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minhas notas

27.02.15

Na visita às Filipinas, durante o mês de Janeiro, o Papa Francisco escutou o testemunho emocionado de duas crianças, que antes tinham sido meninos de rua, experienciando o mundo desumano onde existem todos os tipos de abusos, drogas e prostituição, abandonadas pelas famílias.  Diante das lágrimas sinceras e comoventes de uma das crianças, o Papa Francisco colocou de parte o discurso que levava preparado e fez um de improviso, falando com o coração. Na palavra de alguns teólogos, o Papa expôs a teologia das lágrimas. As palavras, de que fiz uma compilação, não nos deixam indiferentes: «A grande pergunta que se põe a todos: Porque sofrem as crianças? Porque sofrem as crianças? Precisamente quando o coração consegue pôr a si mesmo a pergunta e chorar, então podemos compreender qualquer coisa. Há uma compaixão mundana que não serve para nada! Uma compaixão que, no máximo, nos leva a meter a mão na carteira e dar uma moeda. Se esta tivesse sido a compaixão de Cristo, teria passado, teria curado três ou quatro pessoas e teria regressado ao Pai. Somente quando Cristo chorou e foi capaz de chorar é que compreendeu os nossos dramas. Queridos moços e moças, no mundo de hoje falta o pranto! Choram os marginalizados, choram aqueles que são postos de lado, choram os desprezados, mas aqueles de nós que levamos uma vida sem grandes necessidades não sabemos chorar. Certas realidades da vida só se veem com os olhos limpos pelas lágrimas. Convido cada um de vós a perguntar-se: Aprendi eu a chorar? O meu chorar não passa do pranto caprichoso de quem chora porque quereria ter mais alguma coisa? Se vós não aprenderdes a chorar, não sois bons cristãos».

 O Papa Francisco chama atenção para a compaixão oca e estéril de que somos portadores tantas vezes. A palavra compaixão significa saber sofrer com, entrar no sofrimento do outro e fazê-lo nosso, experimentar com toda a força a dor e o desespero do outro, que nos leve a estar ao pé dele e a agir para o aliviar ou libertar do seu sofrimento. Como diz o Papa, é saber chorar o sofrimento do outro. E nós não fomos muito habituados a chorar o sofrimento dos outros.

 Infelizmente, muitas vezes, diante do sofrimento alheio, só nos limitamos a expressar meia dúzia de palavras sentidas, nem sempre sentidas, a ter pena da sua dolorosa situação e a ter um pequeno gesto, por norma, passageiro e sem grande incómodo para nós, e vamos para casa felizes da vida, ilusoriamente consolados de que somos muito amigos dos outros e que fizemos uma grande obra de caridade, quando não fizemos. A verdade é que, e o mundo atual que o diga, vivemos muito pouco preocupados com o bem-estar e o sofrimentos dos outros e não queremos perder muito tempo com quem possa estorvar os ganhos e o êxito e o sucesso imediatos, que o nosso egoísmo e os nossos interesses reclamam, a não ser, possivelmente, que esteja em causa algum grande amigo ou um familiar de quem se goste. De resto, vamos vivendo muito bem com os calvários dos outros. Deixamos que a vida nos abra os olhos e quebre o gelo que toma conta do coração.

 Há uma grande crise de bondade e de compaixão na sociedade atual. Recordo aqui uma frase aguda de José Saramago: «O egoísmo pessoal, o comodismo, a falta de generosidade, as pequenas cobardias do quotidiano, tudo isto contribui para essa perniciosa forma de cegueira mental que consiste em estar no mundo e não ver o mundo, ou só ver dele o que, em cada momento, for susceptível de servir os nossos interesses».

 Uma prática que nos adormece e ofusca a consciência é a esmola, julgando muitos que é nela que se esgota o espírito caridoso de um cristão ou da moral cristã. Poderíamos dizer que ela é o mínimo dos mínimos da ética cristã. A esmola, noutros tempos, foi usada para os ricos ostentarem a sua riqueza e o seu poder face aos mais pobres e até para os humilhar ou manipular. E hoje também pode continuar a servir para se ir praticando a caridade das sobras e para os bem remediados se desenvincilharem dos mais desfavorecidos e até para os instrumentalizar. Não digo que ela não seja útil e eficiente em casos pontuais, como de facto é. Mas a verdadeira caridade cristã (amar e fazer o bem continua e desinteressadamente,  como Deus o faz) está muito para lá da esmola. Implica diariamente a real e sincera preocupação pelos outros, o dispor da vida para permanentemente se acrescentar libertação, salvação, amor, dignidade e realização à vida dos outros ou da sociedade em geral. A verdadeira esmola é dar a vida. A caridade não se resume a gestos ou atos, é toda uma forma de estar na vida, como Jesus Cristo o fez. Parece-me que é uma caridade que não está muito em voga.

Na sociedade em que vivemos, vão surgindo muitas iniciativas denominadas de solidariedade, por exemplo na televisão, na rádio ou outras que partem da iniciativa de instituições. Não duvido das boas intenções e dos bons sentimentos de quem as organiza, mas corremos muito o risco de nos anestesiarmos numa solidariedade light pontual e efémera, numa solidariedade cosmética, com muitos famosos e endinheirados à mistura, mascarada e maquilhada de verdadeiro amor aos outros e de verdadeira preocupação pelos outros, quando, na verdade, não é bem isso que nos orienta e preocupa, mas ir na onda para parecer bem e sossegar a consciência. A verdadeira solidariedade é o compromisso diário com os outros e seus problemas e necessidades, por muito que isso nos desarranje a vida, e com as causas socias e humanas que podem humanizar a vida e a sociedade. Se assim não for, mais não fazemos do que andar iludidos numa compaixão mundana que, de facto, não serve para nada.

09.02.15

Nos últimos dias, não pudemos deixar de acompanhar e partilhar a consternação e a indignação que invadiu os espíritos pelo atentado terrorista abominável que ocorreu em França. Para além de atingir valores fundamentais das sociedades democráticas ocidentais, o que choca, sobretudo, é a banalização da morte e do mal e o total desrespeito pela vida humana, que é sagrada. E fazê-lo em nome de um deus ou de um profeta, é uma gravíssima manipulação e instrumentalização da religião. Mais um contributo para duas inquietantes constatações: a mentalidade e a consciência humanas não têm acompanhado o progresso e a evolução científica e tecnológica das nossas sociedades e a sociedade do conhecimento e da informação não formou nem fez evoluir o ser humano, ou, pelo menos, não o tem feito como era expectável. Acusamos outras épocas da história se serem tempos de ignorância e de aviltamento da pessoa humana. E se olhássemos um pouco mais para nós? Temos atualmente um homem rico na materialidade e na cientificidade, mas pobre na interioridade e na humanidade.  É isto que nos deve fazer refletir. Andamos centrados na técnica e nos instrumentos e nos meios e não na pessoa humana. É preciso inverter este caminho errado e trazermos para o centro do debate e das nossas preocupações a ética e a humanização, com todos os valores e princípios que lhes estão umbilicalmente ligados.

 Acontecimentos destes dão origem a manifestações espontâneas e arrebatadoras.  As grandes figuras mundiais da vida política e social acorreram a elas. Mas é incompreensível que, no ano passado, tenham morrido quase quarenta mulheres em Portugal vítimas de violência doméstica e que só meia dúzia de cidadãos se tenha manifestado e que nem um único político tenha levantado a voz com a indinação que os dados exigem. É incompreensível que todas as semanas morram africanos nas águas do Mediterrâneo, para tentar alcançar a Europa, em números assustadores, e que nenhuma manifestação se tenha feito em defesa da vida e da dignidade humana, com a total passividade e indiferença da comunidade política e das sociedades europeias, salvando-se o Papa Francisco que, com frontalidade e coragem, alertou para o drama. Não dá para entender a nossa inconstância e inconsistência europeias:  diante dos mesmos valores e das mesmas violações e desrespeitos, umas vezes reagimos e outras vezes não reagimos. Só andamos atrás das ondas mediáticas do momento. É próprio dos incoerentes. E é incompreensível que nós, europeus, que nos damos ao luxo de invadir as terras arábicas e de obter as suas matérias-primas mais valiosas e de ainda por cima achincalharmos a sua cultura, vivamos ingenuamente pensado que isso não tem um preço ou uma consequência.

Sem dúvida que um dos valores inquestionáveis da cultura ocidental e da democracia é a liberdade de expressão. Cultivar o humor, com a justa dose de ironia e sátira,  é saudável, porque o humor faz crescer e ajuda-nos a abater as nossas megalomanias e as nossas contradições, e, sobretudo, cria momentos de boa disposição.  Mas a liberdade de expressão não é absoluta. Tem limites. E já se ouviram muitos disparates nos últimos dias. Passar o tempo todo a insultar e a ridicularizar a fé dos outros não é liberdade de expressão. As religiões devem estar abertas à crítica e à sátira, até porque lhes fazem muito bem, para purificarem as suas representações de Deus e a validade dos seus ensinamentos, mas há limites. Muito do que o jornal francês publica é insultuoso e de muito mau gosto. Como compreender que se viva só quase para insultar as convicções dos outros? Não consigo compreender a necessidade persistente e quase mórbida de denegrir e escarnecer convicções religiosas alheias. Lá no fundo também é uma forma de fanatismo: é dizer aos outros que eles é que têm razão e que os outros deviam pensar como eles. De qualquer forma, que fique bem claro: não é motivo para tirar a vida a ninguém. Mas temos de aprender a não insultar. Há um dado da cultura ocidental, que, talvez, cause assombro ao Oriente: perdemos a noção e o respeito pelo sagrado, perdemos o contacto com a transcendência e tornámo-nos sociedades sem espiritualidade. É uma visão da vida que um árabe não consegue entender.

02.02.15

Tenho acompanhado com algum interesse todo o circo mediático que se montou à volta da prisão do cidadão José Sócrates. De dia para dia só sinto aumentar a minha perplexidade, sobretudo, porque vemos cair por terra a sã não intromissão da política na justiça, que muito bom político se fartou de proclamar aos quatro ventos e nos tentou impingir durante quarenta anos de democracia, e porque vemos ruir a firmeza e a credibilidade do maior pilar do regime democrático, sem o qual jamais haverá democracia, a justiça. Lá diz  o povo: se a justiça não faz nada, a justiça só quer saber dos seus interesses e não temos justiça, se atua, faz tudo mal e age em nome de poderes obscuros.  

 Os cidadãos têm-se dividido entre a culpabilização e a inocência, ambas sem fundamentação. É bom lembrar mais uma vez que a presunção da inocência é um princípio fundamental e inquestionável e todos têm direito a ela até a justiça provar o contrário. É inaceitável o julgamento injusto, e até desumano, na praça pública, com a colaboração de alguma justiça e dos meios de comunicação social, de que são vítimas muitas pessoas que se encontram no cárcere ou em casa à espera de uma sentença judicial.  Do que é verdade ao que parece que é verdade vai uma grande distância. Quantas pessoas inocentes, atiradas para o meio de armadilhas e intrigas, têm vidas arruinadas pela pressa imprudente e pelo espírito justiceiro da praça pública, onde não faltam os atiradores furtivos morais com bolsos cheios de pedras! Até prova em contrário, o cidadão José Sócrates é inocente e ponto final.

 É incompreensível (será?) que ainda pouco ou nada se tenha feito para se combater a violação do segredo de justiça, que é uma transgressão gravíssima no funcionamento sério e discreto que se exige à justiça.  Sempre que ela acontece, os partidos repetem a velha lamúria da sua existência e proferem um conjunto de boas intenções para a combater, mas, até agora, nada. Será porque a violação do segredo de justiça vai servindo para enfraquecer o adversário e para alimentar a triste e estéril guerrilha mediática em que gostam de viver os partidos? A própria defesa do cidadão José Sócrates tem clamado com veemência contra esta violação, mas também usufruiu dela. Como é que o cidadão José Sócrates sabia que ia ser preso quando pisasse terra firme em Portugal? Não deveria o cidadão José Sócrates permanecer em silêncio na prisão,  não revelando o que tem acontecido nas suas audiências com o juiz? Que outro cidadão teve a possibilidade de se defender na praça pública, dizendo o que muito bem lhe interessa,  depreciando a própria justiça que o prendeu?  É salutar que assim seja? Isto também não é violar o segredo de justiça? Parece que a violação do segredo de justiça só é má quando se vira contra nós. A nosso favor ou contra, não devia existir e é preciso que seja seriamente combatida.

 Durante umas semanas, os meios de comunicação social viveram um frenesim e uma excitação invulgares. Claro, estamos no tempo em que a própria informação se tornou um espetáculo. Pareciam um vulcão que há muito  desejava expelir a lava. Conclusão: a informação tornou-se uma maçada, diretos vazios atrás de diretos vazios, com carros da judiciária a entrar e a sair, lampejos da figura do cidadão José Sócrates por entre os intervalos das persianas, esperas ridículas, como as que ainda acontecem à porta da prisão onde se encontra José Sócrates, debates atrás de debates para se estar sempre a dizer o mesmo, entre outras coisas. Enfim, um trabalho jornalístico com pouca qualidade, que não tem como grande fim informar o essencial, mas fazer do leitor e do telespectador um voyeur que se entretém a ver banalidades.  

 Dignas da maior estupefação têm sido as palavras e o procedimento de alguns membros da classe política. Começa logo pela habitual manifestação de solidariedade. Ninguém sabe a vida toda de ninguém. Recomenda-se sempre, por isso, a prudência. Se a justiça reclama esclarecimentos e justificações, espera-se pelo apuramento da verdade. Depois, algumas figuras políticas condenaram a atuação da justiça, na minha ótica, um dos maiores ataques que já se fez à justiça depois do 25 de Abril, depreciando-se, inclusive, o estilo e o caráter do juiz. O que é que o juiz fez até agora que não deveria ter feito? Que se saiba, o juiz tem cumprido a lei, usando todos os recursos que a lei lhe dá, e não cometeu nenhuma ilegalidade. Se assim é, ninguém tem o direito de questionar a ação do juiz. Se só agora descobrimos que as leis estão mal feitas, pergunta-se então à classe política o que é que andou a fazer durante estes quarenta anos de democracia. Só agora, que a justiça está a chegar às suas fileiras, é que constataram que há muita coisa a mudar na justiça? O que é que têm a dizer aos muitos cidadãos que foram julgados por esta lei e por este sistema durante quarenta anos?  

Infelizmente, fica-se sempre com aquela sensação de que quando a justiça só toca nos pequenos e imprudentes deste mundo, tudo está bem, mas quando chega aos grandes e ao poder, alto lá que isto está tudo mal. Ela é para todos. Respeitá-la e deixá-la trabalhar, imune ao dinheiro e às influências, é o quanto é necessário para haver o mínimo de democracia.

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