24.12.14
Convidado a participar num congresso sobre astronomia em Espanha, numa entrevista ao jornal El Mundo, o astrofísico inglês Stephen Hawking surpreendeu ao proferir uma afirmação tonitruante: «No passado, antes de entendermos a ciência, era lógico acreditar que Deus criou o Universo. Agora a ciência oferece uma explicação mais convincente. O que quis dizer quando disse que conheceríamos ‘a mente de Deus’ (escreveu isso no livro “Breve História do Tempo) era que compreenderíamos tudo o que Deus seria capaz de compreender se por acaso existisse. Mas não há nenhum Deus. Sou ateu. A religião acredita em milagres, mas estes são incompatíveis com a ciência». A afirmação causou algum impacto no mundo científico, religioso e intelectual em geral, sendo objeto de comentários para todos os gostos, mas também rapidamente caiu no esquecimento. Penso que a sociedade começa a estar farta da gratuidade e da ligeireza com que se nega Deus, mesmo que essa negação venha de reputados cientistas. Deus está muito longe de ser um tema arrumado e descartável.
Stephen Hawking tem sido das mentes mais brilhantes da astrofísica e da cosmologia. A ele se devem algumas das descobertas mais importantes dos últimos anos, como os buracos negros, e outras investigações importantes para a ciência. E interpela-nos também, sobretudo, pela determinação e coragem como tem vivido há mais de 50 anos com a doença que lhe foi diagnosticada aos 21 anos, a esclerose lateral amiotrófica, doença neurodegenerativa, altamente incapacitante e letífera. É um herói para muitas pessoas e digno de toda a nossa admiração. Neste aspeto é consensual, mas quanto às suas afirmações não é consensual. A mim não me interessa só o texto, mas também o contexto. Para quem acompanha a ciência nos últimos anos, não vejo nada de novo e de estrondoso e provocante nas suas afirmações porque, de facto, não têm nenhuma novidade e, honestamente, não me parecem genuínas.
Porque é que o astrofísico teve necessidade de dizer afirmações tão radicais sobre a não existência de Deus? Quando publicou o livro «Breve História do Tempo» (1988), Hawking escreveu que um dia seria possível conhecermos a mente de Deus. Para uma grande parte do universo científico, esta afirmação gerou pasmo e foi encarada como uma heresia científica, porque o mais comum para um cientista é ser ateu ou agnóstico (nem todos o são, longe disso). Ora, naquela afirmação Hawking abria a porta à crença na existência de Deus. A ciência ateia ficou perplexa. De alguma forma, Hawking sentiu a necessidade de se retratar e de pacificar a sua relação com a sua ala científica, lançando um novo livro, denominado «O Grande Desígnio», editado em Setembro de 2010, onde procura dizer algo de novo, polémico de preferência, adotando uma postura mais rígida quanto à não existência de Deus. Para mim, a afirmação que fez em Espanha vem nesta onda: continuar a ter protagonismo no mundo científico e nos media, fazer marketing do seu livro e sanar alguma desconfiança e especulação sobre as suas convicções e crenças dentro da comunidade científica.
A verdade é que Hawking não nos dá nenhum argumento convincente para sustentar a sua teoria, parecendo-nos deambular pelo campo da suposição ou do fanatismo científico. Defende ultimamente que as leis da física fornecem a explicação para a origem do universo. Nada a contestar. O universo tem as suas leis físicas, que nos permitem compreender o seu funcionamento. Na sua opinião, devido às leis da física, como por exemplo a lei da gravidade, aconteceu o Big Bang, explosão que deu origem ao mundo, que fez com que tudo se criasse do nada. Acho tudo isto criticável e contestável. Como é que existia a lei da gravidade? Quem é que a pôs lá? Como é que tudo que não era nada passou a ser alguma coisa? Como é que se pode ser e não ser ao mesmo tempo? O que está para trás do Big Bang continua a ser um mistério, como nos lembra o professor catedrático da Universidade de Coimbra, Carlos Fiolhais: «O mundo existe, sobre isto não há dúvidas. Mas hoje sabemos que no início do Big Bang há uma transição da não-existência para a existência. Passa-se do nada para o ser. Como? Isto sempre foi uma questão filosófica. Ele diz que as modernas teorias da Física permitem o aparecimento do Universo. Mas a Física não pode falar sobre o que aconteceu antes do Big Bang. Não tem informação sobre isso. Não há experiência nenhuma, observação nenhuma. Aquilo foi um acontecimento de tal forma violento, com tanta energia, que apagou qualquer informação sobre o mundo atrás do nosso mundo».
Para Hawking, o mundo é um amontoado aleatório de moléculas, que, por acaso, o acaso juntou e colocou a funcionar na perfeição. É uma visão do mundo muito discutível. Na verdade, se eu for fiel à minha inteligência, na contemplação do mundo, eu reparo que se passa do nada ao ser pela intervenção de alguém. Noto que o mundo não é um caos, mas tem uma ordem e uma coordenação exímia, que lhe permitiu desenvolver-se e aperfeiçoar-se, há uma harmonia e uma interação, noto que tudo está feito com critério e com padrões de beleza, que nos deixam estarrecidos. E o ser humano? Como compreender uma obra tão bela e perfeita? Todo um conjunto de dados, de sinais, de «evidências», se quiserem, que me fazem perceber que por detrás de tudo que me é dado a contemplar há uma liberdade e uma inteligência organizadora e uma fonte do ser eterna que a tudo deu ser e sustenta esse mesmo ser. O fato que eu visto teve um alfaiate, o almoço que eu como teve um cozinheiro, o pão que eu saboreio teve um padeiro, o quadro que eu contemplo teve um pintor. O mundo que habito, belo e harmonioso, tem de ter um autor. Dizer-se que o mundo teve um acaso feliz é muito questionável.
Nos últimos anos, a ciência tem ganho protagonismo no debate das ideias e tem feito descobertas estupendas para o homem se compreender a si mesmo e ao meio que o rodeia. Tem tido um papel fundamental no progresso material e social. Devemos muito à ciência e não há a menor dúvida de que é um dos maiores bens que temos, apesar de arrastar também atrás de si algumas sombras e misérias. Mas, alguma parte dela, já está a cair num velho vício, com todos os laivos da petulância: chamar a si o estatuto de ser a dona da verdade. Seria bom lembrar que nem a física, nem qualquer outra ciência, ou pessoa ou instituição, conseguirá explicar tudo e compreender tudo. A ciência é limitada. Não consegue saber tudo. Não sabe a verdade toda. Sobre a existência de Deus, ninguém tem todas as provas e todas as certezas. Daí que se recomende sempre a prudência e a humildade. Como diz Carlos Fiolhais: «Não é através do telescópio, do microscópio, do acelerador de partículas, que se consegue chegar a Deus. É mesmo impossível. Não há nenhuma prova científica, e nunca vai haver, da existência de Deus». Mas isto não quer dizer que Deus não exista. Estamos é escolher o método e o caminho errado para lá chegar. Deus é uma questão de fé, mas uma fé assente na racionalidade e na contemplação dos sinais e das evidências de Deus no homem e na criação.
Enquanto uns vão dizendo que Deus é uma causa perdida e ultrapassada na história da humanidade, outros dizem que Ele vem aí e que é preciso esperá-lo com uma vida santa. De que lado estaremos: do acaso, que nos faz caminhar para o nada, ou do lado da sabedoria e do amor que tudo criou com beleza e para uma plenitude de vida no amor? Boas festas e feliz natal.