24.10.14
Nas últimas décadas, verificaram-se mudanças significativas na sociedade em que vivemos, em todos os âmbitos. Um dos que levantou novos desafios e novas dificuldades foi, e continua a ser, a vivência e o tratamento a dar à velhice. Desde muito cedo se percebeu que nesta sociedade do ativismo, da produção e do lucro, da eficácia e do pragmatismo, da correria louca e do consumismo, do comodismo e do bem-estar, do economicismo e do utilitarismo, da idolatria da juventude e da inovação, os mais velhos seriam o elo mais fraco. Não se disse à boca cheia, mas em surdina lá se foi pensando e dizendo que são um «estorvo» ou um «peso», nesta sociedade que não pode «perder tempo» com quem já não tem força e já deu o que tinha a dar. Ó pobre sociedade! Tenho para mim que a grandeza de um povo ou de uma sociedade se vê no tratamento e na importância que dão aos idosos. Diz muito dos valores que imperam e da qualidade das conceções de vida que fazem a trama de um povo ou de uma sociedade. Diz muito, sobretudo, do nível de humanização e de civilização de um povo. Um idoso, mais do que um ser humano frágil e sem forças, é uma fonte de sabedoria e experiência e um museu vivo da memória, imprescindível para um povo se compreender a si mesmo e se projetar no futuro. Se desprezamos a experiência, a sabedoria e a memória, como é que podemos ter futuro? Os idosos são as pessoas mais importantes de uma sociedade, dignos de todo o respeito e reverência.
Um conjunto de fatores obrigaram a repensar a velhice. Destaco dois: o número reduzido de filhos na família e a qualificação educacional dos filhos. Há umas décadas atrás, muitas famílias viviam sobretudo da agricultura e da pecuária. Como estas exigiam mão-de-obra, os casais tinham muitos filhos, chegavam até aos dez ou doze, e até mais. Concluída a escola mínima, a lavoura era o destino da maioria dos filhos. Com o tempo, a vida ia proporcionando outras saídas e desafios. Aos poucos, os filhos abandonavam a casa paterna, mas ficava sempre um filho para cuidar dos pais e para organizar e cuidar da lavoura da casa. O pai e a mãe tinham a honra e a alegria de chegar ao fim da vida, com toda a dignidade e com todo o carinho, no seu lar, com tudo o que ele invoca e significa. Hoje, as famílias têm poucos filhos e, na sua esmagadora maioria, são filhos estudados, que têm cursos superiores. Os pais que deram qualificação aos seus filhos sabem que não lhes podem pedir que sacrifiquem o exercício dos seus cursos para se dedicarem exclusivamente ao cuidado dos seus pais, embora tenham sempre a obrigação de o fazer, mas terão de o fazer de outra maneira. A passagem de uma sociedade centrada na agricultura e na pecuária, com pouca instrução, para uma sociedade industrializada e qualificada, trouxe novas dificuldades e desafios, vantagens e desvantagens, e obrigou a repensar a vida familiar e social, rompendo-se com alguns hábitos e algumas soluções do passado, como não podia deixar de ser.
Ainda assim, convém lembrar o essencial: todo o filho e filha têm a obrigação e o dever de cuidar e de dar um fim de vida honrado e digno aos seus pais. E, de alguma forma, ainda sou conservador: se há a possibilidade de conciliar o trabalho com o cuidado dos pais, na sua própria casa, o seu lar, (há muitos filhos que ainda têm esta possibilidade) julgo que ainda é a solução ideal e mais condizente com a vontade e a natureza humana, já que todo o ser humano gosta de salvaguardar a sua privacidade e viver em contacto permanente com a sua família, com a sua obra e com a sua memória. Um dos males do mundo atual, como sabemos, é a separação das gerações. Não é geral, mas muitos avós são separados dos seus netos e o quanto é belo e vital o diálogo entre pais e filhos e netos e avós. E pior do que a falta de diálogo entre gerações é o abandono dos idosos por parte das famílias. Em alguns casos é mesmo vergonhoso e abominável. Todos os anos, antes das férias, não faltam notícias do abandono de idosos nas urgências, porque estorvam a comodidade e o bem-estar das famílias. Tudo isto não é senão consequência do individualismo e do egoísmo doentio que anda por aí nos corações das pessoas. Não sei como é que se tem coragem para cometer uma barbaridade destas! Como disse o Papa Francisco, no seu encontro com idosos e avós na praça de S. Pedro: «há também a realidade do abandono dos idosos: quantas vezes se descartam os idosos com atitudes de abandono que são uma verdadeira e própria eutanásia oculta! É o efeito da cultura do descarte que tanto mal faz ao nosso mundo. Descartam-se as crianças, descartam-se os jovens porque não têm trabalho e descartam-se os idosos sob o pretexto de manter um sistema económico «equilibrado», no centro do qual não está a pessoa humana, mas o dinheiro. Todos nós somos chamados a combater esta venenosa cultura do descarte!». E se algumas famílias não se «descartam» vergonhosamente dos seus idosos, mantém-nos no seio da família, mas, muitas vezes, arrumados a um canto da casa e continuamente submetidos a maus tratos. E quando digo maus tratos, não me refiro só à violência, mas à ausência da qualidade de vida que um ser humano merece.
Não esqueço, certamente, os bons exemplos e as boas práticas. Muitas famílias estimam os seus idosos e tratam-nos de uma forma excecional. É este o caminho que todas devem seguir. Também não podemos esquecer aquelas famílias que, de facto, não podem cuidar diariamente dos seus idosos, quer pela necessidade e pela mobilidade, quer pelas exigências de muitas doenças próprias da velhice. Para colmatar estas necessidades, criaram-se os lares, que têm toda a razão de existir. Em tempos, diabolizaram-se os lares, considerados casas de «exílio» e «depósitos» de idosos, albergues para melancolicamente se esperar a chegada da morte, deitado ao desprezo e ao esquecimento. Possivelmente, foram muitos profissionais do setor e muitas famílias que assim o deram a entender. Mas, olhando-se à organização e às exigências da atividade atualmente, aquela convicção não corresponde à verdade. Não tenho a mínima dúvida de que os lares fazem falta e são as casas mais bem preparadas para responder às mudanças socias e às necessidades da velhice, em interação com as famílias. Assim é a minha convicção, que aceitei colaborar num projeto destes. Se Deus quiser, antes do final deste ano, entrará em funcionamento um lar, na paróquia de Sarraquinhos, erigido pela Associação Fonte Fria, fundada em 2011, por 39 sócios, empreendimento levado a cabo sem qualquer comparticipação do Estado e que tem tido como mentoras a senhora Ana Maria Cova Lage Torrão, de Sarraquinhos, e a senhora Maria Aurora Ferreira do Fundo, dos Pisões. Terá capacidade mínima para 37 utentes e será mais um equipamento gerador de emprego para a Freguesia e para o Concelho.
Concluo com palavras fortes do Papa Francisco, que todos os lares devem ter em conta: «nem sempre o idoso, o avô, a avó, tem uma família que o possa acolher. E então são bem-vindas as casas para os idosos... contanto que sejam verdadeiramente casas, e não prisões! E sejam para os idosos, não para servir os interesses de outra pessoa qualquer! Não deve haver instituições onde os idosos vivam esquecidos, como que escondidos, negligenciados. Sinto-me solidário com os inúmeros idosos que vivem nestas instituições e penso, com gratidão, a quantos os vão visitar e cuidam deles. As casas para idosos deveriam ser «pulmões» de humanidade num país, num bairro, numa paróquia; deveriam ser «santuários» de humanidade, onde quem for velho e frágil seja curado e defendido como um irmão ou uma irmã mais velha.»