres e os bens do mundo nos oferecem? O resultado do consumismo está aí estampado todos os dias: pessoas vazias, impacientes, manipuladas, aborrecidas, dependentes, stressadas, empedernidas, agoniadas, deprimidas.
O consumismo persiste porque vivemos numa sociedade individualista. Não nos é difícil verificar que, atualmente, importa mais o individuo do que a família ou a sociedade, importa mais o eu do que o grupo ou a comunidade, importa mais o prazer e a satisfação pessoal do que o amor autêntico. Como não existem grandes causas e grandes projetos sociais que mobilizem as pessoas e não há uma clara conceção de fraternidade, as pessoas refugiam-se mais em si mesmas e procuram rodear-se de toda a espécie de bens e produtos, onde pensam encontrar a realização e a felicidade, que julgam não encontrar em mais lado nenhum. É uma vivência errada da vida.
Até já temos o consumismo religioso, que já fez alguns estudiosos delirar com o retorno ao religioso. Poderá, em alguns casos, ser retorno ao religioso, embora muito núbio e difuso, mas é sobretudo consumismo, ou seja, aquisição e busca de bens e serviços para se ir consumindo e para o mero bem-estar pessoal, não importando donde vêm, e para a resolução imediata de problemas e dificuldades. Não há uma busca e uma adesão séria a Deus e o compromisso com uma comunidade. Apenas se quer bem-estar pessoal. Assim se vêm pessoas a colecionar orações, na convicção de que quem as reza obtém determinados efeitos na sua vida (está boa, não está? A oração é escuta e diálogo com Deus, este é o seu efeito), confissões atrás de confissões para se ter apenas bem-estar psicológico, aquisição de objetos religiosos das várias crenças religiosas, acreditando-se nos seus poderes mágicos e milagrosos, participação em celebrações atrás de celebrações, frequentando-se com toda a normalidade uma missa, logo de seguida uma reunião de uma seita e se houver tempo ainda se vai a um encontro budista ou outro qualquer, frequência de cursos de formação simplesmente para se ter ou dizer que se tem, sem a preocupação de verdadeiramente se comprometer e de acrescentar verdadeiro conhecimento à vida, coleção de romarias e festividades, e por aí fora.
Um consumismo que está muito em voga é o psicológico, não deixando de suscitar um misto de curiosidade e de ironia. Destinado a alimentar o narcisismo (idolatria e culto do eu, com seus caprichos, gostos e sentimentos), que o individualismo gera, tornou-se quase obrigatório ler horóscopos (com que seriedade são lidos e seguidos!), a quiromancia, pedir a opinião do psiquiatra, do psicanalista ou do psicólogo para tudo e para nada. Ouve-se que é preciso conhecer as cavernas recônditas e os meandros da nossa personalidade e libertar o eu das suas tensões e prisões. Eis a nova febre que aí anda: ioga, meditação, zen, terapias de grupo, expressão corporal, filosofias e práticas orientais, e, por vezes, quanto mais exotéricas melhor, para reafirmação de determinadas posturas e satisfação pessoal. São as denominadas «terapias psi», que costumam estar mais ou menos revestidas das cores das filosofias orientais. Nasceu assim o homem psicológico, que busca a libertação e que trabalha pela independência e autonomia do seu eu, início e fim de todo o seu comportamento. Que dizer de tudo isto? Não está em causa o valor enorme da psicologia e das filosofias e práticas orientais, que bem usadas produzem alguns efeitos saudáveis na vida, e de alguns dos seus profissionais. Está em causa a sua instrumentalização para um narcisismo exacerbado e estulto e para um consumismo que só na aparência dá bem-estar e satisfação às pessoas, porque a ausência de bons valores e de verdadeira vida interior, em comunhão e ligação com os outros, persiste. Se por detrás deste interesse pelas práticas e filosofias orientais estivesse uma vontade firme de mudança, quer dizer, conhecer-se melhor para retificar, mudar o rumo e corrigir erros de conduta e dar mais qualidade moral e humana à vida, teria o seu sentido e mereceria aprovação, mas o que se nota é que se busca pura satisfação narcisista e continuar a dar largas ao individualismo, que mais não quer que o seu bem-estar, procurando-se tapar os muitos desequilíbrios que a vida tem.
O consumismo, seja de que teor for, é sempre uma servidão. Num tempo em que tanto se fala de liberdade e do direito a ser livre, seria bom notarmos que, afinal, não somos assim tão livres como pensamos. Não faltam ídolos e manipulações que nos tiram a liberdade e nos alienam para fins para os quais não fomos feitos e que a médio e longo prazo nos tornam menos humanos e mais infelizes. Se não tivéssemos deitado fora os valores espirituais da fé cristã, como muitos fizeram, facilmente perceberíamos que toda esta ementa «psicológica» que por aí anda, como nos é proposta, não passa de treta e de verbosidade de candongueiros.