02.04.10
Nos últimos dias, os meios de comunicação social noticiaram exaustivamente mais casos de pedofilia, que aconteceram no seio da Igreja, em vários países, nomeadamente Irlanda, Alemanha e Áustria, alimentando e explorando o tema com novos dados todos os dias, com reacções e contra reacções, ou pura e simplesmente repetindo o mesmo, o que não deixa de nos causar algum enfado e de suscitar as maiores desconfianças sobre o interesse de um trabalho noticioso tão repetitivo. O tema já tinha estado no centro das atenções, aqui há uns tempos, mas como pelo meio aconteceram algumas tragédias, foi relegado para segundo plano, mas não foi esquecido. E de facto não deve ser esquecido. Mas a forma como vem para o centro das atenções e a forma como é tratado são muito questionáveis.
Em primeiro lugar, não podemos deixar de lamentar e condenar os crimes hediondos de pedofilia que foram cometidos por alguns padres católicos, e ainda por cima, quando eram do conhecimento de quem tinha poder para intervir e sanar o problema, como era o caso de alguns bispos. Tão grave como cometer estes actos execráveis, foi pactuar com os seus autores, num silêncio podre, até que os casos chegassem ao conhecimento geral. Por maiores que sejam as necessidades da Igreja e os seus interesses imediatos, não se consegue entender a inacção e apatia da hierarquia, sabendo que era cúmplice de actos que iam contra os valores e princípios mais sagrados da Igreja, pregados na sua moral. Como disse o Papa, tem que se fazer um rigoroso apuramento de responsabilidades e fazer-se justiça e lançar uma reflexão séria dentro da Igreja para se evitarem situações e delitos semelhantes.
Seja como for, e sem qualquer prosápia de querer justificar o injustificável, nunca nos devemos esquecer que a Igreja é santa e pecadora. Os homens e mulheres que dela fazem parte são feitos da mesma fragilidade que os outros e não é pelo facto de receberem sacramentos e bênçãos que ficam imunes de experimentarem as maiores misérias humanas. Têm a obrigação de as evitar, porque a isso se comprometeram, numa conversão permanente, mas nunca deixarão de ser pessoas que fazem a experiência da divisão dentro de si mesmas, como qualquer pessoa humana. Por isso, não consigo compreender esta condenação severa e a impiedade generalizada que certas facções da sociedade e cidadãos em geral lançam sobre a Igreja, como se a Igreja tivesse que ser santa à força e não ter o mínimo resquício de pecado, o que é impossível, embora todos saibamos que fica sempre bem criticar a Igreja. O que me foi dado a ler na internet, nos comentários às notícias, deixou-me perplexo. Como é que tanta gente põe em causa em cinco minutos toda uma obra admirável de serviço à humanidade que a Igreja fez ao longo de séculos, por causa dos delitos de uma ínfima parte dos seus membros? Como escreveu Henrique Raposo no site do Expresso, «aproveitar a maldade de uns quantos padres para denegrir a Igreja e a fé de milhões de pessoas é uma demonstração de desonestidade intelectual. Quando um professor é acusado de pedofilia, alguém se lembra de colocar em causa a profissão de "professor"? Perante um professor pedófilo, alguém se lembra de colocar em causa a ideia de "escola pública"? Claro que não. Ora, por que razão essas generalizações abusivas só acontecem quando falamos da Igreja?». Para uma maioria, o que mais escandaliza é a contradição entre aquilo que a Igreja prega e aquilo que a Igreja faz, escândalo que já vem de há muito, que até está condensado numa das frases feitas mais estúpidas que por aí andam: «olha para aquilo que eu digo e não para aquilo que eu faço». De facto, a incoerência entre palavras e obras é inadmissível, e ainda para mais com estas dimensões. Mas quem cumpre tudo o que diz? Qual a instituição que cumpre tudo o que afirma? É um desafio que nos há-de acompanhar a vida toda.
Algum clero e centros de reflexão da igreja defendem que esta intentona informativa visa desacreditar o celibato. Se assim é, o falhanço é total, embora não seja de excluir que um celibato mal vivido pode chegar a este ponto. Mas a pedofilia é, sobretudo, um problema de homens casados, um problema que se vive no seio de famílias, e o quanto não se tem a dizer sobre isso. Estes ataques sucessivos à Igreja com os casos de pedofilia não serão uma forma de a esconder onde ela é bem mais grave? Mesmo em termos religiosos, a pedofilia tem mais incidência entre padres casados do que entre celibatários. As questões são mais complexas do que à primeira vista podem parecer.
Alguns meios da Igreja são da opinião, esta sim merecedora da maior atenção, de que está em marcha, há muito tempo, uma tentativa de enfraquecer a autoridade do Papa e, consequentemente, da Igreja. Quer queiramos quer não, a Igreja Católica ainda é dos poucos esteios do pensamento moral, que vai lutando contra o aviltamento da pessoa humana e da vida humana. Graças ao pensamento e à acção da Igreja, o mundo vive com outra elevação e humanidade e ainda não é o vale tudo, para onde muitos o querem levar. A igreja já sabe há muito que estorva e incomoda muita gente, ou se quisermos, grupos económicos de dúbia ideologia, que só pensam nos lucros e que querem manipular a seu bel-prazer, ocupando o lugar da Igreja, e facções libertárias e anárquicas, avessas a qualquer ordem moral. Estes bombardeamentos maciços com casos de pedofilia são usados por muitos para descredibilizar a Igreja e as suas propostas, nivelando-a por baixo, fazendo-se passar a ideia de que não é senão uma instituição hipócrita e falsária que se aproveita da humildade e da bondade de pessoas simples, o que, nem de longe nem de perto, é verdade.
Mais uma vez tenho pena que, quando se fala da Igreja, seja só para falar das suas misérias, que também as tem, sem dúvida, mas tem, sobretudo, uma infinidade de gente boa e de coisas boas, de inegável valor humano e social. Mas como, infelizmente, como fiz Miguel Sousa Tavares, «a nossa imprensa, quase toda, vive à procura de sangue, escândalos, tragédias e heróis» - porque é o que mais vende e dá lucro – temos que levar todos os dias com este negativismo de moralistas improvisados, que mais não fazem que construir imagens adulteradas de pessoas e instituições.