Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

minhas notas

29.03.16

Já lá vai mais de meio ano que a imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima passou por Barroso. Foi um acontecimento memorável, como já o tinha sido em 1954, certamente que com outra participação e com outros números (estes pouco importam). Alguns cristãos não resistiram a fazer comparações, mas os tempos são completamente diferentes: em 1954, Barroso tinha mais de trinta mil pessoas, foi tudo centralizado na Vila de Montalegre, o fervor por Fátima estava no seu auge, a vivência religiosa tinha outros predicados que hoje não tem. Sessenta e um ano depois, a realidade é outra: Barroso terá pouco mais de dez mil pessoas, a imagem peregrinou por vários centros e santuários, a vivência religiosa é difusa e frouxa.
Ainda assim, Barroso esteve à altura, mais uma vez, desta visita inesquecível e desta odisseia mariana por todas as terras de Portugal. Os pergaminhos de Barroso notaram-se: colaboração, entreajuda, hospitalidade, generosidade, respeito e piedade. Em todos os lugares por onde passou, Maria foi aclamada e acolhida por multidões, não havendo a menor dúvida de que Nossa Senhora tem grande devoção e continua a ter um lugar especial no coração do povo barrosão. E assim o merece, por tudo o que contribuiu para a salvação da humanidade. Por todas as dioceses por onde anda a peregrinar, está sempre a ser acolhida por multidões, que a recebem com emoção, afeto e encanto.
Mas, nem tudo são rosas. Ainda continuo a digerir e a refletir sobre o significado desta visita às comunidades cristãs de lés a lés de Portugal. Duas perguntas persistem nas minhas lucubrações: porque é que estas multidões de cristãos não se veem ao Domingo? A devoção a Maria, reforçada com tantas aparições em vários países, não se estará a tornar em mariolatria sem Cristo?
Quanto à primeira pergunta, nunca me iludi, nem deixarei iludir por multidões de motivação religiosa, que, por norma, têm muito mais de folclore religioso do que de verdadeira fé. Jesus diz-nos isso sabiamente nos Evangelhos. E vai mal a Igreja se se deixa iludir também. A impressão que fica é que temos, em Portugal, uma grande maioria de cristãos que vive a sua fé de forma convicta, esclarecida e comprometida com Cristo e com a Igreja, mas não é verdade. A realidade da Igreja, atualmente, vê-se ao Domingo e é bem diferente: a prática cristã é fraca, em muitas comunidades há grande absentismo, desistência cristã e indiferença, uma falta de compromisso gritante com os sacramentos e com a comunidade, na sociedade há uma clara falta de intervenção e militância católica, a doutrina da Igreja e a moral cristã já pouco importam para um bom número de ditos cristãos. O que eu esperava desta visita de Nossa Senhora às comunidades, e acho que é o seu melhor fruto, era que muitos cristãos indiferentes despertassem para uma vivência consistente e coerente da sua fé e se pusessem de novo a caminho com Cristo e para a comunidade, mas não vejo isso acontecer. Fica-se tudo, mais uma vez, na pobreza do sentimentalismo momentâneo e na instalação da frivolidade cristã.
Quanto à segunda pergunta, penso que com uma sobrevalorização das aparições marianas se pode cair no perigo da mariolatria. Em primeiro, convém lembrar que Maria merece toda a devoção do povo de Deus, porque é mãe de Deus e mãe da Igreja, mas jamais deve ser adorada. Embora conduzida por Deus a um privilégio impar e a uma condição única, não deixa de ser uma mulher igual às outras mulheres. O que mais nos deve seduzir nela é forma admirável como se disponibilizou diante de Deus e se submeteu à sua vontade. Maria impõe-se pelo seu exemplo e não pelos seus poderes milagrosos, que nunca teve. Em segundo lugar, costuma-se dizer, e bem, que Maria é o melhor caminho para chegar a Cristo. Mas o que se vê, afinal, é que muitos cristãos não querem chegar a Cristo, mas simplesmente ficar em Maria, onde sempre poderão dar azo a uma vivência religiosa mais sentimental e protetora, ao sabor dos interesses e conveniências pessoais. Um culto mariano assim está errado. Sem compromisso com Cristo e com Igreja não tem sentido a devoção a Maria.

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2023
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2022
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2021
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2020
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2019
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2018
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2017
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2016
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2015
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2014
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2013
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2012
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2011
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2010
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2009
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub