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minhas notas

06.07.15

Já aqui escrevi sobre as festas cristãs e volto de novo a abordar o tema porque há alguns aspetos que devem ser repensados. Faço-o, aproveitando uma nota pastoral que o Bispo de Bragança-Miranda, D. José Cordeiro, dirigiu à sua Diocese, nota que me parece oportuna. Vem aí o tempo do Verão, estação pródiga em festas. Este mesmo mês de Junho, que chegou ao fim, foi um fartote de patuscadas e de pândega com os denominados santos populares. Será que as nossas festas cristãs são verdadeira expressão da fé cristã?

As festas são momentos importantes da vida. O ser humano sente necessidade da festa. Quebram a rotina, retiram a vida da vulgaridade, favorecem a alegria, o encontro e a fraternidade entre as pessoas. Enfim, são momentos de celebração da vida, que ajudam a crescer em humanidade e alegria de viver e ser com os outros. Na nossa memória, não podemos deixar de conservar a vibração, ou até mesmo a comoção, e as ressonâncias agradáveis das festas que nos vão passando pela vida, como eu tenho por exemplo da grandiosidade da Senhora da Livração de Boticas ou do Senhor do Monte de Pinho, ou até da festa da minha terra e das festas que já vou celebrando como pároco.

 É importante que a festa seja mesmo festa, momentos de verdadeiro encontro com Deus e com os outros, que acrescentam força, vida, alegria e esperança autênticas à vida, momentos que ajudam a fazer da vida uma experiência admirável. Isto é que é o essencial de uma festa digna desse nome. Como diz D. José Cordeiro, «falamos da festa cristã e não apenas de um mero passatempo festivo e que hoje, como é frequente, faz parte do circuito comercial. A festa traz em si mesma a afirmação do valor da vida e da criação, tornando o nosso viver mais humano e mais digno». A motivação mais profunda da festa cristã é o amor de Deus. «Festejar é próprio de quem sente que é amado por Deus. Deus ama e chama, no quotidiano, no trabalho e na festa, a participar do Seu Amor.»

 Nas festas cristãs, tudo deve ser organizado para se agradecer, celebrar e fortalecer o valor da fé, dom de Deus, com toda a sua riqueza e exigência. Estamos ali porque somos cristãos, porque somos Igreja, que deseja celebrar e cantar a obra de Jesus Cristo e as maravilhas que Ele faz naqueles que o seguem (os santos) e o papel e exemplo de Nossa Senhora na História da Salvação. Não estamos ali apenas como meros amigos que se juntam para comer e beber, como, infelizmente, sobressai demasiadas vezes, com muito ruído e barafunda.

 O momento central de uma festa cristã, dentro da configuração habitual, é a celebração da Eucaristia, em que celebramos o acontecimento central da vida de Jesus Cristo, e por isso mesmo, também de todos os cristãos, a sua Morte e a sua Ressurreição, fonte de toda a festa cristã. Nas festas, tudo parte de Cristo e tudo é para chegar a Cristo. Mesmo nas festas dos santos, o objetivo não é fixarmo-nos no santo, mas celebrarmos momentos solenes que «proclamam as grandes obras de Cristo nos seus servos e oferecem aos fiéis os bons exemplos a imitar», como diz o Documento do Vaticano II, Sacrosanctum Concilium , no seu número 111. A Eucaristia deve ser participada por todos, preparada com todo o esmero e solenidade e celebrada com piedade e não com desordem, desinteresse, displicência e aridez, como impacientemente se vai vendo em algumas festas. A procissão não é o momento mais importante da festa. É um cortejo solene, onde se manifesta publicamente a fé e onde deve imperar o canto e o louvor a Deus. É inaceitável que em muitas festas cristãs se secundarize a importância e a celebração da missa ou que se deseje a sua celebração rápida, para se realizar a procissão.

 É preciso repensar o espírito meramente comercial e lúdico com que se fazem muitas festas cristãs. Como afirma D. José Cordeiro, «verificamos que alguns mordomos e comissões de festas se movem mais nas vertentes económica e lúdica das festas do que na sua dimensão cristã fundamental. É um enorme desafio para nós, superar o aspeto pagão, comercial, utilitarista e laicista da festa. Algumas organizações ou comissões de festas chegam até a contradizer o Evangelho e a fé da comunidade cristã, devido ao desequilíbrio, às vezes escandaloso, nos seus gastos com os elementos exteriores, entre eles a excessiva quantidade de foguetes ou as somas avultadas para conjuntos musicais.»

 Não podemos deixar de sentir o incómodo pelos objetivos balofos de algumas comissões de festas: buscar pura e simplesmente diversão, disputa com outras comissões anteriores, realização da festa para se fazer ver a não sei quem, recolha de receita a todo o custo (seria bom que se começasse a retirar o dinheiro dos andores, é um triste espetáculo) para ser gasta em atos e ações de duvidoso valor e importância. Não é esta a motivação para a realização de uma festa cristã. As comissões de festas fazem parte da Igreja e as prioridades e as necessidades desta, como Igreja universal, devem estar sempre em primeiro lugar. Por isso, como afirma D. José Cordeiro, «precisamos de recuperar ou não deixar perder o sentido cristão da festa. Temos de ter o maior cuidado com a gestão das esmolas, salientando bem que as colectas (ofertórios) e as promessas levadas ao altar da Eucaristia devem reverter exclusivamente para o culto, a evangelização e a caridade. O Papa Francisco diz claramente: «o dinheiro faz adoecer o pensamento e a fé e faz-nos ir por outros caminhos». 

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