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minhas notas

05.10.15

Já aqui manifestei mais do que uma vez que a forma como celebramos a liturgia, o culto público que prestamos a Deus, diz muito do Deus em que acreditamos e da fé que temos. A liturgia é a cara da Igreja. Também o são outras ações, como a presença junto dos mais pobres e das muitas formas de sofrimento que batem à porta da vida de muitas pessoas, mas penso que a liturgia cristã continua a ter um papel decisivo na apresentação de Deus e da transcendência ao mundo e no testemunho da fé cristã diante da sociedade. Diz-me o que celebras e como celebras e eu dir-te-ei que fé tens e em que Deus acreditas.

Há muitos cristãos que ainda não conseguiram abandonar a condição de «assistentes» da missa. São meros observadores, por vezes distraídos e alheados, que vão respondendo secamente às interpelações do presidente da celebração. Persiste a ideia de que a missa é do e para o padre e uns quantos «ativos» da paróquia. À assembleia cabe a função de acompanhar e ouvir. O Vaticano II reformou a liturgia e salientou que todos os cristãos são participantes. A liturgia não é um teatro, onde existe uma peça com vários atores, neste caso, o padre, os cantores, os acólitos, os leitores, e o público. Na liturgia cristã não há público, mas toda uma assembleia que celebra e participa. O padre simplesmente preside. Assim sendo, é importante que todo o cristão tenha uma atitude participativa, como estar atento, responder, cantar, fazer um esforço para que a inteligência e o coração estejam numa atitude de escuta, encontro, contemplação e adoração. Precisamos de rever seriamente o formalismo e o ritualismo que a deformada moral da obrigação criou. Quantas vezes não seremos como muitas pessoas que participam nos funerais, que só estão ali para ver e cumprir, mas com total indiferença para o que estão a ouvir e a celebrar.

É importante que uma missa seja mesmo missa, ou seja, momento fervoroso de louvor a Deus, de celebração da Palavra de Deus e do acontecimento central da fé cristã, a morte e a ressurreição de Jesus, encontro e comunhão com Cristo ressuscitado e dos cristãos uns com os outros, numa atmosfera serena e alegre, festiva, mas não festeira, solene, santificadora, com os cânticos apropriados, que ajudem a rezar, a celebrar e a interiorizar e a expressar o mistério da fé, num equilíbrio entre som, palavra e silêncio. Tenho vindo a reparar que, paulatinamente, estamos a deixar que o ruído do mundo, com a sua leviandade, se intrometa na celebração da missa. Se há serviço importante que a missa ainda pode oferecer às pessoas é que lhes oferece algo que habitualmente não encontram no dia-a-dia: uma palavra diferente e interpelante, como é a Palavra de Deus, a reflexão, a meditação, o encontro pessoal e comunitário, o olhar um pouco mais para a interioridade, a adoração, o canto, o silêncio, o pensar um pouco mais nos outros, abrir-se ao divino. É preciso resistir à tentação de atafulharmos a missa com diversão e com ruído superficial, nesta onda de se querer tudo leve, ligeiro, festivaleiro, pouco pesado, até divertido, que outra coisa não faz que banalizar a missa e a deturpar. Andam por aí cânticos que não dignos da missa, nem dos outros sacramentos. Já viram tocar uma música pimba numa parada militar? Tudo tem a sua expressão e a sua linguagem. Alguns até são adaptações razoáveis, mas outros têm letras vagas e piegas, que facilmente se poderiam ouvir na boca da última estrela pop ou letras de intervenção, que poderiam ser cantadas pelo partido comunista.

Um aspeto que deve merecer maior atenção e cuidado é a preparação da liturgia. É preciso evitar-se a improvisação. Só se celebra bem, quando se prepara bem. Um jornalista cristão, que tem uma prática cristã intermitente, conta, num artigo que escreveu e colocou na internet, que está perplexo e até dececionado com a forma como, por vezes, se celebra a missa em algumas comunidades cristãs, por onde vai passando. Eis os defeitos que encontra: está a começar a celebração e ainda está a chegar um grande número de cristãos (nunca se chega em cima da hora para as coisas importantes); leitores escolhidos no momento das leituras; os cantores desfazem-se em pressas ao longo da celebração para escolher cânticos, em permanente cochicho e algazarra; sussurros entre os acólitos, os cantores, os leitores e alguns elementos da assembleia e até entre os padres; cânticos desapropriados com a festa e a mensagem do Evangelho do dia (é o que dá só andar atrás dos cânticos mais melodiosos ou bonitos); padres que rezam depressa; saída de cristãos antes da celebração findar. Nas palavras do jornalista, fica a sensação de que a celebração não é muito importante e que significa muito pouco para as pessoas que estão ali presentes. Estão muito pouco convencidas de que estão a celebrar algo de importante, como de facto estão. Não resta senão a derradeira impressão de desatenção para com aquilo que se está a celebrar, indiferença, ritualismo, banalização, superficialidade. A celebração está reduzida a um passatempo ou a entretenimento. É uma liturgia medíocre, que não convence nem interpela, que é indigna dos grandes acontecimentos que se celebram. É preciso prestar muita atenção a este aspeto. Dificilmente liturgias mal preparadas e com uma participação desadequada, até quase indecorosa, de alguns cristãos, podem falar de Deus e comunicar a fé a alguém.

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