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minhas notas

31.01.19

A Exortação «A Alegria do Amor» era aguardada com grande expectativa, depois da confrontação que se criou na discussão sinodal entre os habitualmente apelidados de conservadores, defensores férreos da indissolubilidade do Matrimónio e da tradicional configuração familiar, e os progressistas, que sem deixarem de apelar para o valor sagrado da união matrimonial, defendem a necessidade de se dar resposta aos matrimónios fracassados e de se propor para os esposos um caminho de integração plena na vida eclesial, com mais abertura e misericórdia e menos rigidez canónica. O Papa não disfarçou que estava deste lado. Em que ficámos, então?

A verdade é que, doutrinalmente, continua tudo na mesma. Não saiu nenhum decreto ou uma nova regra clara que permita o acesso dos divorciados recasados à comunhão na Eucaristia. Para todos os efeitos, continuam em situação de pecado e por isso não se devem aproximar da comunhão. Mas, pastoralmente, não ficou tudo na mesma. Nesta exortação, o Papa Francisco aconselha menos inflexibilidade normativa e jurídica (mais importantes do que as regras e as leis são as pessoas) e mais misericórdia e ponderação e espaço para a consciência das pessoas (as normas são para iluminar e esclarecer a consciência, mas não para a substituir), porque «é importante fazer-lhes sentir que fazem parte da Igreja, que «não estão excomungadas» nem são tratadas como tais, porque sempre integram a comunhão eclesial». Há que ver caso a caso, porque «há casos em que a separação é inevitável. Por vezes, pode tornar-se até moralmente necessária, quando se trata de defender o cônjuge mais frágil, ou os filhos pequenos, das feridas mais graves causadas pela prepotência e a violência, pela humilhação e a exploração, pela alienação e a indiferença». E além do mais, «ninguém pode ser condenado para sempre, porque esta não é a lógica do Evangelho!». O Papa deixa assim a porta aberta para o acesso à comunhão de divorciados recasados, que vivam uma segunda relação fiel e estável e que manifestem interesse pela fé cristã e empenho eclesial. O Papa não tem dúvidas de que «é necessária uma unidade de doutrina e práxis, mas isto não impede que existam maneiras diferentes de interpretar alguns aspetos da doutrina ou algumas consequências que decorrem dela.»

31.01.19

Teremos já um ambiente democrático saudável para que cada cidadão possa expressar o seu pensamento e fazer a sua escolha partidária, de forma livre, sem que isso lhe traga dissabores ou prejuízos para a sua vida pessoal ou para a sua família?

Cada cidadão deve ter a liberdade de viver de acordo com as suas convicções, decisões e opções, no respeito pelos outros e pela lei, e de expressar o seu pensamento, sem qualquer prejuízo para o seu bem e a sua dignidade.

Todos temos de lutar para que a nossa democracia não seja só teórica, formal, um produto primoroso de intelectualidade, mas seja real e efetiva, não seja só meia democracia, mas seja plena e inteira. Não faltam todos os dias exemplos de graves atropelos à democracia e à liberdade e ainda vamos encontrando muitas pessoas ou poderes obscuros que não se coíbem de manipular e condicionar a liberdade dos outros, o que é inaceitável e deve ser denunciado em democracia. 

Estamos em ano de eleições autárquicas e já me começo a aperceber das divisões predominantes, silêncios estranhos das pessoas, medos, conluios habilidosos, mal-estar, tensão, manipulações, covardia, afastamento. Quando a democracia é a festa do debate livre, aberto e sincero de ideias e soluções, no respeito por todos, afinal, ainda promove o medo e reduz muitas pessoas ao silêncio. Ainda persistem ações intimidatórias de muitos que acham que têm o direito de mandar nos outros e de muito bem os instrumentalizar ao serviço dos seus interesses e fins. Uma democracia destas é uma farsa.

Temos de saber discutir ideias, propostas e ações com toda a normalidade e respeito por todos, sem se querer impor nada a ninguém e sem qualquer retaliação para a vida das pessoas ou das famílias, e é inadmissível que ainda se procure condicionar o voto dos outros ou comprá-lo com benesses ou prestimosos serviços ou até profetizando desgraças e represálias pela não submissão. Quem pratica estas ações deve ser denunciado e quem as sofre não tenha medo de as denunciar.

Tem de se salvaguardar que as pessoas, quando votam, são mesmo livres e fiéis à sua consciência, que é o que de mais sagrado há no ser humano, e não condicionadas por ameaças ou temores. Se assim não for, deixemo-nos de cerimónias espampanantes e de belos discursos no dia 25 de Abril.

31.01.19

Aqui há uns tempos, numa entrevista ao Expresso, o escritor George Steiner manifestava o seu desapontamento pelo facto de os países e a humanidade em geral não aprenderem com a história. Espera-se que o ser humano, ao menos, aprenda com os erros do passado e evite os caminhos errados já trilhados, que o arrastam para a desumanidade, a desgraça, o horror, a guerra e a miséria social e moral, a espalhar o sofrimento e a maldade sobre si e sobre os outros. Uma das mais belas missões da história é ser mestra da vida. Ensinar a viver bem e a progredir, iluminar o ser humano para se aperfeiçoar, pelo caminho do bem, e buscando a realização plena da humanidade. Concretamente, falava-se do horrendo antissemitismo, que volta a aflorar em alguns países europeus, depois de ter sido macabramente promovido pelo nazismo na 2ª guerra mundial, com os resultados ominosos que todos sabemos, resultados que deveriam servir de lição lapidar, mas não serviram. Não aprendemos absolutamente nada com a história. Vamos repeti-la, não vai demorar muito. Misteriosamente, teimamos em não querer aprender.

Olhemos até para a nossa vida caseira. Quando estivemos sobre o espartilho da troika, em que o país foi submetido a um nefasto período de austeridade, diabolizado aos quatro ventos, foi muito propalada a história da carochinha de que, com este castigo «merecido», as pessoas iriam reaprender a viver com mais prudência e de acordo com as suas possibilidades, deixando para trás os excessos do passado, como pedir créditos para futilidades ou para um nível de vida que não podem ter. Assim não aconteceu. Segundo as últimas notícias, bastou o país melhorar um pouco e já estamos a repetir os mesmos erros que levaram o país à falência e muitas famílias ao descalabro. Os níveis de poupança diminuíram e gastar e consumir bens e serviços, muitos deles dispensáveis, volta a estar na ordem do dia.

O fundo do problema é cultural: temos uma máquina consumista montada que não desarma e impinge o consumismo a todo o custo às pessoas. Por outro lado, a maioria das pessoas só sabe ser feliz com materialismo e com os préstimos dos oportunos serviços hedonistas existentes na sociedade. Mas custa ver como depois de tanta lamúria não se aprendeu a viver com um pouco mais de responsabilidade!

31.01.19

Estão prestes a ser votados no Parlamento projetos de lei apresentados pelos partidos de esquerda, para a legalização e regulamentação da eutanásia em Portugal. É um atrevimento antidemocrático dos partidos que compõem e sustentam a atual governação, porque a eutanásia não fazia parte dos programas que sujeitaram ao escrutínio eleitoral. A democracia é feita de compromissos e programas aprovados e dispensa táticas e oportunismos partidários, que os eleitores não aprovaram. E se a Constituição serviu e serve para fazer muito alarido quando é conveniente, não compreendo como é que agora está a ser gravemente desautorizada, onde se afirma inquestionavelmente que a vida humana é inviolável. Por outro lado, não me parece que o debate público sobre o tema já tenha sido suficientemente alargado e profundo para se legislar sobre uma matéria tão séria e fraturante e que já exista uma maturidade humana, médica e social para se fazer uma opção livre, ponderada e responsável diante da eutanásia.

Os países que foram pioneiros a aprovar a eutanásia, como a Holanda e a Bélgica, aconselham-nos a não aprovar uma lei que se tornou uma caixa de pandora. Se num primeiro momento parecia equilibrada e bem definida para situções excecionais, num segundo momento descambou e começou a ter várias interpretações, alargando-se as razões para a sua prática, com muitos abusos, alguns escandalosos, de forma que a substância da lei e a sua execução estão numa grande confusão.

Um bom número de médicos já manifestou que repudia a lei. Um médico forma-se e compromete-se em cuidar o melhor possível a saúde de um doente e não em pôr fim à vida do doente, desempenhando o perverso papel de algoz de uma vida humana, por muito que seja autorizado por uma sociedade. É um ato que não pode deixar de ter repercussões na consciência. E têm razão aqueles que afirmam que, com esta prática, pode-se quebrar o elo de confiança entre o doente e o médico.

Não se pode deixar de ser sensível ao argumento do sofrimento. Em certas fases da vida, atinge níveis atrozes e lancinantes. Mas, como afirma a Igreja, não tem sentido eliminar a vida  de uma pessoa para se eliminar o sofrimento. Os cuidados paliativos, que já estão bem desenvolvidos, são a solução, porque preservam a vida e combatem o sofrimento.  

31.01.19

Por estes dias, encontrei uma senhora idosa no adro da Igreja, com o olhar fito nas árvores, quase nuas das bonitas e verdejantes folhas, que vistosamente exibiram durante o verão. Cumprimentei-a. Muito calmamente, virou-se para mim e sentenciou: «Senhor padre, o que eu fui e o que eu sou. Fui uma mulher vivaça, trabalhadora, lutadora, cheia de genica, agora estou como estas árvores, nua de cabeça, de forças, de tudo. Estas árvores somos nós. Tudo tem o seu fim.» Neste mês de novembro, em que somos convidados a rezar pelos defuntos, somos confrontados com a realidade da morte e a caducidade da vida, realidades que o mundo de hoje procura esconder ou disfarçar. Mas tudo se acaba mesmo? Tudo passa, é verdade, mas o amor e o bem nunca passarão. Ficam para sempre.

Uma história judaica (abreviada) conta o seguinte: um homem tinha três amigos. Um dia foi surpreendido por uma intimação do Rei que o instava a comparecer no Palácio Real. Inexperiente nestes encontros, foi ter com o primeiro amigo, considerado inseparável, para que o acompanhasse, mas disse-lhe que não o podia acompanhar. Partiu à procura do segundo amigo, com quem se encontrava de vez em quando para conversar e beber uns copos. Dispôs-se a acompanhá-lo, mas só até à porta. Não dava. Restava-lhe o terceiro amigo, aquele que via por mero acaso apenas uma ou duas vezes no ano. Para seu espanto, dispôs-se a acompanhá-lo até junto do Rei. Moral da história: o amigo n.º 1 é a nossa própria vida, a minha própria vida; eu e a minha vida, os meus trabalhos, os meus negócios, os meus projetos. Andamos sempre juntos, mas, quando eu morrer, de facto, nada disso me vai acompanhar; o amigo n.º 2 são os nossos próprios amigos: podem acompanhar-nos só até à porta do cemitério; o amigo n.º 3, aquele que raramente vemos, é o bem que fazemos ao longo da nossa vida; é o amor que pomos naquilo que humildemente fazemos. É o único amigo que nos acompanhará sempre, para todo lado. É com este amigo que nos devemos preocupar mais.

Vivemos num tempo em que as pessoas agem mais por interesses do que por valores e princípios. Daí a crise moral em que vivemos, fonte de todas as crises. Há que mudar de rumo: só uma vida centrada no bem e no amor será uma vida verdadeiramente realizada, que Deus não deixará no esquecimento.

31.01.19

Está hoje em marcha, um pouco por toda a Europa, uma impetuosa operação de laicização das sociedades, no sentido de libertá-las da influência das tradições religiosas (as religiões), deixando-se o espaço público para aquilo que é minimamente consensual entre todos. Mas infelizmente, laicidade tem sido confundida com laicismo. Uma coisa é preconizar a separação entre Estado e religião ou não dar a preferência a nenhuma religião sobre a vida social, outra coisa é excluir e não dar espaço à religião na vida pública, remetendo-a para a intimidade de cada um e excluindo Deus da vida social. A uma omnipresença naturalmente aceite da religião na cultura e na educação, está-se a passar inexplicavelmente para um silenciamento agressivo da religião e da fé.

Laicidade é vivermos num regime em que o Estado não tem nenhuma confissão religiosa, mas respeita as religiões, num clima de diálogo e de mútua colaboração, assim como a dimensão religiosa e espiritual do homem. Laicismo é vivermos num regime em que o Estado, ou se quisermos, a sociedade, se organiza agressivamente à margem de qualquer influência religiosa, prescindindo das religiões e negando-lhes qualquer direito de se expressarem na vida pública, direcionando a sua vivência para a vida privada.

A Igreja Católica aceita a laicidade. O Estado não deve ter religião e nenhuma religião, por maior ou menor que seja, tem o direito de impor a sua doutrina na vida pública. Mas o espaço público se não é dos crentes, também não é dos não crentes. É de todos. As religiões não devem ter direitos a mais, mas também não podem deixar de ter os direitos que merecem. Viver em laicidade é respeitar todas as instituições, forças e movimentos de uma sociedade, dando-lhes o direito de se expressarem na vida pública e de livremente desenvolverem a sua ação e missão.

Uma sociedade que negue ou abafe a dimensão espiritual e religiosa do ser humano, nunca será uma sociedade feliz. Disse-o muito bem Bento XVI: “É uma tragédia que na Europa, sobretudo no século XIX, se afirmasse e divulgasse a convicção de que Deus é o antagonista do homem e inimigo da sua liberdade. Deus é a origem do nosso ser, cimento e cume da nossa liberdade, não o seu adversário. É necessário que Deus volte a ressoar gozosamente debaixo dos céus da Europa”.

31.01.19

A Igreja recomenda carecidamente a todos os cristãos para que rezem o terço todos os dias, e, se o puderem fazer em família ou em grupo, melhor. Maio e outubro são meses em que se dá uma atenção especial a esta prática cristã. Está mais ou menos fundamentado que a origem do rosário se deu com o monaquismo. O povo mais simples, como não sabia ler, não conseguia acompanhar os monges e os frades na recitação dos salmos bíblicos (150). Criou-se, então, a prática de se rezar 150 pai-nossos, a que se acrescentou mais tarde a Ave-Maria e a Santa Maria, orações que apelam para o essencial da fé cristã. Passaram a chamar-lhe o saltério dos leigos. Na carta apostólica Rosarium Virginis Mariae, o Papa João Paulo II afirma: «Com ele, o povo cristão frequenta a escola de Maria, para deixar-se introduzir na contemplação da beleza do rosto de Cristo e na experiência da profundidade do seu amor. Mediante o Rosário, o crente alcança a graça em abundância, como se a recebesse das mesmas mãos da Mãe do Redentor.»

É uma oração e uma prática muito válida, onde caminhamos com Maria para Cristo, e onde muitos cristãos encontram refúgio e buscam alento. Mas tem de ser bem celebrada. Deixo duas observações: habitualmente, nomeamos um mistério para contemplação, acrescentamos uma intenção e rezamos a dezena das Ave-Marias, com as restantes orações. Pergunto: como é que conseguimos contemplar, rezar e ainda pensar numa necessidade da Igreja ou do mundo ao mesmo tempo? Eu não consigo. Por outro lado, se o terço se torna num debitar monótono e repetitivo de orações, desfiadas distraidamente ou mecanicamente, sem atenção e sem o coração, não vejo que utilidade possa trazer à vivência cristã. E pergunto se muitos cristãos que o rezam se, de facto, farão contemplação do mistério e se estarão atentos ao que rezam. Escusado será dizer que não basta só rezar, é preciso rezar bem, e reparo que o terço nem sempre se reza muito bem, desde ritmo apressado, distração, excesso de textos e de intenções, mero cumprimento ou formalismo.

Há uma diferença muito grande entre rezar e ser rezadeiro. Oração que não seja busca e encontro com Deus, com participação plena da inteligência e do coração, não é oração. Fazer do terço um mero exercício rezadeiro é dar razão a quem o considera um ato de beatice.

31.01.19

Joãozinho tinha ganho uma barra de ouro com o seu esforço e trabalho. Achando que ela era demasiado pesada e incómoda, troco-a primeiro por um cavalo, depois trocou o cavalo por uma vaca, a vaca por um ganso e o ganso por uma pedra de amolar. Como esta lhe pareceu insignificante e de pouco valor, acabou por lançá-la ao rio. Livre de tudo, achou que, finalmente, tinha ganho o dom precioso da liberdade completa. Nem se deu conta de que teve um tesouro nas mãos e de troca em troca acabou por deitá-lo fora. Agora era livre, mas não tinha nada. E era livre para quê? Era ilusoriamente livre e o que o esperava agora era viver no vazio.

Muitos católicos olham para a fé cristã como um conjunto de princípios e valores demasiado pesado e incómodo, que em vez de ajudar a ser livre e apontar o verdadeiro caminho para uma vida totalmente realizada e plena, pelo contrário, retira a liberdade e asfixia a vida. Tudo seria bem melhor sem a submissão à fé. Consequência do discurso moralista e regrador que a Igreja, por vezes, adotou? A impressão que impera na sociedade é que a religião ou a fé é um conjunto de mandamentos, regras e proibições que são «impostas» aos fiéis. Logo, a vida será mais agradável sem o jugo e o fardo dos códigos religiosos. O que se fez então? Sem terem descoberto a beleza e a grandeza da fé que têm e fortemente influenciados pela mentalidade dominante, que teima em alimentar um debate enviesado e exíguo à volta da religião, muitos católicos vão cedendo à imprudência de reinterpretar a sua fé, ano após ano, até chegarem a um mínimo essencial, que mais não é que um cristianismo light, feito à medida das conveniências e apetites de cada um. Não demorará muito, até daquela «réstia» de fé vão abdicar, afirmando com ar solene que «já se deixaram dessa coisa da Igreja e da religião».

Quem nunca descobriu um tesouro, como a fé é, nunca o defenderá e lhe dará o devido valor. Devido a um percurso catequético titubeante e deficitário e à influência do discurso pós-moderno sobre temas da doutrina da Igreja Católica, colocados de forma descontextualizada em relação ao todo da mensagem cristã, muitos católicos nunca chegaram ao âmago da fé cristã, assente numa relação viva com Jesus Cristo. Quem descobre este tesouro valioso, dificilmente abdica dele.

31.01.19

De vez em quando, algumas das nossas aldeias do Barroso oferecem-nos uma das experiências mais estranhas e inquietantes por que passamos: ir de ponta a ponta das aldeias e não ver uma única pessoa. E mesmo após algum ruído, o silêncio permanece. Vai-se confirmando o que um prestigiado demógrafo afirmava aqui há uns tempos: «O interior está num sono de morte». O silêncio, muitas vezes, pressagia a erupção de novos mundos e de grandes mudanças. Mas, no nosso interior, vaticina o epílogo da vida de muitas das nossas aldeias e a estagnação e desertificação de uma região bela e rica, que deveria merecer outra atenção. Não há como fugir a este realismo. É por demais evidente que muitas das aldeias de Barroso não têm um futuro risonho no horizonte. A população, na sua maioria, é senil. Ainda temos alguns jovens, mas duvido que fiquem na terra. Crianças muito poucas (há paróquias onde não há um único batizado num ano). A longo prazo, o “reino maravilhoso” do Barroso terá pouca gente para conservar e produzir riqueza, na sua especificidade, que é a ruralidade, e para preservar e enriquecer todo o património cultural, familiar e paisagístico. Será uma região deserta, pobre e catatónica.

Em vez de se impor o rigor nas grandes cidades, onde o estado desperdiça dinheiro, na concessão de mordomias a parasitas do estado, pelo contrário, arrasa-se com o interior, pouco importando a qualidade de vida dos seus habitantes e a fixação da população por todo o território português. O interior sente assim, penosamente, o carácter eleitoralista e a permeabilidade aos lóbis de muitos inquilinos de S. Bento, que mais não têm a dizer que tudo isto «é inevitável». Não, meus senhores. Se desde sempre houvesse uma preocupação clara por todos os cidadãos e uma visão consistente e equilibrada do desenvolvimento e crescimento de todo o país, com respeito por todas as suas regiões, e uma governação racionalizada e bem ponderada com responsabilidade, talvez não fosse agora necessário assistirmos à depauperação e desertificação do interior. Dantes não tínhamos infraestruturas (bons edifícios e estradas) e tínhamos pessoas. Agora, temos boas estradas e bons edifícios, mas não temos pessoas e tudo indica que querem que não tenhamos pessoas. Anda sempre qualquer coisa ao contrário.

31.01.19

Está em exibição nos cinemas o filme Spotlight. Conta a investigação que um grupo de jornalistas de um jornal de Boston fez sobre a pedofilia na Igreja Católica naquela arquidiocese americana. Descobriu-se um ror de casos, com uma centena de padres envolvidos. Uma devassidão de uma dimensão de fazer suster a respiração. Ao longo da investigação, confirma-se a descoberta mais tenebrosa: a hierarquia sabia de muitos casos, mudava os padres de paróquias e tudo fazia para que nada fosse descoberto, valendo-se do poder que tinha, em vez de afastar os padres e de os fazer comparecer diante da justiça. Uma conduta incompreensível. Não há justificação possível.

Católicos de todo o mundo ficaram perplexos e perturbados com estas revelações. Era preciso uma resposta firme e adequada e assim aconteceu. O Papa Bento XVI suscitou um sério e doloroso exame de consciência dentro da Igreja e agiu com celeridade, deixando bem claro que se a pedofilia existe no seio da Igreja, contudo, não é uma instituição pedófila. Pediu-se perdão, fez-se justiça às vitimas, decretou-se tolerância zero quer para quem a pratique, quer para quem a encubra, passou-se a dar mais atenção à formação dos seminários e à vida do clero. Com o Papa Francisco tem-se aprofundado ainda mais este trabalho.

A pedofilia na vida da Igreja é abominável, mas não tenho dúvidas de que a Igreja aprendeu e cresceu com esta sórdida imoralidade. Mas também nunca será de mais lembrar que a Igreja é santa e pecadora. Os homens e mulheres que dela fazem parte são feitos da mesma fragilidade que os outros e não é pelo facto de receberem sacramentos e bênçãos que ficam imunes de experimentar as maiores misérias humanas. Têm a obrigação de as evitar, porque a isso se comprometem, com exigência moral e espiritual, mas nunca deixarão de ser pessoas que fazem a experiência da fraqueza e da divisão dentro de si mesmas, como qualquer pessoa humana. Por isso, não consigo compreender a condenação severa e a impiedade feroz que certas fações da sociedade e cidadãos em geral lançam sobre a Igreja, como se a Igreja tivesse que ser santa à força e não ter falhas ou o mínimo resquício de pecado, o que é impossível.

Duas conclusões: fica-nos bem a humildade e é preciso fazer da vida cristã uma conversão permanente. Boa Quaresma.

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