05.11.14
Alfred Nobel foi um químico sueco, do século dezanove, que inventou a dinamite, para facilitar a construção de obras públicas de grande utilidade para a sociedade. Mas rapidamente Nobel se apercebeu de que o seu invento também viria a ser causador de grandes atrocidades contra a humanidade, usada em conflitos e guerras. Possivelmente acossado por alguns remorsos, deixou grande parte da sua fortuna para ser distribuída por personalidades e instituições que contribuam para o bem e o desenvolvimento da humanidade. Assim nasceram os prémios nobel.
Este ano, o prémio nobel da paz foi atribuído a uma paquistanesa e a um indiano: Malala Yousufzai e Kailash Satyarthi, respectivamente. Dois países que têm vivido em grande tensão, com a agravante de serem duas potências nucleares. Mais uma vez fica claro que a atribuição deste prémio nobel tem sido feita de forma estratégica e cirúrgica e a pensar no futuro, como estímulo ao diálogo, à fraternidade e ao alívio de beligerâncias em muitas regiões do mundo.
Kailash Satyarthi tem feito um trabalho esplêndido na India, no combate à exploração infantil e ao trabalho infantil. Luta para que as crianças tenham direito à sua infância e à educação. Na India, é uma obra hercúlea. É considerado o líder mundial no combate ao trabalho infantil. Mas a pessoa e o percurso de vida que tenho acompanhado com alguma admiração e curiosidade é o de Malala, a pessoa mais jovem até agora a receber um prémio nobel, com 17 anos.
Malala tem revelado uma bravura e uma coragem impressionantes. Há já vários anos que no Paquistão, na sua tenra idade, tem sido uma voz defensora do acesso das crianças à educação e da igualdade entre homem e mulher, num país que tem sido assolado pela opressão e pelo extremismo perpetrado pelo movimento talibã. Em 2013, este movimento, que dominava a região onde Malala vivia, ordenou a instauração da Sharia, a lei islâmica, que, entre outras coisas, proíbe o acesso das mulheres à escola. Malala não se conformou. Decidiu continuar a ir à escola, sabendo que a todo o momento poderia ser barbaramente assassinada. Num certo dia, num período em que os talibãs já estavam a perder o domínio da região, num puro ato de maldade e vingança, dois soldados talibãs entram no autocarro escolar, dirigem-se ao lugar onde estava Malala com mais algumas colegas e desferem meia dúzia de tiros. Malala é atingida na cabeça e no pescoço, correndo perigo de vida. Ao fim de seis dias, uma equipa de médicos ingleses, que se encontrava no Paquistão, aconselhou a sua transferência para Inglaterra, onde ainda vive, para poder ter uma recuperação o mais perfeita possível. Chegou-se a temer que a jovem ficasse indelevelmente afetada na sua fala e na sua capacidade de raciocínio, mas não ficou. Está mais forte do que nunca e disposta a ser uma política ativa na defesa do direito das crianças à educação e uma intrépida combatente contra a repressão que é exercida sobre as mulheres em muitas partes do mundo.
Num deserto de grandes referências como é este em que vivemos, vale a pena dizer aos nossos jovens que, afinal, ainda existem pessoas exemplares e causas pelas quais vale a pena lutar, sem armas e sem violência, e que ainda há por muito por fazer para o bem e o progresso da humanidade, em vez de se andar a perder o tempo em futilidades e em diversão bacoca. A vida que nos foi dada não é para ser atrofiada no egoísmo e degradada nos seus prazeres, mas é para ser promovida e realizada no altruísmo e na dedicação aos outros, na construção de um mundo solidário e fraterno, onde todos possam viver com dignidade. Assim nos diz a jovem Malala: «Não interessa a cor da pele, a língua que falamos, a religião em que acreditamos, devemos considerar-nos todos seres humanos e devemos respeitar-nos e lutar pelos direitos das crianças, das mulheres e de todos os seres humanos”.
2.No caso do vírus do Ébola, o comportamento dos Estados Unidos da América e da Europa tem sido uma vergonha. Enquanto a doença não foi uma ameaça para americanos e europeus, pouco ou nada nos importou que morressem pessoas em África há vários anos. Agora que passou fronteiras, tocou a sirene e toca a mobilizar a ciência e a medicina para abater o vírus. E andamos todos os dias com os direitos humanos na boca. Os africanos não são pessoas?