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minhas notas

16.03.15

Tenho dedicado algum tempo a tentar compreender o que é que leva jovens europeus a tomarem a decisão de ir combater no Iraque ou na Síria, ou noutras partes do mundo, e a serem atores de carnificinas diabólicas e de vídeos bárbaros, para espalhar o terror. O assunto é complexo e deve ser motivo de grande reflexão na Europa. O que leva jovens a abandonarem uma das regiões do mundo onde se vive melhor, onde há abundância material, liberdade, paz e democracia, para irem para terras de guerra e de grande instabilidade política, económica e social? Alguns cidadãos atentos, por norma, pragmáticos, e alguns estudiosos apontam algumas motivações: desilusão para com a sociedade europeia, que lhe coartou o futuro e os empurrou para um beco sem saída; desemprego; protesto ou até frustração contra a rivalidade e a competição que se instalou nas sociedades europeias, nas instituições e nas empresas; tédio face ao individualismo e ao hedonismo que vigora no estilo de vida europeu, que tem arrastado muitos jovens para o mar da indiferença angustiante e do sem sentido da vida; desgaste político, social e económico das sociedades europeias, que se encontram sem líderes e sem soluções para os problemas; diluição da instituição familiar e ausência do acompanhamento e da educação sólida que ela veiculava; persistência de preconceitos e de uma certa sobranceria dos europeus face a outras culturas; má integração e socialização; educação deficiente dos sistemas e conteúdos de ensino, excessivamente técnicos e intelectuais, com pouca preocupação pela moral e pela ética e pelas grandes inquietações humanas; culto da violência e da agressividade e busca incessante de sensações novas, para se colmatar o marasmo e o vazio da vida; falta de reconhecimento e busca de glória e de projeção a qualquer custo, entre outras.

 Não há dúvidas de que tudo isto está presente nas sociedades europeias e poderá motivar a procura de outras paragens. Eu apontaria, sobretudo, o grande vazio que reina na vida de muitos jovens. Na Europa, preocupámo-nos sobretudo com o bem-estar psíquico, psicológico, material e social das novas gerações. Fizemos da diversão e do entretenimento, o mais personalizado possível, a fonte da felicidade para jovens e crianças. Mas esquecemo-nos do essencial: transmitimos visões superficiais da vida e não lhes comunicámos causas e ideais, não lhes comunicámos razões de vida e motivações profundas para que a vida se realize verdadeiramente, seja fecunda, e tenha verdadeiro sentido. Não nos preocupámos com a sua forma de estar e de viver e de interagir com os outros. Não se pode andar aqui muito tempo sem se ter uma razão e um motivo nobre e válido que dê sentido à vida e que a torne justificável. O vazio tem vindo a tomar conta das sociedades europeias, vazio que é urgente repensar e preencher. O filósofo francês, Gilles Lipovetsky, no livro «A Era do Vazio», escreve: «Já nenhuma ideologia política é capaz de inflamar as multidões, a sociedade pós-moderna já não tem ídolos nem tabus, já não possui qualquer imagem gloriosa de si própria ou projeto histórico mobilizador; doravante é o vazio que nos governa, um vazio sem trágico nem apocalipse». E ainda: «A res publica encontra-se desvitalizada, as grandes questões filosóficas, económicas, politicas ou militares suscitam mais ou menos a mesma curiosidade desenvolta do que um qualquer fait divers; todos os cumes se abatem pouco a pouco, arrastados pela vasta operação de neutralização e banalização sociais. Viver sem ideal e sem fim transcendente tornou-se possível». Tornou-se possível até que se torna impossível.

 Mas coloca-se, agora, a pergunta: Porque que é que estes jovens optaram pelo mal e não pelo bem? Não faltam regiões no mundo onde poderiam ser extremamente úteis, colaborar para o bem dos outros, viver bem e realizar a maioria dos seus anseios e projetos, em vez de irem combater para exércitos como mercenários, em nome de ideologias diabólicas, que têm como fim a barbárie e o terror. A verdade é que nas sociedades europeias somos tolerantes com uma certa cultura de violência e até fazemos da violência entretenimento, com grave prejuízo para as relações humanas e sociais. Muitos vídeos das redes socias e as notícias diárias assim o atestam. E já nem falo dos vídeo jogos e de outros entretenimentos, que têm sempre como fim eliminar e violentar. Não pensemos que esta cultura de violência que toleramos não tem consequências. Estamos pobres como pessoas humanas e perdemos a noção dos limites. E isto é muito preocupante. O bispo do Porto, D. António Francisco dos Santos, no dia 24 de Janeiro, no II Encontro Nacional de Leigos, dizia na sua homilia: «O modelo predominante da sociedade europeia contemporânea diz-nos que as crianças são ensinadas mais para «ter» do que para «ser». Preparamos as novas gerações para a competitividade e para a rivalidade. Educamos muitas vezes mais para a afronta e para a violência do que para a reconciliação, para o diálogo, para a mansidão e para a paz. Vivemos assim num modelo de sociedade que facilmente empobrece as pessoas, lhes retira generosidade e lhes provoca um vazio de sentido e uma ausência de esperança. A procura de liberdade, de comunhão e de paz é atendida com objetos que o dinheiro compra mas que o amor de Deus, o afeto do coração e a dádiva da vida não trabalharam suficientemente. E por isso verificamos por entre tristezas, desilusões e medos que esta sociedade que aparentemente crescia depressa em bem-estar, progresso e abundância não cresceu em solidariedade, em respeito, em gratidão, em responsabilidade e em preocupação pelos outros».

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