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minhas notas

28.06.16

É indisfarçável que o Ocidente, e mais concretamente a Europa, está a passar por uma crise de fé. De uma sociedade que facilmente aceitou ou coabitou com a ideia de Deus e a doutrina e a moral da fé, de tal forma que negar Deus era quase ofensivo e delituoso, passamos para uma sociedade que deixou de se importar com Deus, alheada da vivência religiosa e indiferente à sabedoria e às propostas das religiões, em que negar Deus ou assumir o agnosticismo é um sinal de modernidade, uma exigência para se pertencer aos «novos tempos». Alguns estudiosos sugerem que a Europa está a passar por um certo «enjoo» religioso ou por um «cansaço» da fé. Outros procuram apontar outras causas, que têm a sua relevância: o niilismo contemporâneo, que questiona tudo e não aceita nenhuma verdade como absoluta, o predomínio de uma mentalidade positivista e cientificista, que não sabe pensar para lá do laboratório e mede tudo pelo alcance do microscópio, o comodismo contemporâneo, que adota estilos de vida sem grande pensamento e exigência, a terrível e dura experiência que foi o século XX, com as suas guerras e barbaridades, com um caudal de destruição, morte e desumanidade inimaginável, que deixou marcas muito profundas na alma humana, suscitando um questionamento e uma dúvida persistente sobre todos os princípios, ideias, convicções, doutrinas, sistemas de pensamento e ideologias. Digamos que a Europa está a passar por «uma noite escura», que os místicos cristãos penosamente descrevem nos seus livros, em que Deus parece ausente e não responde senão com um silêncio inquietante.
Mas, na verdade, pode haver indiferença para com a vivência religiosa e para com as religiões, mas a fé não está assim tão esquecida no íntimo das pessoas. Muitas com quem vou falando, que não tiveram a formação religiosa que almejariam ter, afirmam que não se limitam a pensar a vida com os olhos voltados para a terra, mas que acreditam em «algo acima de nós», que possivelmente «nos criou, nos deu a vida e nos governa» e não deixará de nos «chamar a participar numa vida para sempre», «para além da morte». É o que os teólogos chamam o algoísmo, talvez a religião mais popular atualmente, acreditar em algo, sem saber muito bem o que isso é, mas acredita-se, o que prova que a fé em Deus não se apaga e não se elimina facilmente do pensamento e da reflexão humana e que o ser humano consegue formular sempre uma ideia de Deus a partir da experiência e da perceção que tem da vida e da realidade. Claro que é muito cómodo ficar-se pelo algoísmo, mas um crente a sério esforça-se por compreender esse «algo» em que acredita e procura relacionar-se com Ele, fonte da vida, sem o querer dominar ou entender tudo.
Como afirmam alguns teólogos, talvez não esteja tanto em crise a fé em si, a capacidade e o desejo que a pessoa humana tem de procurar a razão de ser da vida e das coisas, de procurar uma transcendência que seja a fonte, o sustento e a plenitude da vida, mas está em crise a fé numa certa ideia ou conceito de Deus, a crença numa determinada identidade de Deus. E se assim é, as crises de fé, como tantas que já houve ao longo da história humana, são benéficas para a fé, porque obrigam as religiões a refletir sobre a imagem que comunicam de Deus, obrigam a repensar o discurso, a doutrina e a moral das propostas religiosas, eivadas de exageros e inconsistências, forçam a mudar esquemas, costumes, métodos, fórmulas e soluções, aprofundam a espiritualidade. As crises acabam por ser oportunidades e filtros epocais, que purificam, maturam e robustecem a fé. Andam por aí muitas imagens de Deus, que temos de erradicar do discurso e da vivência religiosa. Já não tem qualquer sentido falar do deus castigador e vingativo, que nós inventámos, numa blasfema antropomorfização de Deus, que criou a religiosidade do medo e um sem número de pessoas oprimidas, permanentemente assoladas por escrúpulos e perturbações. Já é tempo de questionarmos a imagem de um deus que exige sacrifícios sem mais nem menos, que exige expiações e penitências para sanar a culpa e dar prémios, parecendo que se compraz com a dor humana, já é tempo de se repensar no deus milagroso, que temos de despertar e convencer pela oração ou qualquer ato heroico, dando a impressão de que anda distraído e não conhece a vida das pessoas, salvando uns e a outros deixa-os morrer, já é tempo de nos interrogarmos sobre a imagem demasiado humana de Deus que ensinamos e pregamos, um deus de humores e caprichos, que se ofende e que está muito ofendido…Não acho que seja esta a linguagem correta e a melhor imagem de Deus. Como todas estas ideias e imagens de Deus andam muito longe do Deus santo, bom, misericordioso e amoroso que Jesus ensinou!

28.06.16

O ser humano é um ser relacional e social. Está feito para ser para os outros e para se relacionar com os outros, para partilhar, para conviver e comunicar. E quanto mais o faz, mais se realiza como ser humano e mais humano se torna. Como é um ser inteligente, dotado da capacidade de pensar e verbalizar, e portador de emoções e sentimentos, tem uma grande necessidade de comunicação. Esta tem dois grandes movimentos: falar e ouvir. Quem não sabe exercer os dois, não sabe comunicar e terá uma grande dificuldade em estabelecer «empatia» ou «simpatia» com os outros. Facilmente cairá na «antipatia» dos outros e com os outros. E não esqueçamos o silêncio, que é necessário para se comunicar bem, e, não raras vezes, é a forma mais sublime e perfeita de comunicar.
Na mensagem que dirigiu ao mundo e à Igreja para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, o Papa Francisco chama a atenção para a necessidade de viver a misericórdia na comunicação social, assim como em toda a comunicação humana. Há pouca misericórdia na nossa comunicação social. Basta ver que as más notícias prevalecem sobre as boas notícias, há um gosto mórbido pelo escandaloso, o imoral e o negativo, vasculha-se e divulga-se a vida privada das pessoas sem qualquer respeito pelas pessoas e pela sua dignidade, nesta sociedade que se tornou incompreensivelmente consumista da desgraça alheia, com diretos atrás de diretos às portas dos tribunais, espalham-se sem escrúpulos a mentira e as meias verdades sobre pessoas, instituições e acontecimentos, em nome de interesses, com graves consequências para os atingidos, clama-se por justiça severa e linchamentos públicos para falhas e erros humanos. Até na nossa imprensa local, penso que se abusa dos ataques pessoais, do falar mal só por falar mal, por inveja ou ódio, seja de pessoas ou instituições, mais só para destruir do que para construir ou melhorar, dá-se demasiado espaço a querelas e discussões estéreis, que pura e simplesmente só vão azedar as relações e cavar maior distância entre os envolvidos, não estando em causa a leitura crítica que cada um tem direito a fazer da realidade. Até na comunicação politica, há muita falta de misericórdia. Repare-se na nossa Assembleia da República: em vez ser um espaço de comunicação com elevação e serenidade, pelo contrário, impõe-se a gritaria, o tom agressivo e acusatório, a troca permanente de argumentos bélicos, sem capacidade de ouvir o outro e entrar na sua razão, há uma busca contínua pelo denegrir e deitar abaixo o outro, não se reconhecem os méritos e os sucessos dos outros, prevalece a cultura de trincheira e o fundamentalismo partidário, exploram-se até ao tutano as contradições e as falhas alheias. Quantas sessões da Assembleia da República, casa da democracia, são um espetáculo lamentável!
Atualmente verifica-se um grande deficit em escutar os outros, para o qual o Papa também alerta. Vivemos num mundo de surdos. E não me digam que é por falta de tempo. O individualismo atual está-nos a tornar frios e indiferentes para com os outros. É uma questão de atitude e de humanidade. Vou encontrando muitas pessoas, que têm uma grande necessidade de falar, porque, pelos vistos, ninguém está para as «aturar», pessoas que precisam de encontrar um caminho, de redimir um fracasso, de contar um sucesso, de relatar uma vida cheia de sacríficos e conquistas extraordinárias, e não têm um familiar ou um amigo que se queira maravilhar com as suas palavras. Os mais velhos têm tanta experiência e sabedoria para partilhar e o que faz a modernidade? Presta-lhe cuidados, faz umas coisas engraçadas, mas não tempo para os ouvir.
Mesmo a Igreja, e quando falo da Igreja falo de todos os cristãos, não pode deixar de comunicar com misericórdia. Diz o Papa: «Palavras e gestos duros ou moralistas correm o risco de alienar ainda mais aqueles que queríamos levar à conversão e à liberdade, reforçando o seu sentido de negação e defesa.» Seria bom evitar o tom sentencioso, o julgamento fácil e o moralismo frio, que facilmente andam na ponta da língua, e apostar mais na proximidade e na proposta de caminhos positivos para a vida.

28.06.16

Partilho aqui convosco uma entrevista que o padre jesuíta Vasco Pinto de Magalhães (VPM) concedeu à rádio Renascença. Em tempos acompanhou jovens universitários, jovens candidatos ao sacerdócio e, ultimamente, dedica-se a acompanhar casais jovens e casais com filhos pequenos. Muito do que afirma vem de encontro à leitura e à perceção que tenho da realidade humana e social atual.

Começa por afirmar que hoje as pessoas «ajuízam sem refletir – têm opiniões! A cultura hoje é opinativa, toda a gente acha e não quer que ninguém a contradiga, porque a sua opinião é que vale, mas é tudo muito emotivo. Um emotivismo muito primário. A educação hoje – cá e também na Europa – não é crítica, é muito informativa e pouco formativa.». E, de facto, atualmente, estamos no tempo dos «achadores», que têm opinião para quase tudo, mas sem grande base para sustentarem o que afirmam e para perceberem a inconsistência do que afirmam, sem objetividade e rigor, porque as opiniões partem das emoções e não da reflexão e da racionalidade. Os jovens «vivem ligados ao computador, sabem tudo e não sabem nada, mas têm toda a informação à mão e isso dá-lhes a sensação de que não precisam de pensar. Por isso, penso que uma grande crise da Europa é a ausência de pensamento crítico. E, ainda por cima, não têm tempo e têm tanta informação que não conseguem organizar, nem codificar. Estou a identificar um défice que me parece muito forte e traz também muitas consequências e mal-estar na vida porque lhes dá uma certa sensação de auto-suficiência, mas que depois é muito vazia.» Isto é claramente notório na cultura da juventude atual (e de muitos adultos): limita-se a consumir passivamente a informação e tudo o mais que lhe é proposto e sugerido, seja nos hábitos, seja nos valores, sem grande capacidade de questionar, de refletir, de rebater, de pensar diferente. Tem pouca consciência crítica, o que não pode deixar de levantar muitas dúvidas sobre a qualidade da liberdade, da independência e da autonomia que a modernidade gosta de exaltar. Há um remédio para isto, que dá algum trabalho, mas dá bons frutos: «Cura-se criando momentos em que seja possível pensar – e pensar criticamente, ajudando a olhar para a realidade. Cura-se com a meditação, com a contemplação.»

Mais tarde ou mais cedo, será inevitável constatar que a vida está mergulhada num grande vazio e que se vive sem um sentido, e, por isso, nasce uma inquietação. Mas em vez de se enfrentar isto e de se lhe tentar dar uma resposta, o que é que se faz? Arranjam-se fugas enganadoras para diante, para se iludir a vida e não se enfrentar a vida com a profundidade, a verdade e a seriedade que ela merece. Fugir da realidade e da verdade. Diz VPM: «os spas, as férias aqui, as férias acolá, todo o espetáculo, toda a sociedade de divertimento, há toda uma superocupação que é enganadora, porque vai, vai, vai até bater. E depois, há muito sofrimento que atinge os limites. A pessoa cansa-se rapidamente do trabalho, cansa-se das relações, cansa-se da família, porque precisa de mais qualquer coisa, mas, como parece que, muitas vezes, a vida não está interiorizada – está vivida na superfície, no imediatismo, na emoção – isso tem consequências complicadas. Por um lado, andamos a fugir do sofrimento, mas vamos bater nele com toda a força e sem base para o enfrentar», percebendo que «o problema de fundo é exatamente viver com um sentido da vida, com perspetivas de realização profunda e não andar a fugir dos problemas, mas ser capaz de os enfrentar e de os superar.» É preciso enfrentar a vida de frente, buscar a verdade mais profunda da vida e tentar responder ao fundamental, sem fugir: quem sou? Porque existo? Quem me deu a vida? Por quê viver? Qual o sentido do que sou e faço? Para onde vou? Que sentido dar à vida? Podemos escapar-nos ou dar respostas fáceis, mas caímos num erro: «Pintamos as coisas bem pintadinhas, parece, mas depois há vazios muito angustiantes. Não é uma coisa tratável, é vazio interior, é falta de sentido, é a sensação de não ser amado.»

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