09.02.17
No dia 2 de dezembro, faleceu o Monsenhor Ângelo Minhava, com a invejável idade de 97 anos. Nasceu na Freguesia de Ermelo, Concelho de Mondim de Basto, a 15 de janeiro de 1919.
Sem desprimor para com ninguém, foi das pessoas mais singulares e extraordinárias com quem convivi, e muitos o poderão dizer muito mais do que eu. Viveu uma vida exemplar ao serviço da Igreja, como padre, e ao serviço dos outros, sobretudo no campo da música e da literatura. A cultura foi o seu habitat natural, enriquecendo-a com a sua grande inteligência e o seu espírito inventivo e criativo ímpar. Escreveu várias obras literárias de poesia e teatro, entre outras, musicou muitos poemas, dirigiu tunas e grupos corais, é autor de várias marchas e de músicas litúrgicas. Tinha uma cultura geral abissal.
Não deixava de espantar, primeiro que tudo, pela sua humanidade e simplicidade desarmantes, sempre alegre, delicado, com voz doce, com uma educação polida, acessível, afável, sem vaidade e sem pavoneio balofo, nada dado a veneradas eminências, íntegro. Era um grande homem.
Era um estudioso e um curioso insaciável, ávido por saber e por conhecimento, queria sempre saber de tudo e questionava tudo. Dava-se ao luxo de com 90 anos andar com um pequeno dicionário de russo no bolso, alimentando obstinadamente a sua faceta de autodidata, notória na sua maneira de ensinar. Via-se muitas vezes na solidão dos cantos dos corredores do seminário a ler atentamente livros ou jornais ou a compor músicas, sussurrando e abanando a cabeça e os ombros, músicas prontas a ensinar nas aulas de música.
Tinha um grande poder de observação, não deixando sempre de exercitar o seu espírito crítico apurado e de suavemente deixar os seus reparos e sugestões, que se ouviam com atenção. Não gostava, por exemplo, que lhe dissessem «ouça lá», ao que respondia «ouça lá a sua mãe», «ouça lá tem nome, está bem meninos?» ou que alguém limpasse o nariz ruidosamente, como muitas vezes fazemos. Com a testa franzida, sentenciava com ar sério: «o nariz limpa-se sem ruído, como é lamentável fazermos de corneta quando reina o silêncio ou alguém está a falar».
Aqui há uns tempos atrás, perguntei-lhe sobre o que o motivou a compor e a escrever a marcha de Montalegre. Com um sorriso nos lábios, um pouco pensativo, respondeu: «Sempre tive a impressão de que Barroso é uma terra agreste e fria, que tinha de ser habitada por gente valente e sem lamúrias, gente da lavoura. Reparei que os colegas que tive de Barroso eram destemidos, fortes e verticais e ao mesmo tempo generosos. Pegando no castelo e num pouco da sua história, retratei estas virtudes do povo barrosão». Deixou-nos a Marcha de Montalegre, que orgulhosamente cantamos.
No dia 4 de dezembro, na Sé de Vila Real, a diocese, familiares e amigos despediram-se de um grande homem e de um bom padre, de um ser humano excecional e de um criador raro, que enriqueceu abundantemente a vida dos outros, da Diocese de Vila real e da cultura.
Conta-se que um dia vinha com uns poucos de livros nas mãos e um empregado do seminário, que tinha alguma confiança com o Monsenhor Minhava, reparou e gritou do fundo do corredor: «ó Senhor Padre Minhava, um burro carregado de livros até parece um doutor.» O Monsenhor Minhava terá sorrido e ripostou: «é verdade, rapaz, mas um doutor que não lê livros é burro».