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11.02.21

No século XVI, as caravelas e as naus de aventureiros europeus, sedentos de conquistas, de poder e de riqueza, com muitos missionários católicos nas fileiras, aportaram nas virgens praias dos povos americanos. Começaria um tempo de terror para os indefesos povos indígenas, um tempo de massacre e destruição, com uma aliança infame e diabólica entre a espada e a fé. Milhões de índios foram forçados a converter-se à fé cristã, estando em ação uma imparável evangelização musculada, imposta a todo o custo, sem tolerância possível. Centenas de templos foram demolidos e milhares de imagens do culto indígena foram quebradas e queimadas. Milhares de índios insubmissos, questionando a arrogância e o desplante dos invasores e usurpadores intrépidos, são barbaramente assassinados nas mãos destas milícias de Deus ou soldados de Deus. Para estes apóstolos do Novo Mundo, as regras eram simples: ou a conversão à fé cristã, ou a morte. Contextualizando-a no tempo, certamente, mas ficou assim escrita mais uma página negra da história da Igreja, uma missionação violenta e forçada em clara contradição com os valores que o Evangelho propõe. A Igreja não é a única culpada, há muitos aventureiros ambiciosos e sem escrúpulos, que têm de se sentar no banco dos réus, mas a Igreja permitiu uma cumplicidade, que não podia ter qualquer sustentação.

Para além de uma instrução cristã obrigatória, muitos índios foram transformados em escravos pelos colonizadores para auxiliarem na exploração mineira, sobretudo ouro, e nas plantações rentáveis, como a cana-de-açúcar ou o algodão. Durante décadas, face à rebelião que seria de esperar dos indígenas e com uma funesta prepotência, os intrusos europeus submeteram milhões de índios a um abominável período de punição e maus tratos, escravatura e extermínio. Não faltaram, contudo, vozes discordantes e corajosas dentro da Igreja, e homenagem lhes seja feita, a condenar esta maldição lançada sobre os povos indígenas americanos, como António de Montesinos e Bartolomeu de las Casas, o que lhes valeu vigilância apertada e alguns assomos da Inquisição.

A missionação indígena passaria depois por outras fases menos violentas e intolerantes, gerações indígenas posteriores olharam para a fé cristã com outros olhos, mas nunca mais se esqueceram os abusos e atrocidades que se cometeram nos inícios da descoberta e da conquista americana pelos europeus. Com sempre acontece, o tempo foi curando muitas feridas e veja-se, contudo, as voltas que a história dá: o mesmo território que noutros tempos foi olhado com suspeita e como antro do demónio, da incultura, do primitivismo humano e da incivilização, é agora olhado como o «laboratório» ideal para a Igreja pôr em prática algumas soluções ou experiências, que no futuro  poderão ser aplicadas a toda a Igreja Universal.  

Quando se realiza um novo sínodo na Igreja, alguns setores eclesiais e alguns meios de comunicação social caem sempre na esparrela de elevar a tal ponto as expectativas, que criam a sensação de que vai vir aí um vendaval de mudanças profundas na Igreja, o que nunca vai ser verdade. A Igreja muda muito lentamente e, por vezes, tem muito medo de mudar. Mas vai mudando algumas coisas, infelizmente em contramão face à obsessão mediática pelo sacerdócio feminino e pelo celibato, que já se percebeu há muito tempo que, pelo menos nos próximos tempos, são intransponíveis. A atitude do Papa Francisco tem sido admirável: não quer uma Igreja adormecida em velhos esquemas e soluções gastas, manda estudar e investigar, apela à criatividade pastoral, recomenda coragem para se enfrentar os problemas, quer uma Igreja próxima, em ação e comprometida com o mundo e com o futuro de sim mesma e da humanidade. Note-se que a possível ordenação de homens casados é só para os casos de muitos homens casados que já são diáconos na Igreja e não para todos os homens casados. Sairá em breve a exortação pós-sinodal do Papa Francisco, onde serão apontados caminhos para o futuro da Igreja. O respeito pela civilização indígena, a delapidação da Amazónia, o pecado ecológico, as alterações climáticas e possíveis avanços no Sacramento da Ordem estão a merecer uma atenção especial. A ver vamos.

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