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minhas notas

18.01.22

Sou apaixonado por leitura, começando pelos livros, mas também por jornais e revistas. Por razões de vária ordem, tenho pena de não ter mais tempo para ler.  Recomendo vivamente a leitura dos nossos grandes escritores, ou de livros de formação e conhecimento. Hoje está mais do que provado que a leitura também é uma terapia cognitiva, psíquica e emocional. Acho que o mundo de hoje devia prestar mais atenção aos sábios e aos escritores, em vez de prestar tanta atenção à mediocridade e à lixeira que por aí anda na televisão e nas redes sociais.  Não tenho a mínima dúvida de que a salvação do mundo também passa por eles.  

A escritora Lídia Jorge deu uma boa entrevista a um programa da TVI24, Entre Tantos, da qual guardei três bons apontamentos, análises com as quais concordo. Para a escritora algarvia, a democracia foi boa, foi uma grande conquista, mas ainda é muito imperfeita, tem muitas imperfeições. Ainda falta a muitos portugueses uma índole democrática e um comportamento mais escorreito com a democracia. Diz a escritora: «Não ultrapassámos o medo ancestral que trazemos de sermos pobres. Somos calados. Somos aquilo que o Torga dizia: uma comunidade pacífica de revoltados. Somos revoltados, mas somos pacíficos. Nunca metemos medo a quem nos está defraudando, não metemos medo a quem nos usurpa os nossos bens. É algo que os portugueses ainda não ultrapassaram. A nossa reação cívica é muito lenta e quando acontece que não é lenta, é irónica, já desistimos, há uma ironia e uma melancolia na nossa crítica que não é uma crítica construtiva, é uma crítica de maledicência, que fica pela ironia, pelo humor, passa, mas não tem consequência.» Não será de todos, mas é uma bela radiografia de muitos portugueses, da nossa brandura gozona e maldizente, mas inconsequente.

O divórcio da mãe e tudo o que se seguiu marcou profundamente a escritora. Num tempo de catolicismo férreo e de grande conservadorismo de costumes, a sua mãe foi muito mal vista. Troçavam dela. Havia dois mundos: o dos homens, gestão dos bens, e o das mulheres, que ficavam à parte, que eram sobretudo cuidadoras da família e ajudantes. Não tinham protagonismo. Para a escritora, muita da atual violência doméstica ainda tem a marca desse tempo machista, em que o homem é que tinha o poder, o homem era rei e senhor, tinha o segredo dos negócios e mandava em tudo. Mas os tempos mudaram. Hoje as mulheres são livres, já podem dizer ao homem que não o amam, mas os homens reagem mal, ainda olham para a mulher como antigamente, a mulher é alguém de quem o homem pode dispor como muito bem entender, é apenas a cuidadora da casa, ainda não é o outro, semelhante em dignidade, merecedor de todo o respeito.

A parte da entrevista que me deixou mais pensativo foi quando falou da sua apreensão quanto à literatura. Reparemos neste progressismo: já se fala de um mundo pós-literário. Assusta. Como afirma a escritora, «a literatura é a arte mais densa de todas, a mais exigente de todas, exige de nós uma transfiguração que é feita a partir dos mínimos sinais possíveis, que são as letras numa página branca. Está a acontecer uma perda de leitores e de literatura, que encaminha as sociedades para um estado de selvajaria, porque é na literatura, na leitura, que se aprende a criar valores, porque a leitura vem ao encontro da necessidade que temos de exercitar um cérebro lento, um cérebro onde é possível evitarmos o correr do tempo, minuto a minuto, e entrarmos num tempo subjetivo, onde é possível fazer comparações, tirar ilações, e isso é lento, muito lento, a arte que faz isso melhor é a literatura. Atualmente, há uma espécie de corrida em contramão, estamos todos a correr vertiginosamente para alguma coisa, onde não há espaço para a literatura. Os leitores não podem ser apenas uma pequena seita.» Infelizmente, o mundo está a recuar neste domínio. Temos de insistir no bom hábito de ler e refletir a vida.

Para a escritora, «o homem moderno está a regressar ao estado selvagem, está de tal forma envolvido por estímulos diferentes dos quais se tem de proteger e tem de estar permanentemente a reagir para sobreviver, de modo que não tem espaço para a densidade psicológica, para estar consigo próprio, para a introspeção. Não estamos a saber lidar com isso. Hoje o silêncio é um luxo. Para sobreviver hoje, temos de ir atrás da enxurrada de sons e de gestos, uns atrás dos outros, gestos tecnológicos, que nos dizem que são gestos modernos. Mas a grande complicação é esta: estamos envolvidos no mais moderno que há, estamos a avançar, mas esta modernidade é só aparente, é só instrumental, porque a parte psicológica está a regredir. O homem moderno funciona como um selvagem, sobrevivendo permanentemente a estímulos adversos».

Há um retrocesso humano. Isso nota-se nas relações humanas. Estamos a regressar a “instintos” básicos. O outro não é o meu semelhante que devo amar e respeitar, o outro com quem eu compartilho a vida, mas o outro contra quem eu luto. Bem escrevia aqui há uns anos o filósofo francês, Edgar Morin, que um dos dramas do nosso tempo seria o desequilíbrio entre o nosso desenvolvimento industrial, científico e tecnológico, que seria rápido e avassalador, e o desenvolvimento e crescimento humano, social e espiritual da sociedade, que ficaria muito aquém daquele, podendo até regredir para níveis primários e arcaicos, incivilizados e desumanos. O império do individualismo, os níveis de violência e agressividade a que assistimos, a bandalheira de valores e princípios, a coisificação do outro, a cultura de descarte, a indiferença reinante, os índices de abandono e solidão, entre outros, não deixam de nos comprovar esta inquietante constatação. Com diz Lídia Jorge, estamos todos a precisar de fazer uma grande pausa (um tempo de profunda reflexão, para nos encontrarmos com a nossa humanidade).

04.01.22

A União Europeia, através da sua Comissão para uma Comunicação Inclusiva, apresentou em 26 de outubro um documento interno com diretrizes alegadamente voltadas para promover a igualdade, um guia para uma comunicação inclusiva mais adequada, onde se recomendava aos funcionários da Comissão Europeia que evitassem usar a palavra “Natal”, já que nem todas as pessoas são cristãs. Em nome da igualdade e da inclusão, é preferível chamar-se ao tempo do Natal um “Período de festividades”. Entretanto, após algumas críticas e observações, o guia já foi retirado, regressou às boxes, para ser melhor trabalhado e pensado. O Vaticano reagiu pela voz do Cardeal Secretário de Estado da Santa Sé, D. Pietro Parolin, que salientou que é importante que se combatam as discriminações, mas chamou a atenção que a inclusão se deve fazer de forma positiva, na integração e respeito pelas justas diferenças, e não de forma negativa, escondendo-se as diferenças, e que se devem respeitar as raízes históricas e identitárias, sob pena de se destruir a própria pessoa humana. O Cristianismo deu um contributo indelével à identidade e à formação da Europa, que jamais se poderá esquecer e apagar. Dificilmente a Europa se poderá compreender e encontrar a si mesma sem as suas raízes cristãs. Isto não significa reclamar uma supremacia ou privilégios, ou até impor uma ditadura cultural, mas respeito pela história e pela verdade.

Levantaram-se algumas vozes sonoras contra esta tentativa de cancelar o Natal ou de o esvaziar do seu verdadeiro sentido. Mas o cancelamento do Natal já está a acontecer há muito tempo. Veja-se o Natal que celebramos atualmente, em clara contradição com a mensagem e o espírito do Evangelho. Está reduzido a um comércio louco, um festim de consumismo desnecessário, uma festarola com diversão fútil, uma comezaina familiar, um cumprir de enfeites e tradições sem alma e sem vivência interior, desligado de Deus. E como temos tanto a aprender com o Natal, que é um apelo à simplicidade, num tempo em que se vive muito só para impressionar e aparecer; à humildade, num tempo de soberba e jactância pessoal; respeito pela dignidade humana, num tempo onde se vê o descarte abominável de pessoas; à solidariedade e à compaixão, neste tempo de indiferença e apatia;  ao amor, num tempo de individualismo patológico e libertinagem; à fraternidade e à comunhão, num tempo de violência e rivalidade fria; à paz, num tempo de tensões e guerras que roubam estupidamente muitas vidas.

04.01.22

Ainda se lembram das tonitruantes mudanças de vida e de rumo que foram proclamadas aos quatro ventos durante a fulminante investida da pandemia? Certamente que se lembram, porque de tempos a tempos, nuns assomos de consciência, lá as vamos dizendo para parecermos gente séria e responsável. Levá-las a sério é outra coisa. Temos de ter muito medo ou de sofrer muito. Identificou-se que o grande risco estava nos mais velhos e já andamos a viver a mesmíssima vida que vivíamos, lubrificados pelo milagroso álcool gel.  Mudar fica para amanhã. Não quero ser cínico ao ponto de pensar que algumas coisas não mudaram, mas muito mais teríamos a mudar, mas não temos vontade para tal.

Não faltam sinais de que a sociedade tem de mudar. Saiu por estes dias a acusação para todos aqueles que estilhaçaram uma das instituições bancárias mais respeitáveis do país, arruinando a vida de muitas pessoas e deixando como herança um penoso ónus para o país, de que tão cedo não se libertará. Ainda muita tinta vai correr e muita coisa será comprovada e desmentida, num infindável processo judicial à portuguesa. Mas o essencial já nos entrou pelos olhos dentro há muito tempo: sem qualquer respeito pela ética mais elementar, pelo país e pelas pessoas, tentou-se construir um império insano para satisfazer a ambição e a ganância desmedida, a vontade de poder e controle de uma elite política, bancária e empresarial portuguesa, com uma teia corrupta e obscura de jogadas e interesses entre políticos, empresários e  oportunistas de ocasião. E tudo feito sem que as instituições democráticas zeladoras da legalidade e do cumprimento da lei dessem por nada. Nunca pensei que a ganância humana e a falta de ética chegassem ao ponto de se brincar com o suor e as poupanças de quem trabalhou uma vida inteira.  É o cúmulo da vileza humana.

Não nos espantemos se no futuro surgirem mais escândalos destes. Os valores que hoje norteiam a vida das pessoas são os materialistas, quem manda é o deus dinheiro e as suas promessas hedonistas e paradisíacas, vivemos no reino do ter e consumir e quanto mais melhor, dando-se largas à avareza e ao egoísmo humano, sem olhar a meios, sem qualquer respeito pela ética e pela moral, ter para aparentar e exibir é o axioma da conduta da maioria, de modo que estamos no bom caminho para assistirmos a mais tragicomédias como estas. Vivemos num tempo em que os bons valores e princípios humanos faliram. Tenho pena que mesmo com esta pandemia não os recuperemos.

04.01.22

George Steiner, lamentava, aqui há uns tempos, o quanto tem sido trágico para a história da humanidade o não se aprender nada com a história. Referia-se ao “antissemitismo que está presente mesmo na minha amada Inglaterra. Está a crescer, a multiplicar-se”. Era impensável que depois de se terem cometido as barbaridades que se cometeram contra os judeus ao longo da história, com o compromisso de não se odiar jamais um povo daquela forma, se voltasse a assistir a uma escalada de ódio e violência contra o povo judeu.

Não gostei de ver algumas manifestações que aconteceram na sociedade portuguesa de grupos pedindo a retirada de algumas pessoas negras do país, nas palavras deles, inimigos da pátria portuguesa, e proclamando alguns princípios da sua cartilha xenófoba e nacionalista. Repete-se a pergunta: será que não aprendemos nada com a história e queremos estupidamente repeti-la? Movimentos desta natureza mancharam tenebrosamente a história da humanidade, assentam em preconceitos e premissas erróneas (o mal está sempre no outro, sobretudo no imigrante, causa de todos os males), não podem ter qualquer justificação e sustentação. E com toda a leviandade do mundo estendem-se palmas e fazem-se encenações a imitar o indescritível movimento norte-americano Ku Klux Klan. Saberão estas pessoas as atrocidades, os crimes hediondos que este movimento racista cometeu na América? Marcou uma das páginas mais negras da história dos Estados Unidos da América. É impensável que se continue a alimentar na sociedade este tipo de ideologias e de posicionamentos sociais e políticos.

Não pode ser este o caminho a seguir, caminho que nos arrasta para o lamaçal do ressabiamento, do revanchismo, da intolerância, da injustiça, do sofrimento, da incompreensão mútua, da infernização da vida de todos. Chega de extremismo, ódio, racismo, xenofobia, violência, fanatismo nacionalista, de intolerância para com a diferença, combate e luta entre culturas, preconceitos imbecis, culpabilização injusta dos outros e do diferente pelos nossos males, de ver o outro sempre como uma ameaça à nossa felicidade e à nossa prosperidade, de alimentar sentimentos para destruir o outro. O caminho certo é a assimilação e promoção da tolerância, respeito por todos, pela diferença, pelas culturas, pela imigração, pela identidade de cada pessoa humana, pela dignidade humana de cada ser humano, que tem direito a existir, a ser e a viver em liberdade onde quer que se encontre.

04.01.22

Hoje é um dado assente que há pessoas que têm atração pelas pessoas do mesmo sexo. Só nos resta acolher e respeitar essas pessoas na sua forma de ser. Como a ciência o confirma, a homossexualidade não é uma doença, nem é uma desordem sexual, por isso também não deve ser entendida como pecado. A Congregação para a Doutrina da Fé declarou há dias que a bênção de uniões homossexuais é ilícita. Sustenta esta decisão o conceito de matrimónio, que não pode deixar de ser a união de um homem e uma mulher. Uma união homossexual não é nem pode ser um casamento na verdadeira aceção da palavra, como muitos defendem, como tal não se devem promover confusões e equiparar o que não é equiparável.

Contudo, se é aceitável e defensável esta argumentação, na verdade, o que a Igreja tem dado a entender é que não aceita as uniões homossexuais, são uma transgressão, um grave desvio do plano criador de Deus, viver uma união homossexual é viver uma situação pecaminosa, é um amor indigno e desordenado, que não merece nem pode ter, por isso, uma bênção de Deus. Esta visão gera muita incompreensão e uma forte repulsa dos homossexuais e de grande parte da comunidade científica. Numa carta aberta dirigida ao Papa Francisco, um clérigo homossexual expressa a sua total discordância em relação à doutrina e à decisão da Igreja, e fê-lo com palavras duras: «Minha Igreja, Senhor, é aquela que continua a discriminar homossexuais, mulheres e leigos. É a megainstituição incapaz de se mover um milímetro, com medo de perder o poder terreno, aquela que esconde abusos e se corrompe pelo dinheiro. É a Igreja dos cavalheiros padres e freiras, do feudalismo contemporâneo, da servidão, do “cala a boca, tu não és padre”, dos púlpitos das arengas políticas». A partir do momento que se reconhece que é normal a inclinação homossexual de algumas pessoas e que se tem o dever de as aceitar como tal, existindo um compromisso com direitos e deveres e a devida maturidade humana, acho que ficaria bem à Igreja dar dignidade a esse amor ou a essa relação com uma bênção, por muito simples que fosse, do que se ficar apenas pela simples demonstração de acolhimento e respeito, quase dando a entender que tem pena delas. Jesus pediu-nos para nos amarmos, não fez referência a condutas sexuais. O amor pode ser vivido e partilhado de muitas formas. «Onde há caridade verdadeira, aí habita Deus». Não vejo Deus a recusar abençoar uma união homossexual onde haja um verdadeiro compromisso de amor.

04.01.22

Não há tempo a perder face à atual situação climática do planeta e os grandes desafios que vamos ter de enfrentar nas próximas décadas, a luta hercúlea que vamos ter de travar contra as alterações climáticas, que, neste momento, são indesmentíveis. Será a grande batalha da humanidade nas próximas décadas. Segundo estudos e relatórios de instituições fidedignas, os próximos trinta anos já estão perdidos, o aquecimento global está imparável, devido, sobretudo, às grandes emissões de dióxido de carbono e outros gases de estufa resultantes da ação humana, trazendo graves consequências para a vida do planeta. Podemos achar que todos estes dados estão inflacionados e fazem parte de uma manipulação, continuar a viver e a fazer de conta que isto não é nada connosco e que quem vier a seguir que se arranje, ou que o futuro tenebroso que os oráculos científicos professam ainda está distante, até ao dia em que a verdade nos vai entrar abruptamente a sério pelo corpo adentro ou pelas portas da nossa casa.

Muitos de alguns interesses instalados permanecem surdos e esfíngicos às mudanças. A troco dos avaros lucros imediatos, recusam-se a pensar no longo prazo. A indústria continua a poluir desalmadamente. A aviação atingiu níveis insuportáveis. Nós mesmos lamentamos o que está a acontecer e anunciamos que algo tem de mudar, mas, no concreto, queremos continuar a ter tudo e a usar tudo o que queremos e que nos apetece, boa parte futilidades. Somos adversos à mudança, mas não podemos continuar a alimentar uma sociedade de consumo, como esta em que vivemos. Continuamos vorazes como temos sido nas últimas décadas. Não queremos baixar o nível de vida que estipulámos, até que um dia a verdade do planeta nos venha abrir os olhos.

Se não vamos mudar a bem, vamos mudar a mal. Muita coisa vai encarecer nos próximos anos, será a forma de muita gente corrigir comportamentos e condutas. Em vez disso, podemos começar já, aos poucos, a fazer uma pequena revolução na nossa vida pessoal e familiar: aprender a viver só com o essencial, usarmos o carro para o que é mesmo necessário e diminuir a frota familiar, andar mais a pé e de bicicleta, não acumular muitas coisas e combater o desperdício, travar o consumismo fútil, viajar menos, comprar produtos essenciais que tenham mais respeito pela natureza, não desperdiçar água, cultivar uma horta com produtos para casa, melhorar o isolamento das casas e reduzir o consumo de eletricidade, entre tantas outras ações responsáveis.

04.01.22

Está em marcha a grande metamorfose da Igreja neste século 21: a construção de uma Igreja sinodal. Transformação que entronca profundamente nos ditames do Concílio Vaticano II e que foi maturada na reflexão eclesial nos últimos anos. Muitos consideram que estamos mesmo perante um acontecimento histórico. Decorrerá até 2023, com a realização do Sínodo dos Bispos sobre a sinodalidade. Todo um caminho e um processo de aprendizagem e de conversão à identidade sinodal da Igreja, que, como afirma o Papa Francisco, ainda assim, é muito fácil de proclamar, mas muito difícil de concretizar.

Sinodal vem da palavra grega synodos, uma preposição e um substantivo que significam literalmente caminhar com, caminhar em conjunto, caminhar juntos. Uma Igreja sinodal é uma Igreja em que todos caminham juntos, se dá voz a todos, se vai ao encontro de todas as periferias da Igreja e não se deixa ninguém para trás. Mais do que uma estrutura ou um processo, a sinodalidade tem de se tornar uma dimensão fundamental do ser Igreja, o estilo natural de ser Igreja, onde todos os batizados têm a oportunidade de se expressar e de ser ouvidos, a fim de contribuírem para a construção, ação e missão do Povo de Deus. Uma Igreja onde se aprofunda o seu mistério de comunhão e se chamam todos os cristãos a serem corresponsáveis na vida eclesial. Significa descentrar a Igreja da hierarquia, sem deixar de ser hierárquica, diluir o clericalismo, sem diminuir a natureza e o valor do Sacramento da Ordem, descentralizar a Igreja de Roma, sem deixar de respeitar a sua sede e o ministério petrino. Numa entrevista, o papa Francisco afirmou: «A Igreja nasce das comunidades, nasce da base, nasce do batismo, e organiza-se em torno de um bispo. Ou há uma Igreja piramidal, em que se faz o que o Papa diz, ou há uma Igreja sinodal, onde Pedro (o Papa) é Pedro, mas acompanha a Igreja e a faz crescer, escuta-a, discernindo o que vem das comunidades e devolvendo-o. A sinodalidade é a unidade na diferença. Uma Igreja sinodal significa que se dá o movimento de cima para baixo e de baixo para cima. Pedro (Papa) é o garante da unidade da Igreja».

Contudo, não se entenda por sinodalidade a introdução da democracia e do parlamentarismo na Igreja. A Igreja jamais pode ser governada por uma maioria e a sua condução não se faz de grupos que se confrontam e excluem uns aos outros. Quem conduz a Igreja é o Espírito Santo, a quem todos devem ser dóceis, e com Ele construir a unidade na diversidade.

04.01.22

Byung-Chul Han é um filósofo e professor de origem sul-coreana que se tem dedicado a dissecar os valores e o pensamento das sociedades contemporâneas. Vive na Alemanha, é docente em Berlim. É muito crítico das atuais sociedades que nasceram depois da queda do muro de Berlim, que ele apelida de hiperconsumistas e neoliberais, que nos arrastaram para aquilo que denomina como a sociedade do cansaço.

O ser humano atual, fortemente estimulado pela psicologia positiva (Sim, você pode; pensa positivo e alcançarás), pensa que pode conquistar e atingir tudo que pode pelo seu esforço, perseguindo o máximo de si, submetendo-se ao alto rendimento e exploração de si mesmo, e assim julgando que atinge a sua plena realização. Só que este exagero criou um problema: «Vive-se com a angústia de não se estar a fazer tudo o que poderia ser feito». E se não se atinge o alto desempenho, o sucesso e se é um vencedor, entra-se na culpabilização e autoflagelação. Rapidamente chegam o Burnout, a depressão e a ansiedade. No fundo, dentro de nós mesmos criámos um campo de trabalho forçado, escravos da superprodução e da superperformance. Criámos a sociedade do cansaço, onde dizer que se está cansado e que se anda cansado se tornou normal. Depois, é preciso criar e servir evasões, fugas e escapes, que não são verdadeiro descanso, mas uma pausa para se voltar à prisão da nossa autoexploração que nos mergulha no cansaço.

Não será demais lembrar que produzimos para viver e não vivemos para produzir. Na vida, não temos de nos censurar se não alcançarmos tudo o que nos propomos a fazer, vivendo obcecados pela produtividade e pelo alto rendimento a todo o custo, em grave prejuízo do nosso equilíbrio como pessoas humanas: «O excesso do aumento no desempenho provoca o infarto da alma».

Dois bons frutos desta patológica mentalidade contemporânea são o hiperconsumismo, o consumo exagerado de produtos e de entretenimento, e o narcisismo, viver fechado sobre si mesmo e tudo fazer para bem se projetar nos outros, sem querer, na verdade, ver os outros e criar empatia com eles: «Estamos na Rede, mas não escutamos o outro, só fazemos barulho».

Solução para esta vivência errática? «Retornar ao animal original, que não consome nem se comunica de forma desenfreada; É preciso revolucionar o uso do tempo. A aceleração atual diminui a capacidade de permanecer: precisamos de um tempo próprio que o sistema produtivo não nos deixa ter». Aprender a ler, pensar, falar na era pós-moderna.

04.01.22

Nos últimos anos da nossa caminhada histórica, temos assistido a uma batalha entre o niilismo e o fundamentalismo. E, de alguma forma, um tem sido reação contra o outro. Se por um lado se proclamou nos ambientes académicos e intelectuais que nenhuma verdade pode adquirir o estatuto de absoluta, como defendem os niilistas, não há verdades e ninguém sabe a verdade toda, nem pode chamar a si esse privilégio, os fundamentalistas reagiram a este vazio e tentam impor uma verdade a toda a força, nem que seja pela violência e pelo terror. Não conseguem entender como é que se pode viver no mundo e dar uma direção à vida sem uma verdade. Uma vida sem verdade não é uma vida de verdade. A vida tem de ter segurança, certeza e sentido.

Tanto o niilismo como o fundamentalismo são caminhos errados e respostas inconsistentes e desadequadas à necessidade de verdade do ser humano e na procura da própria verdade. Passando silenciosamente pelas trincheiras desta luta, com as consequências terríveis que todos conhecemos, a ciência tem feito o seu caminho e vai continuar a fazê-lo, buscando conhecimento sólido e dando sustentação objetiva à vida, pela questionação, pela investigação, pelo estudo, pela experiência e pela comprovação. A ciência também não sabe tudo, mas já sabe muita coisa com certeza e muita fidelidade, e tudo o que tem publicado é rapidamente aceite e, não vai há muito tempo, tudo o que aparecia com o carimbo científico era religiosamente absorvido e adotado. A ciência passou a ser o critério para se negar, afirmar e aceitar verdades. Passou a ser moda abandonar a fé porque esta não encaixa no método e na cultura científica. Sendo assim, não merece crédito.

Mas qual não é o meu espanto, quando agora vejo muitas verdades científicas a serem desprezadas e a se meter a ciência na gaveta quando não dá jeito ou o capricho humano se lembra levianamente de fazer birra. Está a acontecer assim com a campanha anti vacinação, que é muito provavelmente uma tontaria sem qualquer fundamento, e está a acontecer assim com as muitas recomendações que epidemiologistas e infeciologistas propõem até à exaustão, mas às quais muitos não ligam um chavo. É tudo um grande embuste e uma grande manipulação, dizem espíritos exaltados. Sei que estamos em tempos de incerteza e de falsas verdades e falsas notícias. Mas a deusa ciência já deve ter percebido que o poder e a vontade humana querem ter sempre mais força do que a verdade, conforme as suas conveniências.  

04.01.22

Alinho com a preocupação manifestada por alguns economistas, cronistas e agentes sociais relativamente ao jogo social da raspadinha, nos próximos tempos reforçado com a raspadinha do património, que custará um euro, e servirá para financiar o património cultural em Portugal.

O que já se sabe sobre este jogo social deve merecer uma séria reflexão. São os pobres que mais jogam e que perdem dinheiro nos jogos de sorte e azar patrocinados pelo Estado. As famílias mais pobres gastam vinte vezes mais em lotarias do que as mais ricas. Assim sendo, o jogo da raspadinha poderá servir para agravar a pobreza de muitas pessoas e famílias. Os desempregados também procuram estes jogos, o que também pode ser visto como um imposto sobre o desespero. Está mais do que estudado que é um jogo que promove a viciação, porque é livre, é barato e promete resultado imediato, sendo, por isso, muito procurado pelos mais pobres. Há casos de pessoas que estão na miséria por causa das raspadinhas. Suspeita-se que a viciação neste jogo poderá ter números consideráveis em Portugal entre os mais pobres. Recentemente, dois psiquiatras portugueses escreveram um artigo numa prestigiada revista científica, que a Santa Casa de Lisboa lamentou, onde comprovam e manifestam preocupação pelo crescimento exponencial do consumo de raspadinhas.

Temos dados mais do que suficientes para repensar o sentido do jogo e a forma como é oferecido aos cidadãos, introduzindo algumas regras. Socialmente, constatam-se muitas contradições: de que adianta dar apoios sociais às pessoas mais pobres e desfavorecidas, se depois se promovem jogos onde se dedicam a gastar grande parte desses apoios? E como é que um governo de esquerda, que se diz social e de combate à miséria, persiste em fomentar um jogo que está mais do que visto ser fonte de exploração da pobreza e de viciação comportamental? E como não notar alguma perversidade neste jogo pelo facto de ser organizado pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que tem como grande missão melhorar a vida dos indigentes e desfavorecidos da sociedade, já sabendo que este jogo contribui para uma maior degradação das condições de vida destas pessoas?

Se o Estado ultimamente tem vindo a assumir abusivamente o papel de educador do cidadão, taxando os produtos gordurosos, açucarados e o tabaco, então também lhe fica bem agir preventivamente e responsavelmente contra um jogo que está a acentuar a pobreza e a contribuir para a desgraça de alguns cidadãos.

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