11.02.21
Tenho o maior apreço pelos jovens, admiro a sua rebeldia, a sua criatividade e vivacidade, a sua vontade de querer mudar e transformar o mundo, de quebrar preconceitos obsoletos e mofentos, questionar regras e costumes carcomidos e desajustados, e tenho, sobretudo, como certamente todos terão, muito respeito por eles, porque serão os futuros líderes da sociedade, e só Deus sabe como me custa fazer-lhes algumas críticas, que considero, no entanto, construtivas, mas vou ter de o fazer. De eleição para eleição não estou a gostar de saber que a faixa etária mais abstencionista é a juventude. E as explicações ou teses sobre o fenómeno que são avançadas não convencem e não têm sentido. E, possivelmente, estão a incorrer num indigno ato de ingratidão para com o país, a família e os muitos honrosos antepassados, que lhes deixaram uma herança admirável. Poucas gerações tiveram o desafogo, o bem-estar, uma qualidade de vida, um nível de riqueza, as regalias e as benesses que as gerações atuais estão a ter. Deveriam estar muito agradecidas pelo mundo que lhes foi dado a viver. Mas a resposta dos jovens não tem sido a mais correta, alinhando pelo fácil falar mal de um tempo e de um mundo que lhes dá quase tudo de mão beijada.
Vejamos algumas coisas. Nascemos num país livre, onde cada pessoa humana pode construir livremente a sua vida, no usufruto dos seus direitos e no cumprimento dos seus deveres para com a comunidade e para com os outros cidadãos. Há liberdade de consciência, de religião, de expressão e tantas outras fundamentais para a realização humana. Cada um pode ser e viver como quer, no respeito pela lei e pelos outros, o que noutros tempos foi negado a muitas pessoas. E o quanto não é bom vivermos a vida sem termos a sombra alucinante de um fantasma que queira conduzir, espiar, censurar e perturbar a vida dos outros! A liberdade e a democracia, que muitos corajosamente e abnegadamente conquistaram, não merecem que percamos quinze minutos para ir votar, participando na festa da democracia? Porque, de facto, a democracia é a festa da sã discussão, da partilha de ideias, da escuta de quem pensa diferente, do confronto intelectual de projetos e soluções para as dificuldades e problemas da sociedade. E a melhor solução é não participar na festa e fazer de conta que isto não é nada connosco? No futuro quem vai liderar a sociedade e as instituições políticas?
Depois, lembro que nascemos num berço de ouro. Hoje, a maioria dos jovens não passa fome e não é miserável, pode estudar e pena, de facto, que ainda nem todos tenham um nível de vida digno e não possam estudar, mas se quereis que assim seja é a comprometer-se com a democracia e com a boa política e não virando-lhes as costas. Hoje um jovem já tem telemóveis de mil euros nas mãos com toda a facilidade do mundo, o que noutros tempos era uma miragem, e se o queriam, tinha de ser à custa do suor do seu trabalho. Muitos podem vestir-se com uma elegância ímpar. Poucas gerações tiveram os níveis de distração e diversão que as gerações atuais têm, onde não faltam atividades, desportos e ações para passar bem o tempo e aumentar a dopamina no cérebro. Muitos jovens têm o privilégio de participar em todos os festivais de verão, com grandes noitadas, à custa de muitos pais trabalhadores e abnegados, que se devotam, talvez exageradamente ou até erradamente, à convenção social de que não se pode faltar com nada aos filhos. Nunca se teve tanta facilidade para viajar e passar férias como hoje e veja-se o número de casais jovens que o fazem.
É caso para perguntarmos: de que é que se podem queixar as gerações atuais? Que mais é que é preciso? Certamente que ainda não é um mundo ideal e perfeito, pois não, mas é um mundo bom, que muitas gerações nunca tiveram, e é verdade que a cultura partidária e política desilude em muitos aspetos, mas sempre assim foi, com mais ou menos dimensão. A cultura laboral e empresarial ainda deixa muito a desejar, não há emprego para todos, pois não, mas só há uma forma de melhorar a situação: refletir, participar no debate de ideias e projetos, apontar soluções, ser um cidadão determinado, ativo e participativo, dar o corpo ao manifesto pelas boas causas sociais, envolver-se com audácia e criatividade no desbravar de novos caminhos e criação de estratégias para se melhorar a vida de todos, em vez de passarmos o tempo a reclamar de tudo e de todos ou a deixar sempre para alguém que nos venha sempre fazer a papa toda, sem exigir o nosso esforço e o nosso compromisso. Já é tempo de deixar o recreio.