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minhas notas

26.08.13

Nos mais variados ambientes de reflexão, de estudo e de partilha de ideias, já está lançado o debate: a Europa está a regressar ao paganismo. Nas últimas décadas, no continente europeu, operou-se uma mutação cultural, social e religiosa, em velocidade acelerada, e não para melhor. Um artigo sobre a palestra Isaiah Berlin, que se realiza todos os anos na Universidade de Oxford, em Inglaterra, fixou a minha atenção. Todos os anos um grande pensador mundial é convidado a fazer uma conferência sobre a atualidade. Em 2009, o convidado foi o Rabi Adin Steinsaltz, um rabino muito respeitado dentro e fora do mundo judaico. Sem que ninguém o esperasse, fulminou a assembleia: «vivemos hoje num mundo ocidental que está esvaziado do cristianismo e do judeo-cristianismo. E este vazio está agora a ser preenchido por outra coisa, e  essa outra coisa é o paganismo» e «a cultura em que vivemos hoje é uma cultura pagã que não é muito diferente da que prevalecia no mundo há cerca de 2500 anos». Estas afirmações geraram de imediato assombro e estupefação, mas o que é certo é que têm conquistado a concordância de um número cada vez mais alargado de estudiosos e de intelectuais.

Dentro dos vários sentidos de paganismo, aqui quero sublinhar o paganismo enquanto estado do homem na sua rudez, com mentalidade puramente terrena, que não pensa para além da natureza, no seu mais baixo estado de humanização, entregue aos seus sentimentos primários e aos seus apetites, às suas crenças e medos, o homem sem Deus. O paganismo nunca foi totalmente eliminado pelo cristianismo. Persistiu em mentalidades, ideias, pensamentos, ritos e práticas que perduraram e perduram ao longo dos tempos. Ainda assim, o Cristianismo ou se quisermos, o judeo-cristianismo, sem esquecermos a vertente grega e romana, impôs-se na cultura europeia, tornando-se a sua matriz durante mais de dois mil anos. É por todos reconhecido que o predomínio do judeo-cristianismo na cultura europeia significou um progresso e um passo importantíssimo no crescimento e na evolução da consciência humana e da humanidade. Nenhuma outra matriz cultural revelou os níveis de elevação e de humanização que o judeo-cristianismo revelou, apesar de algumas falhas de quem o procurou viver. Regressar de novo ao paganismo será um retrocesso tremendo e violento, e como é triste ver a Europa a retomar um caminho que parecia definitivamente deitado ao esquecimento e jamais retomável por qualquer cultura humana.

O rabi Adin Steinsaltz não tem dúvidas: os deuses pagãos da época pré-cristã dominam a sociedade, mascarados com novos nomes, novas imagens, novos templos, com adoradores em todo o lado. O primeiro desses deuses é Baal, o deus do poder e do dinheiro. Mandar e dominar e ser rico continua a ser o ideal da maioria das pessoas e das empresas, em sacrifício de muitas «vítimas», que parece que não nasceram para ter dignidade e realização humanas, exploradas e espezinhadas a toda a hora. Os seus templos são as instituições financeiras e os seus sacerdotes são os executivos e os gestores. O segundo deus pagão que prevalece na cultura atual é o deus ou a deusa da fertilidade e do sexo, ou se quisermos, do prazer, Astarte. Venha donde vier, mesmo em prejuízo de princípios e valores, o prazer tornou-se o critério decisivo da atividade e da conduta humana, tornou-se um íman escravizante, moldando comportamentos e atitudes, pouco importando as muitas vítimas que arrasta atrás de si, obrigadas a descer a níveis de desumanização inconcebíveis. Quanto aos seus templos, nem os nomeio. O terceiro deus pagão que impera na sociedade europeia contemporânea é uma musa promovida a deusa: Calliope, a deusa da fama. Ser conhecido, admirado, falado, considerado, andar nas bocas do mundo, por puro orgulho e vaidade, com exibicionismo quanto baste, é o sonho e a aspiração da vida de muitas pessoas, a conceção de que quanta mais visibilidade se tem, mais valor se tem. Na senda de Descartes, sou conhecido, logo existo, pouco importando a verdade e a consistência do que verdadeiramente se é e se faz, não se percebendo que se pode viver muito bem sem isso e que é cansativo e chato viver para os outros, e que quando se escolhe este caminho acabar-se-á por se encontrar a falsidade, a ilusão, a desilusão, o vazio, o fracasso, a imposturice e a frivolidade. Com esta deusa, nasceram as denominadas celebridades, nas palavras do Rabi, «um ninguém muito conhecido», mas que ninguém conhece muito bem o que faz e porque merece ser célebre. Não faltam por aí as suas vítimas, com vidas de fachada, sem substância e sem alma. O seu templo é a televisão.

Algumas franjas da sociedade europeia exultam por ver o cristianismo a perder influência na Europa. Que motivações e interesses escondem ficaremos a saber um dia. Outros pouco ou nada se importarão. Seria bom repensar o valor inestimável da fé cristã e que a Europa não marginalizasse o sistema de valores judaico-cristãos que estão na sua génese, que tão bons frutos deu. As conquistas do judeo-cristianismo falam por si. Foi graças ao judeo-cristianismo que nasceu o conceito de pessoa e da sua dignidade, a consciência e o respeito pelos direitos humanos, o conceito de liberdade e de responsabilidade, o conceito de pecado e de misericórdia, a tolerância, a justiça e a solidariedade, a democracia política, a conceção de um regime em que o governo é limitado por uma lei, a valorização da empresa livre e da economia de mercado, a ecologia, entre outros. O que é a Europa sem isto? O cristianismo trouxe valorização do ser humano e humanização ao mundo, trouxe qualidade moral e espiritual à humanidade, que até hoje parece insuperável, trouxe convivência e comunhão entre povos e culturas, como ninguém tinha feito. Com o cristianismo o homem tornou-se mesmo homem, concriador e promotor de relações humanas livres e sólidas. Será muito mau trocarmos tudo isto por um conjunto de valores ou por falsos deuses, que são muito brilhantes e sedutores, mas que nos desumanizam e são ocos e escravizantes, sem vida para nos dar.

26.08.13

Nós, barrosões, temos orgulho na nossa cultura e na nossa memória, com todo o seu património humano e social, assim como outras regiões e culturas o têm. Somos conhecidos pela nossa verticalidade e honestidade, pelo nosso carácter, pela nossa rigidez de valores e de princípios, capacidade de sacrifício e de trabalho, numa terra agreste e escabrosa, mas fértil e de grande beleza natural, pela nossa hospitalidade, simplicidade e bonomia. Esta matriz está-nos na alma, e bem. Temos muitos dos traços e das virtudes que ficam bem a todo o ser humano e a todas as culturas. Se alguém não nos leva a sério e nos desprestigia, não somos de falinhas mansas, dentro dos seus limites, ou de silêncios encolhidos, e sabemos unir-nos, com brio e determinação, em defesa do nosso carácter e da nossa cultura. Mas, infelizmente, é pena que esta mesma determinação e raça que temos em enfrentar as ameaças e os descréditos que vêm de fora, não a tenhamos em muitas das ações e atividades que realizamos entre nós, optando-se pela prudência calculista, a indolência, a indiferença, o desinteresse, o comodismo, a desculpabilização saloia, a maledicência e o bota-abaixo fácil que se vende ao desbarato nas tascas e nos cafés. 

Desde há uns anos para cá, noto grande desinteresse, indiferença e falta de união na organização da festa do Senhor da Piedade, na Vila de Montalegre (o que diz muito da nossa coesão e sentido de comunidade), excetuando uma minoria de pessoas, que exultam com a festa e se empenham por organizá-la o melhor que podem, dentro das possibilidades reais, em sacrifício de muito do seu tempo, a quem estou extremamente grato como barrosão e como pároco. Todos os anos informo que a comissão atual já acusa algum cansaço, como é natural, e lanço o apelo para a renovação da comissão da festa com pessoas mais jovens, mas nem uma pessoa se dispõe a aceitar o apelo. Lá tem que a velha comissão ir buscar mais um pouco de forças e testar mais um pouco a sua paciência para se realizar a festa. Onde é que anda a gente forte cá do Norte?

O comércio e a indústria da Vila de Montalegre dão uma contribuição miserável, excetuando-se poucos casos. A desculpa mais habitual é a de que a festa se realiza fora da Vila. Mas então não conseguimos pensar para além dos nossos interesses? Não somos todos habitantes de Montalegre? A festa não é de todos? Outros habitantes da Vila recebem a comissão com sarcasmo e má vontade, quando não com insultos, algo que ninguém tem o direito de fazer, e dão sempre a desculpa de que «a Câmara é que paga a festa». Não, meus senhores. A Câmara Municipal, porque são festas concelhias, paga a sua parte, e a paróquia de Montalegre paga a sua, a parte religiosa da festa, nomeadamente a missa, a procissão, o fogo da procissão e as bandas de música. É para estas despesas que se faz um peditório na Vila de Montalegre e montalegrense que se preze devia ter sempre todo o gosto em receber a comissão e dar a sua oferta. Nas outras paróquias que sirvo, vejo muitas festas a serem organizadas com empenho e com a contribuição de todos, sem se querer viver à sombra de ninguém.

A própria estrutura da festa deve começar a ser repensada quanto à sua forma, quer pela carestia de interesse e de vontade, quer pela carência de meios humanos e materiais. Na hora de sair a procissão faltam sempre pessoas para os andores e o que ainda vale são os cumpridores de promessas, os emigrantes e pessoas de fora, porque pessoas residentes na Vila são muito poucas as que se dispõem a dar o ombro a um andor. Onde é que andam os homens valentes de Montalegre? A procissão tem um percurso exagerado. Com que disposição se chega ao santuário para celebrar a missa, depois de hora e meia de procissão? A procissão parece mais uma prova de resistência do que uma procissão. Começa a ganhar consistência a realização da procissão no santuário do Senhor da Piedade. A Igreja recomenda que as procissões não sejam longas e cansativas. Eu sei que os tradicionalistas dirão que o que sempre se fez é o que sempre se deve fazer. Mas gostaria de lhes lembrar que na Igreja existe a memória e a tradição, mas não deve existir o tradicionalismo, porque este é repetição rotineira, mecânica, fixa e exterior das coisas, sem abertura à novidade e à renovação, e muitas vezes executada sem o espírito e o sentido das coisas. O que conta na realização de uma procissão cristã é o que ela testemunha e manifesta e não o seu percurso. Mas o mais interessante em muitos tradicionalistas é ver que nunca pegam num andor ou numa bandeira, vão de carro para o santuário do Senhor da Piedade e participam na missa debaixo de uma sombra, no exterior da Igreja, em amena cavaqueira. Viva a tradição!

Não só por sermos barrosões, mas sobretudo porque somos católicos, devíamos ter outro ardor e outra dedicação na organização da nossa festa, que neste momento não temos. Diz muito também de como anda a fé e o brio de muitos católicos e do sentido de fraternidade e de comunhão que temos, isto não esquecendo o bom número de contribuintes e de benfeitores que ela tem, na Vila de Montalegre, nas pessoas de Montalegre que vivem noutras terras e nos emigrantes, que com alguma comoção e alegria, vivem e recordam sempre a festa da sua terra.

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