06.04.12
«Existem discussões sem fim a propósito do que se deve fazer para haver uma inversão de tendência. E certamente é preciso fazer tantas coisas; mas o fazer, por si só, não resolve o problema. O cerne da crise da Igreja, na Europa, é a crise da fé. Se não encontrarmos uma resposta para esta crise, ou seja, se a fé não ganhar de novo vitalidade, tornando-se uma convicção profunda e uma força real graças ao encontro com Jesus Cristo, permanecerão ineficazes todas as outras reformas».
Estas palavras foram proferidas pelo Papa Bento XVI, no seu discurso de felicitações de Natal aos cardeais, à cúria romana e à família pontifícia, como é habitual todos os anos. Com a sua apurada sagacidade, já merecidamente reconhecida, Bento XVI alertou para a fonte de todas as crises da Igreja: a crise da fé. Quando esta enfraquece e vacila ou deixa de correr para a fonte da água viva, a letargia e a modorra começam a tomar conta da Igreja, visível em todos os campos e estruturas que formam e enformam a Igreja. Desde o início do seu pontificado que o Papa tem vindo a chamar a Igreja, e na Igreja toda a Europa, para um «novo ardor» e para um «renascimento» humano e espiritual. A Europa cansou-se de ser cristã. Perdeu o encanto de acreditar e de buscar uma transcendência. Desconectou-se de Deus e da visão divina de entender a vida e o mundo, visão que prevaleceu em séculos passados e que marcou fortemente a cultura e a vida social. De um momento para o outro, parece que o entusiasmo crente se desvaneceu e falar de fé e de Deus passou a ter uma aragem bafienta e uma espessura viscosa. Nas palavras do Papa, a partir do momento em que a Europa se afastou de Deus, começou a crise que neste momento a inquieta e perturba, ramificada em todas as vertentes da vida humana e social.
Ao invés, noutras partes do mundo, que foram evangelizadas por europeus, nomeadamente em África, nas suas viagens o Papa encontrou uma frescura e um júbilo que o marcaram profundamente: «Lá não se sentia qualquer indício desta lassidão da fé, tão difusa entre nós, não havia nada deste tédio de ser cristão que se constata sempre de novo no meio de nós, sentia-se a alegria de ser cristão, o ser sustentado pela felicidade interior de conhecer Cristo e pertencer à sua Igreja. Encontrar esta fé disposta ao sacrifício e, mesmo no meio deste, jubilosa é um grande remédio contra a lassidão de ser cristão que experimentamos na Europa».
Sinais da lassidão da fé na Europa não faltam: pouca frequência da vida litúrgica da Igreja, nomeadamente ao Domingo. Em muitas paróquias até é residual a prática cristã e predomina a apatia e a abulia generalizada de muitos cristãos; desinteresse pela vida da Igreja, quase sempre preterida na hierarquia das prioridades de muitos cristãos; pouca sensibilidade para a formação permanente de ser cristão, bastando a muitos cristãos as «meia dúzia de coisitas», os rudimentos, que aprenderam na infância e na adolescência; a impaciência nas celebrações da Igreja, para as quais se exige leveza e rapidez, o que denota superficialidade e uma frágil vivência espiritual; pobre testemunho individual de muitos cristãos, incapazes de questionar a mentalidade dominante e os valores mundanos que contrariam as suas convicções religiosas; crítica permanente de muitos cristãos às posições da Igreja, no campo moral e social; falta de iniciativa com motivação religiosa, transparecendo apenas uma «filantropia cavalheiresca» nos actos a favor da construção e do progresso da sociedade; absentismo às actividades e às acções da Igreja, no campo eclesial e social; desvalorização ou até mesmo completo esquecimento dos valores espirituais na vida quotidiana; omissão da leitura da Bíblia e de livros de teor moral e espiritual para o crescimento da fé; ausência de profetismo cristão nas palavras e nas obras.
Como não podia deixar de ser, todo este património espiritual que foi deitado fora, e que continua a ser deitado fora, possibilitou o aparecimento de uma sociedade materialista e hedonista, com já várias vezes sublinhei. O homem tornou-se um ser menos humano, muito focado em si mesmo; mais seco, já que prescindiu da sua «alma»; menos fraterno, pois a sua pessoa é o princípio e o fim de tudo; mais utilitarista, medindo tudo pelo prazer que dá ou não dá, até medindo os outros por esse critério; mais alienado, já que vive uma vida sem a ousadia de lhe atribuir uma fonte e uma plenitude; mais frágil, já que vive sem certezas e sem uma ética sólida e esclarecida.
A Páscoa aí está. Mais uma vez será proclamada a notícia que mudou o mundo: o nazareno que na Sexta-feira santa foi esmagado pela dor e pelo sofrimento, pregado numa cruz, está vivo. O Amor derrotou todos os inimigos e todos os carrascos da vida. Ele é o grande vivente. Ele é o Senhor da Vida. Quem se une a Ele, vive uma vida plena e eterna, uma vida que humaniza e diviniza o homem, uma vida que verdadeiramente realiza o homem. Em Cristo, «já» somos eternos. Ele é a «Água Viva» que pode dar novo alento à fé e ao coração desta Europa «sem alma» e moribunda de sentido. De que é que estamos à espera? Boa Páscoa.