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minhas notas

26.09.16

O parlamento português, no dia 20 de Julho, aprovou a gestação de substituição, mais vulgarmente conhecida por barrigas de aluguer. A partir de agora, uma mulher (beneficiária) que não tenha útero, ou que tenha lesão ou doença no útero, sendo-lhe impossível engravidar, poderá celebrar um acordo jurídico com outra mulher (gestante), para que esta receba os seus ovócitos e lhe empreste a barriga, para que o casal possa ter um filho. Tudo terá que ser feito por puro altruísmo, sem qualquer pagamento, a não ser os honorários que a mulher gestante tenha ao longo do tempo da gravidez. Os acordos serão autorizados pelo Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida e a operação de gestação só poderá ser feita em centros públicos e privados autorizados pelo ministro da saúde. Após o parto, a mulher gestante renuncia aos poderes e deveres próprios da maternidade, entrega a criança à beneficiária, que passa a ser legitimamente a sua mãe. Toda esta ação e intervenção deverá ficar no segredo dos deuses, nem mesmo à criança deverá ser revelada a origem do seu material genético e que nasceu por ação de uma gestação de substituição.
Já reparámos que o assunto é complexo, mexe com princípios e levanta muitas questões morais. Não se entende a pressa que teve o parlamento português em aprovar uma lei que ainda gera mais dúvidas do que certezas. Tanta precipitação só se justifica porque temos partidos que querem troféus e querem ganhar o campeonato dos avanços e progressos civilizacionais contra os retrógrados, obscurantistas e conservadores inimigos da verdadeira e autentica civilização humana. Vamos acabar por concluir que nos metemos numa grande trapalhada moral e que a dignidade humana, que se promete defender, sai gravemente desrespeitada e lesada deste dito progresso civilizacional. Até o Senhor Presidente da República não fica nada bem neste enredo. Num primeiro momento vetou e apontou muitas lacunas à lei original. Após algumas correções de cosmética, já disse que promulga. Talvez lhe ficasse melhor pedir mais debate e reflexão à sociedade e aos partidos, como recomendaram muitas autoridades e conselhos.
Do ponto de vista jurídico, alguns juristas já apontaram algumas falhas na lei: hoje, infelizmente, renuncia-se com muita facilidade aos contratos e aos compromissos, à palavra dada. Se a mulher gestante, a meio da gestação, renunciar ao contrato, o que é que se faz à criança? Se uma mulher gestante reclamar o filho como seu, poderá ficar com ele? Um contrato onde haja dinheiro envolvido será considerado nulo, porque a gestação de substituição deverá ser altruísta e gratuita. Se um contrato for considerado nulo, o que se faz à criança desse contrato? É de acreditar que vamos ter muitas mulheres dispostas a engravidar por puro altruísmo? Como é que se vai fiscalizar os verdadeiros honorários de pagamentos disfarçados de reembolsos? Não se estão a violar os direitos da criança, ao não se lhe dar conhecimento da sua gestação e da sua herança genética, como obriga a lei? Uma mulher que aceite dinheiro para uma gestação de substituição é punida com uma multa. Uma simples multa, quando está em causa o respeito pela dignidade humana? Será que o crime compensa? Não se estará a facilitar a comercialização das barrigas de aluguer?
Do ponto de vista moral, são muitas as perguntas e as perplexidades: a troco da realização de um sonho de parentalidade, não se estará a reduzir um ser humano a uma mercadoria e a um bem transacionável e comercializável como qualquer outra coisa? Não se estará a dar um direito abusivo de os pais serem donos e proprietários da vida de um filho, direito que ninguém tem sobre uma vida humana? Não existe o direito a um filho a qualquer custo. Não estaremos a reduzir o ser humano a um produto da ciência? Será correto instrumentalizar o corpo de uma mulher, reduzindo-o a uma mera máquina gestante, sem afetos e emoções? Uma mulher que gera uma criança dentro de si e a dá à luz não é legitimamente a sua mãe? É proibido dar a conhecer à criança a sua herança genética. E se se der o caso de dois meios-irmãos, por terem o mesmo pai ou mãe, se apaixonarem?
Como vemos, por todas e mais algumas razões, a Igreja Católica não aceita a prática da gestação de substituição, considerando-a desonesta e inaceitável (Catecismo da Igreja Católica, nº 2376-79), pelo respeito que é devido à dignidade da vida humana. É acusada de ser insensível ao desejo e ao sonho de muitas mulheres poderem ser mães, mas não é verdade, porque a Igreja, se calhar, melhor do que ninguém, acompanha os casais que vivem o drama de não poderem ter filhos. O que a Igreja quer sublinhar é que não existe o direito ao filho e que nem todos os meios são dignos e aceitáveis para se ter um filho a todo o custo, porque está em causa a dignidade de uma vida humana. Prefira-se a adoção, pela qual se poderá dar muito amor a uma criança e se contribuir para a realização duma vida humana, sendo também um bom caminho para a realização da parentalidade.

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