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minhas notas

01.12.14

Entre os dias 9 e 16 de Novembro, a Igreja dedicou uma semana aos seminários e a rezar e a refletir sobre as vocações sacerdotais, como sempre o faz todos os anos. A motivação já vem do tempo de Jesus: «A seara é grande, mas os trabalhadores são poucos. Pedi ao dono da seara que mande trabalhadores para a sua seara». Hoje, mais do que nunca, a Igreja sente o desconforto e o transtorno desta necessidade. Há dioceses que já começam a ter grandes dificuldades com a falta de padres, com grande prejuízo para o bem espiritual e religioso do povo de Deus.

Ainda assim, recomendo sempre nas minhas comunidades que não se fale em «crise de vocações». Para quem confia e acredita em Deus, não há tempos de crise, porque Deus nunca deixa de estar presente com a sua graça e o seu amor em todos tempos, apontando sempre caminhos de vida nova e de esperança para a humanidade. As nossas leituras mundanas e «descrentes» é que nos levam a ter horizontes estreitos e a ver terra queimada onde já rebentam flores. Deus nunca deixou ou deixa de chamar e de proporcionar todos os meios para o homem responder. O homem é que pode não andar muito sintonizado com os apelos e os chamamentos de Deus. O mais correto é falarmos em falta de identificação e de consolidação de vocações, ou se quisermos, por outras palavras, não se tem promovido um verdadeiro ambiente para Deus ser escutado, porque do lado de Deus vocações não faltam. E se se estipulou que esta «desgraça» veio para ficar, lembro que há dioceses que vão ordenando padres quase todos os anos, embora, como é notório, as ordenações não são suficientes para as necessidades. Há falta de vocações e não «crise» de vocações.

Devido à sua fé madura e ao seu amor à Igreja, há cristãos que manifestam alguma preocupação e se empenham na oração e no apoio aos jovens, procurando perscrutar e incentivar sinais vocacionais. Mas também há muitos cristãos que ainda vivem absortos na indiferença, na convicção de que Deus continuará a fazer milagres e que o tempo tudo compõe. Para além de uma atitude errada perante Deus, enquanto assim se pensa, estão-se a desperdiçar vocações e a lesar a organização e a vitalidade da Igreja. As vocações sacerdotais exigem uma ação concertada de todos e a disponibilidade e a atenção de todos.

São muitas as causas que se apontam para o decréscimo das vocações. Uma que é incontornável é a baixa natalidade. Hoje as famílias, na sua esmagadora maioria, têm um ou dois filhos, três no máximo. E serão muito poucas as que desejam que um filho seu seja padre, o que noutros tempos era uma honra e uma alegria. Se a natalidade baixou drasticamente, as vocações, obrigatoriamente, também baixaram. Decisivas são, sobretudo, as causas culturais e da mentalidade dominante do tempo atual: a secularização da sociedade (viver sem qualquer referência ao religioso, ao espiritual e ao transcendente); o individualismo e consequentes subjetivismo e relativismo, proclamando-se um claro antropocentrismo, o homem e só o homem e seus interesses e desejos no centro de tudo, em detrimento da abertura aos outros e a Deus; o descrédito nos compromissos vitalícios; a falta de fé e de vivência espiritual ou a sua deficiente formação e vivência, a falta de valores espirituais, não frequência dos sacramentos e participação na vida da Igreja; débil interpretação do celibato, vulgarmente entendido como castrador e fonte de solidão e de atrofia existencial; caricaturização e crítica injusta permanente ao padre e despromoção social do estatuto do clérigo; cultivo do gozo e do sarcasmo à volta do ser padre e dos conteúdos e das práticas religiosas; uma conceção exageradamente materialista e hedonista da vida; desconsideração e secundarização da religião; ausência de uma cultura de vocações em muitas paróquias. É toda esta «descultura» para as vocações que os cristãos têm de se empenhar por combater e transformar.

Há duas instituições que perderam o seu papel charneira no fomento das vocações: a família e a comunidade. Sem uma ação concertada e complementar destas duas instituições dificilmente se pode dar um forte impulso às vocações. Só em famílias em que se cultiva a fé, a oração, a escuta da Palavra de Deus, a participação nos sacramentos e na vida da Igreja, a piedade, o testemunho coerente e alegre da fé, enfim, famílias que são verdadeiros polos de missão e de evangelização à sua medida, é que podem surgir vocações sacerdotais consistentes. Qual é o pai ou a mãe que, hoje, propõe ao seu filho, de forma clara e sem complexos, o ideal sacerdotal? Depois, à comunidade cristã, corresponde o encargo de integrar na Igreja, de aperfeiçoar, completar e amadurecer o que a família transmite. Muitas comunidades cristãs estão apáticas e estáticas, tradicionalistas e rotineiras, sem dinamismo genuinamente renovador, liturgistas, festeiras, mas sem fervor espiritual, alheias aos sinais dos tempos, sem vontade de mudança e sem abertura à novidade, com pouca preocupação na interação com os jovens e com o testemunho, a evangelização, o anúncio e a intervenção na sociedade. D. José Cordeiro, Bispo de Bragança, dizia há dias num fórum sobre as vocações, em Fátima: «Se calhar Portugal não tem vocações porque não tem comunidades suficientemente amadurecidas na fé e porque faltam adultos na fé que acompanhem e proponham com credibilidade os caminhos do Evangelho». É uma realidade em muitas comunidades. Há muito a fazer em muitas comunidades cristãs para se proporcionar o despertar de vocações sacerdotais.

Uma causa que um bom número de pessoas aponta para o afastamento dos jovens do sacerdócio é o celibato. Poderá ter alguma influência, porque constituir família é um sonho de toda a pessoa humana, mas não será de todo impeditivo para quem deseja seguir Jesus de forma mais radical e no serviço à Igreja. O celibato é um dom, é um carisma, é uma graça que Deus concede ao ser humano por amor e para o amor. Fala-se sempre de forma negativa do celibato e não se salienta o seu conteúdo humano, espiritual e afetivo, os seus aspetos positivos, nomeadamente a liberdade e a disponibilidade para os outros e para se poder ser pai de uma comunidade, em nome de Deus, entre outros. Recordo que as confissões religiosas que permitem constituir família aos seus sacerdotes não têm mais vocações do que as outras. O que é estranho neste argumento do celibato é que é questionado por uma sociedade que descredibilizou o casamento e vulgarizou o divórcio, uma sociedade que já não se quer casar e que gosta dos estados livres e que evita a todo o custo compromissos duradoiros, mas que acha normalíssimo que «os padres deviam poder casar». Mas a ideia que a sociedade atual transmite é que o casamento não é muito importante e não é realizador. Na verdade, por detrás da argumentação contra o celibato, a toque do sensualismo reinante que por aí anda, está a dificuldade do mundo moderno em entender a vida sem o exercício da sexualidade. É um dos mitos modernos, ou até lhe poderia chamar uma das escravidões modernas. Há vida para além do sexo e lembro que a sexualidade não se reduz à genitalidade, mas tem uma componente afetiva e espiritual. E é simplório atribuir ao celibato o motivo da pedofilia na Igreja. O Papa Francisco recordava há dias que só 2 % do clero católico é pedófilo, mesmo assim com grande mágoa para os católicos, porque é uma ação execrável. A pedofilia é sobretudo um problema de homens casados, como os dados o comprovam.

Não tenho a mínima dúvida de que o Espírito Santo (não o banco, atenção) faz muito mais do que nós todos juntos. Mas também temos um papel insubstituível no despertar de vocações. Se achamos que não nos diz respeito, então há que questionar a verdade da nossa fé e o nosso amor a Cristo e à Igreja.

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