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minhas notas

13.05.16

Após consultações nos países católicos e depois de dois sínodos, o Papa Francisco dirigiu a exortação «A Alegria do Amor» à Igreja Católica, sobre o amor e a família. Era aguardada com grande expectativa, depois da confrontação que se criou na discussão sinodal entre os habitualmente apelidados de conservadores, defensores férreos da indissolubilidade do Matrimónio e da tradicional configuração familiar, e os progressistas, que sem deixarem de apelar para o valor sagrado da união matrimonial, defendem a necessidade de se dar resposta aos matrimónios fracassados e de se propor para os esposos um caminho de integração plena na vida eclesial, com mais abertura e misericórdia e menos rigidez canónica. O Papa não disfarçou que estava deste lado. Certamente que se discutiram temáticas bem mais importantes, como vemos agora pela exortação, mas o acesso dos divorciados recasados à comunhão eucarística dominou a expectativa mediática à volta dos sínodos e esperava-se uma tomada de posição clara da Igreja. Em que ficámos, então?
A verdade é que, doutrinalmente, continua tudo na mesma. Não saiu nenhum decreto ou uma nova regra clara que permita o acesso dos divorciados recasados (homens e mulheres que casaram na Igreja, mas que se divorciaram civilmente e já contraíram um segundo casamento civil ou assumiram outra relação) à comunhão na Eucaristia. Para todos os efeitos, continuam em situação de pecado e por isso não se devem aproximar da comunhão. Mas, pastoralmente, não ficou tudo na mesma. Nesta exortação, o Papa Francisco aconselha menos inflexibilidade normativa e jurídica (mais importantes do que as regras e as leis são as pessoas) e mais misericórdia e ponderação e espaço para a consciência das pessoas (as normas são para iluminar e esclarecer a consciência, mas não para a substituir), porque «é importante fazer-lhes sentir que fazem parte da Igreja, que «não estão excomungadas» nem são tratadas como tais, porque sempre integram a comunhão eclesial». Há que ver caso a caso, porque «há casos em que a separação é inevitável. Por vezes, pode tornar-se até moralmente necessária, quando se trata de defender o cônjuge mais frágil, ou os filhos pequenos, das feridas mais graves causadas pela prepotência e a violência, pela humilhação e a exploração, pela alienação e a indiferença». E além do mais, «ninguém pode ser condenado para sempre, porque esta não é a lógica do Evangelho!». O Papa deixa assim a porta aberta para o acesso à comunhão de divorciados recasados, que vivam uma segunda relação fiel e estável e que manifestem interesse pela fé cristã e empenho eclesial. O Papa não tem dúvidas de que «é necessária uma unidade de doutrina e práxis, mas isto não impede que existam maneiras diferentes de interpretar alguns aspetos da doutrina ou algumas consequências que decorrem dela.»
Convém não interpretar esta abertura como promoção do facilitismo ou cedência ao divórcio, como já se vai ouvindo e lendo. A Igreja estabeleceu um direito canónico (conjunto de leis e regras que regem a vida da Igreja) para indicar a todo o cristão católico o caminho da perfeição cristã e a vivência da fé cristã na sua plenitude. Todo o cristão católico deve respeitar e acolher as normas da Igreja com toda a sua exigência. Simplesmente, a partir de agora, fica estabelecido que quem tiver um fracasso e com seriedade procurar dar outro rumo à vida, não será marginalizado e não deixará de ter a porta da integração na Igreja sempre aberta. Convém também que as nossas comunidades cristãs se preparem para esta solicitude e para esta pastoral de integração, ultrapassando-se a etiquetação das pessoas, a segregação e a maledicência, e que a comunhão na Eucaristia deixe de ser vista como um prémio para os bem-comportados, pelo menos legalmente, como afirma o Papa Francisco: «a Eucaristia não é um prémio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os fracos». Jesus Cristo deixou a Eucaristia à Igreja para unir e não para dividir ou segregar. O caricato de tudo isto, muitas vezes, é que temos muitos casais ou cristãos que legalmente podem comungar e não o fazem e ficam escandalizados se os «leprosos» o fizerem, outros querem comungar, e possivelmente até o fazem com uma autenticidade que habituais comungantes não têm, e a Igreja não lhes dá esse direito. Bem razão tem o Papa: deixemos isso para a consciência de cada um, a não ser que algo de muito escandaloso esteja em causa.

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