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minhas notas

19.09.14

Habitualmente, nas suas intervenções, homilias e discursos oficiais, os papas, que a Igreja Católica tem tido, falam para o mundo e para a sociedade. Para dentro da Igreja, têm falado mais com o recurso a documentos de vária ordem, para esclarecimento de dúvidas doutrinais, ensino moral e espiritualidade cristã, melhoramento da celebração da liturgia, dinâmica e organização da vida da igreja, destacamento de linhas de pastoral, correção de excessos e desvios. O Papa Francisco também tem surpreendido porque, na minha opinião, fala mais para dentro da Igreja do que para fora. Se temos vindo a prestar atenção às suas audiências, homilias, visitas e viagens apostólicas, já se percebeu facilmente que uma das suas cruzadas é provocar e despertar a conversão e a reflexão nos muitos cristãos instalados e até «falsos cristãos» que existem dentro da Igreja e combater vários vícios que se intrometeram na hierarquia, na pastoral, na espiritualidade e na vida da Igreja, num retorno ao essencial e a uma maior fidelidade a Jesus Cristo e ao Evangelho. Já todos apanharam por tabela: cúria romana, cardeais, bispos, padres, religiosos, leigos e movimentos e instituições da Igreja. Está a ser um Papa desinquietante, perturbador, agitador, no bom sentido das palavras, das águas turvas e inertes em que a Igreja facilmente se acomoda e da sonolência em que caem os cristãos, numa vivência rotineira e morna da sua fé e da sua missão.

Na sua viagem apostólica à Coreia do Sul, onde o cristianismo está a crescer, no seu encontro com os bispos asiáticos, alertou, mais uma vez, para o perigo de o «espírito do mundo» (a maneira do mundo viver e entender a vida) se instalar na vida da Igreja e dos cristãos. Estes vivem no mundo e, por isso, convivem e experimentam a tentação de pensar e viver a vida como o mundo, ou se quisermos, como a sociedade em geral pensa e vive. Mas um cristão não pode pensar e viver como vive a maioria ou a sociedade em geral, porque se tornou cristão, ou seja, aderiu a Jesus Cristo e à sua palavra, adquirindo uma nova mentalidade e uma outra forma de estar na vida, em união com a Igreja. Para trás ficou o espírito do mundo e começou-se a viver uma vida nova de acordo com o espírito do Evangelho, o espírito de Jesus Cristo. Mas o espírito do mundo demora a vencer e poucos cristãos se empenham por vencê-lo dentro de si mesmos e na sua vida. Não faltam cristãos que só o são de nome, porque no dia-a-dia da sua vida e nas suas opções e decisões regem-se pelos critérios, valores e princípios que imperam na sociedade. São cristãos ocos, ou como diz o Papa, cristãos mundanos, cristãos de vinho aguado, que nem são vinho nem são água, cristãos sem consistência, cristãos que de verdade não cristãos.

Na mensagem que dirigiu aos bispos, o Papa Francisco apontou três manifestações deste espírito do mundo, que anda na vida da Igreja e dos cristãos e que é preciso sempre vencer, porque é contrário à identidade cristã: o deslumbramento enganador do relativismo, a superficialidade e a segurança de se esconder atrás de respostas fáceis, frases feitas, leis e regulamentos. Qual é o cristão que não sentirá umas mordidelas destas manifestações do sorrateiro e sedutor espírito do mundo? Quanto ao relativismo, hoje tudo se relativiza, num pragmatismo manhoso. Ao sabor do «depende» e do «mas», tudo é bom e tudo é mau, tudo é verdade e tudo é mentira, negando-se a existência de qualquer verdade absoluta ou de qualquer certeza. O que conta é viver ao sabor do que apetece no imediato e do que mais convém, sem obediência a valores e sem exigência ética. Quem se diz discípulo de Cristo, não pode viver assim. Tem uma referência: Cristo e o Evangelho. Quanto à superficialidade, facilmente a constatamos e experimentamos. «Tendência em entreter-se com coisas da moda, quinquilharias e distrações em vez de nos dedicarmos ao que realmente conta». Quantas horas não se perdem inutilmente na anestesia da eletrónica e na evasão de ações e atividades que não trazem nada à vida pessoal e à vida dos outros! Quem de nós já não chegou ao fim de um dia e sentiu que o dia se perdeu na resposta e no entretenimento de futilidades? Um cristão não tem tempo a perder: há um Evangelho para anunciar, um reino para construir e muito a fazer pelos outros, que querem vida em abundância. Quanto ao esconder-se atrás de leis e regulamentos, convém lembrar que Jesus, sem as negar, relativizou leis e regras e centrou a sua vida no amor e no serviço a Deus e aos outros. Ser cristão é viver uma relação viva com Jesus Cristo e em Cristo com os outros, e não cumprir um código de deveres, leis e regras. Há uma lei que preside e une as outras todas: o amor. O que conta é o testemunho ativo e sempre renovado de Jesus Cristo e não ser cumpridor de regulamentos e prescrições. Um cristão, sem desrespeitar normas e leis, terá de arranjar sempre formas criativas de ir para além delas, para que o outro seja sempre amado. Jesus, ao despedir-se dos seus apóstolos, disse-lhes: «eu venci o mundo». Cada cristão tem de continuar esta luta.

04.09.14

De vez em quando, no contacto e na conversa com muitos cristãos da nossa Diocese e até de outras Dioceses, quando vem para o centro da cavaqueira a participação na Eucaristia dominical e o empenho dos cristãos locais nas ações e nas atividades da paróquia, alguém diz sempre: «Sabe, o nosso padre não cativa, não chama», ou então «o nosso padre está velho e cansado». São piedosas desculpas que nós padres estamos fartos de ouvir, que não justificam nada. As pessoas habituaram-se a dizê-las irrefletidamente, não se apercebendo que, ao proferi-las, estão a falar mais delas do que dos seus párocos. Temos uma multidão de cristãos que, apesar de ter feito todo o percurso catequético e de cumprir toda uma tradição que lhe é dada a beber pela família ou pelo meio ambiente, por dentro não se converteu a Cristo e ao Evangelho, nem se sente parte ativa e integrante da Igreja. O coração permanece pagão. E quando não há «conversão» e verdadeira adesão a Cristo e à Igreja, depois passa-se o tempo todo a inventar desculpas para não se viver o que não se quer viver e o que de verdade não se quer assumir. Tem de haver sempre um «alguém» que é o culpado por aquilo que eu dissimulo que desejaria fazer e viver, mas não faço nem vivo, que esconda a minha incoerência, o meu comodismo, o meu egoísmo, o meu desinteresse e a minha apatia. 

Não ignoro que os padres não são todos iguais e que nem todos têm o mesmo brio pastoral. Os temperamentos, os caracteres, as formas de estar, as qualidades, o zelo e o empenho pastoral variam de padre para padre. Ainda assim, cada um é como é, possivelmente empenhado em aprofundar as suas virtudes e em corrigir os seus defeitos, e tem o direito de ser como gosta de ser e ninguém tem de ser igual a ninguém. O ser padre e o poder ser padre obedece a um conjunto de traços espirituais, humanos e sociais, que a Igreja identifica como vocação, mas esta é vivida na unicidade, na especificidade e na fragilidade de cada pessoa. Os padres, ou quem quer que seja, não são formatados e não são feitos em série. Aceito, até certo ponto, que a intervenção e a ação de um padre também é determinante na vida e na construção de uma comunidade cristã. Mas não é decisiva, nem o pode ser. Um cristão ou uma comunidade que assim o pense ainda não cresceu e vive na menoridade cristã e se um padre age atraindo para si todo o protagonismo, abusa do seu ministério e não ajuda a sua comunidade a crescer e a caminhar. Quanto à afirmação de que o «padre está velho e cansado», o que é que se pode dizer? Então os padres não envelhecem e não se cansam como as outras pessoas? O tempo faz-nos perder energia, mas dá-nos sabedoria e maturidade. A Igreja não pode viver só de padres novos. O equilíbrio e a troca de experiência entre gerações é fundamental. Muito bom cristão peca muito quanto ao respeito para com os padres mais velhos, que são uma riqueza na Igreja. Os padres que mais me têm influenciado e marcado são padres mais velhos.  

Um cristão esclarecido, bem formado e maduro, sabe que a vivência da sua fé e o seu compromisso com Jesus Cristo e com a Igreja não está dependente da desenvoltura e da habilidade do seu pároco ou da sua capacidade de estratégia e da sua performance e sedução comunicacional e celebrativa, já que sabe sempre que diante de si terá sempre um homem com qualidades e limitações. Vai-se à missa e participa-se ativamente na vida da Igreja porque se tem fé e se quer celebrar e fortalecer essa fé e viver em partilha e comunhão com todos os crentes em Jesus Cristo. Se alguém aceitou ser cristão foi porque Jesus Cristo, com quem se vive em relação, o Evangelho e a vida da Igreja o seduziram e cativaram. É em Jesus Cristo que temos de nos centrar e não no padre, que pobremente o representa. Cristo é que cativa. O ser cristão e viver como cristão não é uma questão de padres, mas é um compromisso e uma opção decidida e assumida livremente por Jesus Cristo e pela Igreja. O problema de fundo, que leva muitos cristãos a dizerem «o padre não cativa», é a falta de convicção e de maturidade cristã. A fé não chegou ao coração. Temos muitos cristãos que não têm convicções, não disfarçando que vão à Igreja por conveniência ou arrastamento. Infantilmente, confundem a fé e a religião com o padre, estando sempre à espera que venha o padre das novidades ou o padre porreiro para entreter e conviver, mas que não proponha a exigência, a conversão e a coerência. É o padre que não cativa ou sou eu que, afinal, ainda não estou nem nunca estive cativado por Cristo e pela Igreja?

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