01.10.09
Estão-se a aproximar dois actos eleitorais de extrema importância, que facilmente mobilizam o país de Norte a Sul. Desde já deixo o apelo a todos para que exerçam o seu direito e dever de votar. Como cidadãos activos e responsáveis que todos devemos ser, é injustificável o não exercício do voto. Votar é a única forma de legitimar o que se está a fazer bem ou de mudar o que se está a fazer mal. Reafirmo: passar a vida a criticar tudo e todos e depois não ir votar, colocando-se de fora, é inaceitável e merecedor da maior reprovação. Contudo, eu compreendo alguma desilusão e desencanto de muitos eleitores portugueses e é sobre ele que me vou debruçar. Na verdade, o estado da política actual soma pontos todos os dias como um dos factores mais decisivos para a abstenção.
De facto, quando contemplamos o panorama político português, as movimentações dos partidos, o debate político e a forma como se faz política em Portugal, não poderemos deixar de abanar a cabeça e de estampar no rosto o desânimo. É óbvio que não estou a generalizar. Há muita gente séria e competente, com espírito de missão, que está no mundo da política com nobreza e que tem prestado um serviço de extrema importância ao país, com grande visão. E que pena é muita gente capacitada não ocupar mais cargos políticos em Portugal. Mas também é verdade que anda muita gente na política que não faz lá falta nenhuma, que não tem senão contribuído para a deterioração e descredibilização da actividade política e do debate político.
Um dos aspectos que mais contribuem para o actual desencanto da política é que não há pensamento. Não há ideologia, não há uma reflexão séria e um debate sério de ideias dentro dos partidos, em primeiro lugar, e depois no debate público (embora pareça que se está a recuperar algum confronto ideológico, mas mesmo assim é muito tímido). Impera um deserto de ideias. Se a politica tem algo de cativante e apaixonante é que permite o exercício da inteligência e o confronto e diálogo de ideias. Os partidos políticos têm-se limitado a propor soluções e medidas correctivas e pontuais para os problemas, mas sem grande sustentabilidade intelectual. Leiam-se os programas eleitorais dos partidos. Estão ali horas e horas de transpiração intelectual…A democracia vive de ideias e de soluções para o futuro e não de tentativas de culpabilização pelo estado do país, como fazem os partidos políticos. Os debates televisivos e parlamentares, por norma com pouca elevação, confundindo-se arrogância com espírito combativo e determinação, são medíocres e frouxos, sobrando em gritaria o que falta em ideias. Acabam sempre na crítica fácil, no bota a baixo sem qualquer sentido, no passadismo (o que se fez ou deixou de fazer), parecendo às vezes que a principal preocupação dos partidos é mostrar o que foi menos desastroso, e no contradizer por contradizer para atrapalhar e embaraçar o adversário. Alguém tem memória de um bom debate a que tenha assistido, com ideias e substância?
A vida política é um serviço e uma missão, não é uma carreira. Quem vai para a política deve ir com o intuito de servir os outros e não de à custa dos outros atingir objectivos individuais e egoístas e enriquecer um currículo. É repugnante ouvir-se falar de “homens de sucesso” na vida política. O sucesso que importa é o sucesso de todos, o do país. É repugnante ouvir-se falar em “homens com ambições políticas” na vida política. Só há uma ambição: o bem-estar de todos e o progresso do país. Há que limpar a política de quem a não quer servir como deve ser ou de quem a só quer para êxitos pessoais. É inadmissível que os partidos políticos cedam à tentação de serem agências de emprego para uns quantos oportunistas que estão sempre à espreita de um “lugarzito”, para governarem a vidinha e obterem facilidades para outros objectivos.
O poder tem de ser exercido por alguém e só por si não tem grande valor senão estiver ao serviço de um grande projecto de ideias e soluções. Querer o poder pelo poder é obsceno. Mas infelizmente, hoje em dia, os partidos políticos mais não parecem que máquinas de assalto ao poder. É facilmente perceptível que o que se pretende é ter poder, dominar e impor. Poder fazer meia dúzia de decretos e poder dar meia dúzia de ordens, para se mostrar quem manda, põe muita gente da política nas nuvens.
A política tem a obrigação de dar exemplo e de se pautar pelos mais altos padrões morais, para merecer a confiança das pessoas, e por isso é inaceitável a banalização da mentira e da desonestidade na actividade política. De quatro em quatro anos abre-se a feira das fantasias e das ilusões: em grande alvoroço, fazem-se campanhas eleitorais onde se promete tudo e mais alguma coisa e se apresentam programas eleitorais com boas intenções, mas que outra finalidade não têm que caçar votos e iludir os mais incautos (e que medíocre é a qualidade e a forma dos discursos nas campanhas eleitorais). Passados uns dias e obtida a possibilidade de estar no poder, rasgam-se com toda a tranquilidade e outros interesses mais altos, que todos sabemos quais são, se levantam. Mas, com toda a prontidão e destemor, as mesmas pessoas, que venderam mentiras, sem qualquer remorso, apresentam-se de novo a eleições (escrevo isto tendo em conta os últimos trinta anos de Portugal). Isto é normal? Até quando permitiremos que a política seja um circo sem graça? Neste aspecto, todos temos muita culpa. Por muita cegueira partidária e ferrenhice bacoca, temos legitimado este estado da política. Há que imprimir maiores níveis de exigência, rigor e seriedade à actividade política e a quem quer fazer parte dela.
Diante desta realidade, persiste a pergunta: em quem votar? Claro que se deve votar, e em quem cada um é que sabe, mas o quanto vai ser difícil escolher um quadradinho para pôr uma cruz…