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minhas notas

26.10.15

De cinco em cinco anos, os bispos são obrigados a ir a Roma, na denominada visita ad limina apostolorum. Na imprensa só sai ad limina, mas falta acrescentar apostolorum, para se entender o verdadeiro sentido das palavras: «visita aos túmulos ou moradas dos apóstolos», nomeadamente S. Pedro e S. Paulo. Nesta visita, os bispos apresentam ao Papa e às várias congregações do Vaticano um relatório da atual situação das Dioceses e da atividade pastoral e ouvem uma série de recomendações e diretrizes para o futuro.

Em muitos dos relatórios apresentados, possivelmente, constou o abandono da Igreja por parte dos jovens, após a celebração do crisma, fenómeno facilmente constatável em muitas paróquias portuguesas de Norte a Sul. No discurso, que dirigiu aos bispos portugueses, o Papa manifestou a sua inquietação: «Não pode deixar de nos preocupar a todos esta debandada da juventude, que tem lugar precisamente na idade em que lhe é dado tomar as rédeas da vida nas suas mãos. Perguntemo-nos: A juventude deixa, porque assim o decide? Decide assim, porque não lhe interessa a oferta recebida? Não lhe interessa a oferta, porque não dá resposta às questões e interrogativos que hoje a inquietam? Não será simplesmente porque, há muito, deixou de lhe servir o vestido da Primeira Comunhão, e mudou-o? É possível que a comunidade cristã insista em vestir-lho?». E deixou uma chamada de atenção a todos aqueles que trabalham ou que estão perto dos jovens: «Hoje a nossa proposta de Jesus não convence. Eu penso que, nos guiões preparados para os sucessivos anos de catequese, esteja bem apresentada a figura e a vida de Jesus; talvez mais difícil se torne encontrá-Lo no testemunho de vida do catequista e da comunidade inteira que o envia e sustenta».

O Papa sabe tão bem como nós que o assunto é complexo e não tem uma receita ou uma solução fácil, como pensam, se calhar, alguns cristãos ingénuos e simplistas. Mas tem muita razão no diagnóstico: é preciso repensar a iniciação cristã, porque já poderá estar desatualizada nos seus métodos e formas e poderá sofrer do vício da domesticação, e, sobretudo, porque no fim da catequese é notório que os jovens não têm convicções cristãs e pergunto-me até se terão fé.

A Igreja portuguesa já está há muito ciente desta necessidade. D. Manuel Clemente, numa entrevista ao semanário Ecclesia, em 2013, afirmava: «há necessidade de apostar na formação cristã. Cada batizado precisa de ter consciência do que significa “ser batizado”. E é preciso que as comunidades cristãs proporcionem uma iniciação cristã séria, forte! Numa sociedade plural como a nossa, onde há tantas ideias, contraditórias ou convergentes, só assim interessa: quando alguém perfilha não apenas uma ideia mas um tipo de vida, como é o caso de uma cristã ou de um cristão, deve saber o que isso significa.»

As causas do afastamento da juventude da Igreja são muitas. Temos, antes de mais, a componente cultural. Hoje, os jovens crescem num ambiente social que desvaloriza a vivência da religião e da fé, esquece a interioridade e a espiritualidade, promove um estilo de vida individualista e hedonista, desvaloriza a fidelidade aos compromissos e a vivência de um ideal. Temos a componente familiar. A família, na sua realidade multifacetada, deixou de fazer a transmissão da fé e uma educação consistente dos valores morais e espirituais. Muitos jovens são filhos de pais que quase cortaram o cordão umbilical com a Igreja. Vai-se cumprindo uma tradição a muito custo, com pouca motivação, mas que, ainda assim, vale pelos seus momentos festivos (que milagre pode fazer um padre, quando no fim de uma festa de comunhões uma mãe desabafa para outra que ainda bem que a filha fez a comunhão porque já estava farta de ir à missa?). Temos a componente eclesial. Muitas comunidades cristãs estão absorvidas por hábitos e tradições, sem ação evangelizadora, de tal forma que não se preocupam muito em acompanhar os jovens e em dar espaço à sua vivência e expressividade. Temos também a componente testemunhal. Os jovens precisam de exemplos e de referências sólidas. Faltam, talvez, testemunhos interpelantes e saudáveis da fé cristã junto da juventude. Muitos cristãos, no dia-a-dia, misturam-se no meio da multidão, mas não fazem a diferença e não deixam um cunho cristão no que dizem e no que fazem, de tal forma que não interpelam e não marcam. Por fim, temos a componente hierárquica. Algum clero tornou-se indiferente para com a juventude e certo discurso da Igreja, na forma e na linguagem, na apresentação da moral e dos conteúdos doutrinais, está um pouco desfasado no tempo. Juntando todas estas componentes, temos o caldo perfeito para que os jovens se desinteressem da Igreja e se escapem depois do crisma, porque, como desabafava um bispo português, «andamos a crismar pagãos».

Há cristãos que pensam que tudo se resolveria com uma operação de sedução e de cativação e que os padres (coitado do padre, tem de ser um superdotado com solução para tudo) têm de ter estratégias sedutoras. É uma forma simplista de ver a questão. A sociedade já não é a sociedade homogénea e monocórdica de há 50 ou 60 anos. Tem de ser uma ação concertada de todos: família, comunidade, clero. Quem tem de começar por seduzir é o pai e a mãe em casa e, em primeiro lugar, sim, os pais têm de se questionar porque é que a forma de eles viverem a fé não cativa os filhos. O que é que falha? Estranho é que só se fala de cativação para a Igreja, mas não para as outras coisas. Alguém precisa de cativar os jovens para os festivais de verão? E, no entanto, estão a abarrotar de jovens. Alguém os cativa para encherem os bares à noite? E, no entanto, não faltam bares noturnos cheios. Alguém os cativa para os desportos radicais e para o futebol? E, no entanto, não faltam jovens no desporto, e para isso nunca falta dinheiro. Pois é meus amigos: é tudo uma questão de convicção, de educação e de formação. Hoje importam mais o prazer e a diversão do que as convicções e os ideais, que humanizam e realizam a vida, mas que muitos pais descuram na educação dos filhos.

05.10.15

Já aqui manifestei mais do que uma vez que a forma como celebramos a liturgia, o culto público que prestamos a Deus, diz muito do Deus em que acreditamos e da fé que temos. A liturgia é a cara da Igreja. Também o são outras ações, como a presença junto dos mais pobres e das muitas formas de sofrimento que batem à porta da vida de muitas pessoas, mas penso que a liturgia cristã continua a ter um papel decisivo na apresentação de Deus e da transcendência ao mundo e no testemunho da fé cristã diante da sociedade. Diz-me o que celebras e como celebras e eu dir-te-ei que fé tens e em que Deus acreditas.

Há muitos cristãos que ainda não conseguiram abandonar a condição de «assistentes» da missa. São meros observadores, por vezes distraídos e alheados, que vão respondendo secamente às interpelações do presidente da celebração. Persiste a ideia de que a missa é do e para o padre e uns quantos «ativos» da paróquia. À assembleia cabe a função de acompanhar e ouvir. O Vaticano II reformou a liturgia e salientou que todos os cristãos são participantes. A liturgia não é um teatro, onde existe uma peça com vários atores, neste caso, o padre, os cantores, os acólitos, os leitores, e o público. Na liturgia cristã não há público, mas toda uma assembleia que celebra e participa. O padre simplesmente preside. Assim sendo, é importante que todo o cristão tenha uma atitude participativa, como estar atento, responder, cantar, fazer um esforço para que a inteligência e o coração estejam numa atitude de escuta, encontro, contemplação e adoração. Precisamos de rever seriamente o formalismo e o ritualismo que a deformada moral da obrigação criou. Quantas vezes não seremos como muitas pessoas que participam nos funerais, que só estão ali para ver e cumprir, mas com total indiferença para o que estão a ouvir e a celebrar.

É importante que uma missa seja mesmo missa, ou seja, momento fervoroso de louvor a Deus, de celebração da Palavra de Deus e do acontecimento central da fé cristã, a morte e a ressurreição de Jesus, encontro e comunhão com Cristo ressuscitado e dos cristãos uns com os outros, numa atmosfera serena e alegre, festiva, mas não festeira, solene, santificadora, com os cânticos apropriados, que ajudem a rezar, a celebrar e a interiorizar e a expressar o mistério da fé, num equilíbrio entre som, palavra e silêncio. Tenho vindo a reparar que, paulatinamente, estamos a deixar que o ruído do mundo, com a sua leviandade, se intrometa na celebração da missa. Se há serviço importante que a missa ainda pode oferecer às pessoas é que lhes oferece algo que habitualmente não encontram no dia-a-dia: uma palavra diferente e interpelante, como é a Palavra de Deus, a reflexão, a meditação, o encontro pessoal e comunitário, o olhar um pouco mais para a interioridade, a adoração, o canto, o silêncio, o pensar um pouco mais nos outros, abrir-se ao divino. É preciso resistir à tentação de atafulharmos a missa com diversão e com ruído superficial, nesta onda de se querer tudo leve, ligeiro, festivaleiro, pouco pesado, até divertido, que outra coisa não faz que banalizar a missa e a deturpar. Andam por aí cânticos que não dignos da missa, nem dos outros sacramentos. Já viram tocar uma música pimba numa parada militar? Tudo tem a sua expressão e a sua linguagem. Alguns até são adaptações razoáveis, mas outros têm letras vagas e piegas, que facilmente se poderiam ouvir na boca da última estrela pop ou letras de intervenção, que poderiam ser cantadas pelo partido comunista.

Um aspeto que deve merecer maior atenção e cuidado é a preparação da liturgia. É preciso evitar-se a improvisação. Só se celebra bem, quando se prepara bem. Um jornalista cristão, que tem uma prática cristã intermitente, conta, num artigo que escreveu e colocou na internet, que está perplexo e até dececionado com a forma como, por vezes, se celebra a missa em algumas comunidades cristãs, por onde vai passando. Eis os defeitos que encontra: está a começar a celebração e ainda está a chegar um grande número de cristãos (nunca se chega em cima da hora para as coisas importantes); leitores escolhidos no momento das leituras; os cantores desfazem-se em pressas ao longo da celebração para escolher cânticos, em permanente cochicho e algazarra; sussurros entre os acólitos, os cantores, os leitores e alguns elementos da assembleia e até entre os padres; cânticos desapropriados com a festa e a mensagem do Evangelho do dia (é o que dá só andar atrás dos cânticos mais melodiosos ou bonitos); padres que rezam depressa; saída de cristãos antes da celebração findar. Nas palavras do jornalista, fica a sensação de que a celebração não é muito importante e que significa muito pouco para as pessoas que estão ali presentes. Estão muito pouco convencidas de que estão a celebrar algo de importante, como de facto estão. Não resta senão a derradeira impressão de desatenção para com aquilo que se está a celebrar, indiferença, ritualismo, banalização, superficialidade. A celebração está reduzida a um passatempo ou a entretenimento. É uma liturgia medíocre, que não convence nem interpela, que é indigna dos grandes acontecimentos que se celebram. É preciso prestar muita atenção a este aspeto. Dificilmente liturgias mal preparadas e com uma participação desadequada, até quase indecorosa, de alguns cristãos, podem falar de Deus e comunicar a fé a alguém.

05.10.15

Entre os dias 31 de Agosto e 3 de Setembro, decorreu, em Fátima, o Simpósio do Clero, que teve como tema o padre, irmão e pastor. Estiveram presentes padres de todas as dioceses e alguns bispos. Saliente-se que a nossa Diocese de Vila Real foi das mais bem representadas, tendo-se em conta o número de padres. Durantes três dias e meio, foram servidas boas conferências de estudiosos e pensadores da Igreja, servidos painéis de debate com figuras da Igreja e do saber e da cultura portuguesa, bons momentos de convívio, celebração e oração.

A figura que esteve mais em destaque foi o Beato Bartolomeu dos Mártires, proeminente arcebispo de Braga, de quem no ano passado celebrámos os 500 anos do seu nascimento, e de quem se espera que avance o processo de canonização. Foi, de facto, um pastor exemplar, terno e jovial, mas ao mesmo tempo exigente e rigoroso, que viveu uma vida sóbria, de grande fidelidade ao Evangelho e de grande amor aos pobres e desafortunados do mundo. Serviu uma diocese que se estendia até Bragança, que tinha cerca de 1400 paróquias. Na Igreja do Castelo de Montalegre, como sabemos, está uma lápide que recorda a sua passagem pelas terras do Barroso.

Destaco algumas boas intervenções e tiradas que se foram recolhendo ao longo do Simpósio, que podem servir para a reflexão das comunidades cristãs. O jesuíta Carlos Carneiro, a quem coube refletir sobre a missão e a identidade do padre segundo o Vaticano II, sublinhou que o grande inimigo da Igreja, com quem, aliás, até tem sabido conviver, não são os ateus, os agnósticos, os tradicionais detratores e opositores da religião, as forças e os poderes da sociedade que procuram hostilizar e até eliminar as crenças, os credos e a presença das religiões nas instituições e nos ambientes sociais. O grande inimigo da Igreja é quando a Igreja deixa de fazer uma leitura espiritual da realidade, preferindo optar pela condenação ou pelo lamento, refugiando-se no comodismo do passado, com os seus esquemas e mentalidades, não se dando conta do chamamento e dos sinais e desafios da presença de Deus na realidade que tem de enfrentar no presente.

O comentador do Governo Sombra da TSF e crítico de cinema e de literatura, Pedro Mexia, salientou que a Igreja não pode cair na tentação de adocicar o seu discurso e as suas liturgias para atrair fiéis a qualquer preço, como, por exemplo, as televisões fazem com os seus programas para terem audiência. A Igreja tem de anunciar o Evangelho, com toda a sua verdade, Evangelho que nem sempre é agradável para as multidões, e ter preocupação pelo sublime e pela beleza. A Igreja desempenha o papel importante de ser consciência crítica da vida e da sociedade e é importante que nunca deixe de o fazer. A escritora Lídia Jorge pediu mais presença de bons textos dos escritores e da poesia no discurso e nas homilias da Igreja. Talvez a Igreja seja demasiado prosaica. O físico e investigador, Henrique Leitão, Prémio Pessoa em 2014, apresentou uma série de grandes cientistas que nasceram do mundo católico, estimulados pela convicção católica de que a realidade é inteligível, o que só comprova que a Igreja promoveu e viu na ciência um bem, apesar de episódios menos dignificantes neste campo e de algum confronto duro que se gerou, por vezes, entre Igreja e ciência.

O Professor Adriano Moreira, que não deixa de surpreender pela frescura dos seus 93 anos de idade, douto observador da política e da economia nacional e internacional, destacou que o cenário mundial é de guerra por todo o lado, porque se impôs a ditadura do mercado e dos interesses sobre os valores, de forma que é urgente recuperar o poder da palavra sobre a palavra do poder e restaurar a centralidade dos valores face ao mercado e aos interesses, no respeito inquestionável pelo ser humano e sua dignidade.

No último dia, o Provincial dos Jesuítas em Portugal, o padre José Frazão Correia, referiu que o entusiasmo não é uma estratégia pastoral e que não faz muito sentido recorrer ao entusiasmo postiço para se anunciar o Evangelho ou para se ser sedutor na Igreja e para fora da Igreja. Anda por aí a moda, ou se quiserem, a convicção parola, de que aquilo que não é alegre e não tem graça não cativa e não seduz, o que leva a que grupos e pastores na Igreja se mascarem de uma alegria artificial e fingida para cativar a todo o custo. Para além de colocar pressão sobre quem escolhe este critério (quem consegue ser alegre e engraçado a toda a hora?), acaba por mais tarde ou mais cedo não dar frutos porque não está revestido de autenticidade. Um cristão deve testemunhar com naturalidade a sua pertença a Cristo e a sua condição de salvo em Cristo, que permanentemente alegra e dá sentido à sua vida. Se o fizer com verdade e autenticidade, não deixará de contagiar os outros.

Foi uma bela mensagem para concluirmos mais um Simpósio do Clero.

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