06.12.12
Mais um ano litúrgico que ficou para trás. Toda a Igreja é, agora, convocada para mais um advento, nunca esquecendo que está sempre em Advento. Jesus Cristo veio, vem e virá. Por vezes, nós, cristãos, vivemos tão preocupados com o céu, o purgatório e o inferno no fim da vida, que nos olvidamos de que essas realidades já se estão a viver e a antecipar aqui e agora. A eternidade não será senão a plenitude daquilo que ansiamos e construímos ao longo da vida, dando-se o devido espaço para as surpresas da misericórdia de Deus. Se assim não fosse, esta vida seria uma inutilidade e uma perda de tempo, um cálculo errado e uma fantasia indecente do criador. Mas não é. O presente da vida é o tempo favorável para dar consistência e grandeza à vida e ser mais homem com Deus e com os outros.
O Advento lembra à Igreja de que tem de estar sempre no posto de vigilância, com um coração expectante por Aquele que lhe dá acesso ao amor pleno e eterno. Jesus Cristo anda por aí. Deixá-lo passar e não o acolher (que é o que muitas vezes nos acontece) é uma distração imperdoável. Não falta quem nos adormeça. Ele é sempre o Emanuel, o Deus connosco, que nos salva e inquieta para sermos mais, na sua Palavra e nos sacramentos, mas também nos muitos apelos e desafios do mundo atual, nas vozes dilaceradas que esperam um coração cheio de compaixão, nas mãos calosas que desejam aconchego e alívio, nas lágrimas de quem quer contemplar uma aurora suave, que dê lugar a um dia cheio de luz sempiterna.
O Advento é preparação para o Natal. Sem advento, isto é, sem abertura do coração a Deus, sem conversão da vida ao Deus que me quer encher de vida plena e de graça, sem aproximação ao irmão que devo amar, seja ele quem for, também o Natal não será Natal. Ou então será o que parece muitas vezes: uma época onde se cantam e ouvem músicas até ao fastio, uma festarola para troca de prendas de que não precisamos, um encontro de família porque é a tradição (sem qualquer ligação com o nascimento de Jesus, como muitas já fazem), um desperdício de ornamentação, com enfeites e luzes, uma repetição de rituais que não trazem nada de novo à vida, uma agitação que cansa e um frenesim sem alma.
Advento é preparar o acolhimento de Deus, que me quer humanizar e salvar, no concreto da minha vida. Muitos batizados precisam de encontrar Deus no quotidiano da vida. No mundo em que vivemos, uma multidão de cristãos só o são de nome, porque alguém os levou e obrigou a cumprir a tradição religiosa, e quando questionados sobre ela, não a negam, mas depois vivem como se Deus não exista. No campo teórico, concordam com a existência de Deus e com as verdades da fé, mas, na prática, no dia-a-dia, esse Deus em quem dizem acreditar não lhes diz nada. Dizem crer em Deus, mas vivem sem Ele. Que sentido tem uma fé assim? É o ateísmo prático. No campo das intenções e das ideias, concorda-se com a fé e as suas disposições, mas depois não se dá importância nenhuma a isso na vida, vivendo-se ao sabor do que mais convém, do que mais interessa, do que é mais fácil, daquilo que o mundo dita e postula, numa serena e tranquila mundanização. Este tipo de ateísmo é altamente pernicioso para a fé, como o afirma Bento XVI: «No nosso tempo verificou-se um fenómeno particularmente perigoso para a fé: de facto, existe uma forma de ateísmo que definimos «prático», no qual não se negam as verdades da fé ou os ritos religiosos, mas simplesmente se consideram irrelevantes para a existência quotidiana, destacadas da vida, inúteis. Então, com frequência, cremos em Deus de modo superficial, e vivemos «como se Deus não existisse». Mas, no final, este modo de viver resulta ainda mais destrutivo, porque leva à indiferença à fé e à questão de Deus».
Muitos ditos cristãos, são cristãos culturais ou sociológicos. São cristãos porque o cristianismo é a religião social e há uma tradição cristã. Fizeram o percurso «habitual» na Igreja, mas foi um percurso sem convicção e a adesão do coração. A fé foi sempre encarada como algo a mais, que não importa muito. Não descobriram a beleza do Deus em quem dizem acreditar e não aprenderam a levá-lo para a vida. Chegada a adultez, renunciaram a uma vivência madura da fé e dão-lhe tanta importância como uma pedra da calçada, a não ser para as urgências onde o mundo se manifesta impotente. Deixam-se levar nas ondas de uma fé passiva, fria e incoerente.
Este tempo do advento é um tempo oportuno para darmos o devido espaço que Deus merece na nossa vida. Deus não poder ser só uma ideia ou uma teoria, ou um conjunto de crenças e valores. Deus é alguém que me convida para uma relação de amor, no concreto da minha vida e todos os dias da minha vida. Que me interessa uma fé ou um Deus que não dá uma forma e um sentido novo à minha vida, um Deus que não mexe com a minha conduta e com as minhas decisões e que não invade todos os aspectos da minha vida? Que valor tem uma fé que não leve ao compromisso efetivo e afetivo com a vontade de Deus? Não tenhamos ilusões: ser cristão de nome não vale nada. O próprio Jesus criticou severamente o formalismo e o exteriorismo que existia na religião judaica do seu tempo, sem um compromisso e uma entrega vivencial a Deus. Serve o mesmo aviso para os muitos ateus práticos que por aí andam.