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minhas notas

10.11.09

O drama de Portugal é ter tantos patrões e tão poucos empresários.

Que ninguém me volte a dizer que gostaria de ler mas não pode porque os livros estão muito caros. Costumo responder com o endereço e o horário da biblioteca mais próxima - este país que gostamos de maldizer tem uma excelente rede de bibliotecas e de bibliotecários, que fazem milagres na promoção da leitura com meios muito diminutos. Mas a partir de agora a resposta é: deixem-se de desculpas, e comprem livros. Um livro custa, em média, 15 euros. Há belos clássicos a menos de 5 euros, em colecções de bolso. É caro? Não: os bilhetes mais baratinhos para o concerto dos U2, a 2 de Outubro de 2010, custavam 32 euros. Os mais caros, 260 euros - e havia 400 bilhetes a este preço. Venderam-se todos, 42 mil bilhetes, num só dia. A empresa promotora já conseguiu um espectáculo extra. Isto significa que a crise, afinal, não é assim tão fatal: ninguém passaria um mês sem comer para comprar um bilhete para um espectáculo, a um ano de distância. Comprar um bilhete para daqui a um ano é, ainda por cima, um acto de optimismo. O país aguenta-se.

Os dois milhões de portugueses que vivem na pobreza agradeceriam que os bilhetes fossem ainda mais caros, e que o lucro suplementar fosse distribuído pelos que nada têm. Os U2, que tanto gostam de amar o mundo, de lutar pela paz e não sei quê, apreciariam certamente a ideia. Está muito na moda, aliás, organizarem-se banquetes para ricos nos quais um ou dois euros por bico vão para os pobrezinhos. E fazer livros em que os autores oferecem os seus direitos aos necessitados, ajudando assim, também, os editores, que vendem o triplo, e não prescindem de lucro nenhum. Os autores aceitam por uma questão de 'imagem': como se sabe, ao contrário dos editores, que vivem no mundo terreno dos bens materiais, os autores, habitando o Olimpo da criação, alimentam-se exclusivamente de arte & imagem.

Entretanto, Francisco Van Zeller, presidente da Confederação da Indústria Portuguesa (CIP), declarou luta ao segundo aumento progressivo do salário mínimo previsto no Acordo de Concertação Social, negociado com o Governo, que prevê que se atinjam os 500 euros em 2011. Em entrevista à Rádio Renascença, ao "Público" e à RTP, Van Zeller explicou que "os salários baixos são necessários para 25 por cento das nossas exportações". Sucede que o salário mínimo português já é um dos mais baixos da União Europeia, ao contrário dos preços - semelhantes aos dos países mais ricos - e dos salários mais altos, que chegam a ultrapassar os dos países nórdicos. Um dos sinais mais fortes de subdesenvolvimento de um país é o abismo entre os salários baixos e os salários de topo.

Salvar a nação agrilhoando à pobreza os já desfavorecidos, representa um escândalo social e é prova de boçal incompetência económica. O drama de Portugal é ter tantos patrões e tão poucos empresários. Diz Francisco Van Zeller: "Há muitas empresas que exportam e que dependem dos salários baixos". São igualmente baixos os salários dos administradores dessas empresas? Os lucros das exportações são reinvestidos nas empresas ou gastam-se em bólides topo de gama e luxos para os patrões? O presidente da CIP invoca os exemplos de Marrocos, da Turquia e da China, que "fazem os mesmos produtos e com mão-de-obra mais barata".

Se tentarmos concorrer com a China, teremos de prescindir dessa frioleira chamada Direitos Humanos, para que os salários baixem ainda mais, a jornada de trabalho atinja as 14 ou 18 horas, e as crianças trabalhem como escravos. Então Portugal deixará de pertencer à União Europeia, e o melhor será emigrarmos para países onde se entenda que progresso é sinónimo de criação de bem-estar para todos, que o investimento na qualidade e na inovação é fundamental e que a escravatura não é admissível. Não sei como é possível sobreviver-se, em Portugal, com um salário mensal de 450 euros. Seria bom que os nossos empresários experimentassem. Talvez a frugalidade lhes aclarasse as ideias. Ouço dizer que não é possível baixar os salários de topo, porque as cabeças douradas que fazem o sucesso das empresas fugiriam para outros países.

As mesmas pessoas que assim pensam acham normal exigir entusiasmo e aumento de produtividade a trabalhadores barbaramente explorados. Claro que a produtividade precisa de incentivo - designadamente, de salários decentes. A crise tem as costas largas, e reverte sempre a favor dos mesmos.

Inês Pedrosa, Texto publicado na edição do Expresso de 24 de Outubro de 2009

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