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minhas notas

21.07.12

De Junho a Setembro, realizam-se por este Portugal abaixo e, muito possivelmente, por todo o mundo, muitas festas religiosas em honra de Nossa Senhora e dos santos e de comemoração de algum acontecimento da vida de Jesus Cristo. No nosso Barroso, as nossas vilas e aldeias não fogem à regra. Em muitas delas, não posso deixar de sentir espanto e tristeza, porque as nossas festas começam a ser pouco cristãs, ou melhor, não reflectem o verdadeiro espírito cristão. É necessário corrigir urgentemente alguns abusos e atropelos que por aí andam. As festas fazem falta à vida. Devem ser promovidas e enriquecidas. Mas há que as celebrar como deve ser. Escusado será dizer que não falo de nenhuma em particular.

Qual a razão de ser das festas? São realizações que visam louvar a Deus e honrar os santos padroeiros das Paróquias (de quem há uma grande ignorância, basta lembrar que o ser casamenteiro é a parte menos interessante da vida de S. António) ou que têm um carinho especial do povo de Deus numa determinada paróquia, são acontecimentos que têm por objectivo fortalecer e celebrar a fé, com a maior solenidade possível, e estreitar a comunhão e os laços de fraternidade dos crentes em Deus e até com os não crentes. As festas são louvor, adesão a Deus, celebração alegre da fé, acção de graças, intercessão, encontro, partilha, comunhão, meditação da vida daqueles que nos apontam caminhos de humanidade e de santidade. Mesmo quando são organizadas em honra de um santo, é sempre a Cristo, centro da fé cristã, e por Cristo ao Pai, que se quer chegar, não nos aconteça fixarmo-nos nas criaturas e esquecermos o Criador ou falarmos dos santos e esquecermos o Santo por excelência, Jesus Cristo. Convinha nunca nos desviarmos destes motivos centrais das festas. Anda por aí disseminada a «mentalidade festeira», que tem como fim fazer a festa pela festa, simplesmente para quebrar a rotina e esquecer, segundo dizem, as agruras e os problemas da vida e ter um dia ou dois bem comido e bem bebido na companhia da família e dos amigos. A razão de ser das festas cristãs não é esta. Por estes motivos, posso fazer festa todo o ano e se são estes os motivos que presidem às nossas festas, então não passam de folclore e pândega, como parece que são muitas das nossas festas. Mas as festas cristãs não podem ser folclore e pândega. 

De salientar, antes de mais, que, em qualquer lugar onde se celebre uma festa cristã, é sempre toda a comunidade cristã, a Igreja, que está a celebrar e é sempre a fé cristã de todos os cristãos que está a ser cantada, seja numa aldeia, numa vila ou numa cidade. A festa não é só daqueles que lá moram. É sempre a Igreja, com a sua fé, que está implicada, a ser vivida e testemunhada. As grandes festas, por norma, revestem-se de missa solene e procissão, a chamada parte religiosa, seguida de actividades culturais pela tarde e de arraial pela noite dentro, a chamada parte profana da festa, ou seja, a parte que não se reveste de carácter sagrado, com espírito mais de festança, promotora de divertimento mais libertino. Noutros tempos, as festas tinham só a parte religiosa e em algumas paróquias ainda é assim. Só mais tarde é que se começou a unir o sagrado com o profano, termos que não gosto de usar, porque no Cristianismo não há o sagrado e o profano, mas sim o santo e o não santo. Aqueles termos são de origem pagã. Em qualquer festa que se denomine cristã, como são quase todas as nossas festas, a parte mais importante é a parte religiosa e dentro desta a Missa é o ponto alto – as procissões não são o momento mais importante da festa. Quantas vezes se fica com a sensação de que se quer despachar a Missa, que é um sacramento, para se realizar a procissão, e como é incompreensível, até quase escandaloso, ver cristãos a participar na procissão e a não participar na Missa  - que deve ser preparada com todo o esmero e com toda a dignidade, com grande presença e participação de toda a comunidade cristã, e a parte profana deve ser preparada e organizada «também» com espírito cristão. As duas partes não são independentes e um mesmo conjunto de valores e princípios deve reger a sua realização. Uma não é para Deus e outra para o diabo, como parece que acontece em muitas festas ditas cristãs.   

Actualmente, em muitas festas, a parte profana está a sobrepor-se à parte religiosa. As comissões de festas – e o quanto se terá a dizer sobre elas - têm como primeira preocupação assegurar o arraial e o não sei quê de actividades, e o quanto se fatigam para as assegurar, com que motivações só Deus sabe, e então, lá muito para o fim da lista, lá se vão lembrando da Missa e da procissão, que, pura e simplesmente, interessa cumprir. Reparem bem nisto: interessa cumprir. As partes religiosas das nossas festas são, esmagadoramente, mera rotina. Fazer porque sempre se fez e pronto e tem que ser sempre como sempre se fez, senão a festa não é festa (santos e santas, rogai por nós!). Não é notória, muitas vezes, a vontade firme de cantar e celebrar a fé e de a manifestar com brio e encanto ao mundo que nos rodeia. No fim persiste sempre a interrogação: temos fé para fazer festas ou andamos a fazer festas para ter fé? É preciso recentrar as festas na parte religiosa e combater a demissão inexplicável de muitos cristãos quanto à sua realização. A parte religiosa não pode ser apenas um pretexto, como parece que é muitas vezes, para o regalório, o divertimento e o regabofe. E está na hora de cristianizarmos a parte profana da festa: terá sentido uma festa cristã que promove a embriaguez, que é o estado em que muitos ficam ou lá perto, e contratar grupos musicais que passam a maior parte do arraial a cantar músicas brejeiras e prenhes de ordinarice? Alguns dirão que é excesso de puritanismo da minha parte. Mas eu acho que não. Nós, cristãos, temos de fazer a diferença nestas coisas. Ter a coragem de dizer que não vale tudo. As festas, se são cristãs, querem-se santas, isto é, dignas de Deus e do que Deus é. É devido à indiferença de muitos cristãos que as nossas festas se vão abandalhando. Além do mais, seria um contributo que daríamos à cultura portuguesa, obrigando os grupos musicais a terem outro nível e outra mensagem mais dignificante.

E como se isto ainda não fosse suficiente para o nosso pasmo, há a acrescentar a girândola de critérios mundanos que pululam por aí na organização das festas cristãs: competição entre comissões de festas, rivalidades e invejas, exibicionismo e vaidade, aventureirismo e esbanjamento de dinheiro em bens e recursos de duvidoso valor e utilidade (não se deveria esquecer as prioridades da Igreja, nomeadamente a partilha com os pobres), promoção do negócio pelo negócio, focalização excessiva no dinheiro, preocupação em causar estrondo para se fazer ver não sei a quem, entre outros. O que é que isto tem de cristão? As festas cristãs são para fomentar o encontro e união entre os cristãos e para estes mostrarem o que têm de melhor, testemunhando condignamente a sua fé. É inadmissível que, nas festas cristãs, os cristãos manifestem uma ideia distorcida de Igreja e dos valores que defendem.

A finalizar, como padre da Igreja que sou, e como estamos no coração do verão, período forte das festas, deixo-vos algumas recomendações sobre as procissões: estas são manifestações públicas da fé, logo não são para ser vistas, mas participadas, sem excessos nem exibicionismos. Em muitas paróquias organizam-se procissões com o fim de encantar os espectadores. Não faz o mínimo sentido e não tem nada de cristão. Um princípio deve nortear as procissões: dignidade, na simplicidade, com o fim único de expressar a fé; evitar, dentro do possível, a exposição de dinheiro nos andores; evitar o uso nos andores de imagens de grande valor; evitar itinerários demasiado cansativos; cultivar a piedade e o silêncio durante a procissão. Esta não é um cortejo, onde se pode falar e fazer tudo e mais alguma coisa. É uma expressão pública da fé da Igreja, onde também se está a louvar a Deus e a testemunhar a fé.

É preciso renovar e reformular as festas cristãs, isto sem esquecer, certamente, as muitas festas que são celebradas com dignidade e com verdadeira devoção cristã. Mas, com um bom número delas, isso não acontece. Há que introduzir mudanças, quanto mais não seja por amor a Jesus Cristo e à Igreja.

02.07.12

Estamos a viver a euforia tecnológica. Temos hoje uma parafernália de objetos eletrónicos sofisticados que nos possibilitam uma capacidade de trabalho e um entretenimento que nenhuma geração teve, desde os telemóveis, os computadores, os ifones, ipods, ipads, mp3s, mp4s, televisores, câmaras de vídeo, máquinas fotográficas, entre outros. O que antes nos fazia perder uma fiada de horas, hoje faz-se rapidamente com meia dúzia de cliques e de forma tão apelativa e mágica, que poucos lhe conseguem resistir. A facilidade e o resultado são surpreendentes. Comunicamos a toda a hora, despachamos em segundos, ultrapassamos problemas em minutos, solucionamos num estalar de dedos, preenchemos tempos mortos, podemos divertir-nos a toda a hora. Ganhámos tempo? Pelos vistos não. Todos nos queixamos que o tempo é pouco e não dá para tudo. Todos julgávamos que, fazendo-se tudo mais depressa, nos iria sobrar tempo para o lazer, a família e os amigos. Mas, afinal, também a nossa vida acelerou. Se antes fazíamos uma coisa de cada vez, hoje fazemos muitas coisas ao mesmo tempo, porque sabemos que temos ferramentas para o fazer. São tantas as solicitações e as necessidades ao mesmo tempo, que não sobra tempo. Estaremos feitos para aguentar esta vertigem incontrolável? Não sabemos. Daqui a uns anos saberemos.

 

É maravilhoso que todo este arsenal tecnológico esteja ao nosso dispor. Mas a nossa relação com ele deve ser seriamente pensada. Já se começam a notar níveis de dependência e escravidão altamente preocupantes. Quem já não viu pessoas a mandarem mensagens de telemóvel freneticamente, de minuto a minuto? Quem já não sentiu que muitas pessoas passam horas e horas em frente de uma televisão? Quem já não reparou que a maior parte do tempo que os filhos passam em casa é a jogar jogos de computador, em prejuízo da relação com os pais e com os irmãos ou até de outras atividades bem mais importantes? Quem já não notou que há pessoas que precisam de estar a falar com alguém a todo o momento, nem seja a ligar ao filho ou à filha a ver se está tudo bem ou a discutir assuntos banais com amigos? Quem já não pressentiu que muita gente recorre ao entretenimento da tecnologia para ir tapando o vazio da vida e ir passando uma vida sem sentido?

 

Há duas consequências óbvias deste big bang tecnológico que explodiu nos últimos anos: cresceu o individualismo e a alienação da sociedade. Não há muito tempo, a rua era o centro da convivência, da brincadeira e da estroinice. Para se fazer o quer que fosse, as pessoas tinham de se descolar às instituições e às repartições, frequentar a praça pública, pelo meio aconteciam encontros e reencontros, partilhas e entreajudas. Hoje, podemos fazer quase tudo isto de nossa casa, através de um computador ou de um telemóvel. Vive-se mais em casa e grande parte do tempo livre é investido nos interesses e apetites de cada um. Reparemos como educamos as crianças e os jovens: muitas e muitos deles crescem no cantinho do seu quarto, rodeados de coisas e mais coisas, de aparelhos e mais aparelhos, dando-se-lhe a entender que o importante é ele e só ele e o seu bem-estar, o mais hedonista possível. O pai e a mãe limitam-se a indagar quando é que o menino quer comer. As relações humanas estão mais frágeis e efémeras. A convivência é mais residual e mais interesseira e menos interessada. Mas não tenhamos dúvidas de que o individualismo nos torna mais pobres, ou seja, menos humanos, e possibilita a nossa deterioração como pessoas humanas. A médio prazo é fonte de problemas psicológicos, humanos, sociais e espirituais.

 

Preocupante no mesmo grau ou ainda mais, é o segundo efeito do boom tecnológico que nos invadiu nos últimos tempos: a alienação das pessoas. Quando falamos de alienação, de que estamos a falar? Estamos a querer dizer que as pessoas são levadas a viver uma vida fora da verdadeira vida que deveriam viver e para a qual estão estruturadas como pessoas, vivem uma vida alheada, assim levadas ou de «fuga» à vida humana e real que deveriam viver enquanto pessoas humanas, que elas mesmas criam para si mesmas. Estar alienado é estar a viver uma vida falsa e de escape, estar na vida sem viver e encarar a vida. É inquestionável e facilmente verificável que a tecnologia, com a grande variedade de produtos que oferece, tão fáceis e fascinantes, alguns sabiamente servidos, está a alienar as pessoas. O exemplo mais claro é a televisão: filmes, documentários, jogos de futebol e programas a toda a hora. Convida a estar horas e horas em frente de um televisor, sem pensar em mais nada e sem se preocupar com mais nada. Convida à diversão e ao entretenimento a toda a hora. Faz das pessoas meros assistentes passivos da vida e dos acontecimentos. A internet é todo um mundo a nossos pés, que serve tudo em poucos segundos, à vontade de cada um, conforme os humores e os apetites. O cardápio de jogos para telemóvel ou computador é enorme, para se estar em divertimento permanente. E o quanto mais se poderia enumerar. Tudo isto tem algum mal? Em si, as coisas não são más, mas o recurso permanente a elas, como forma de se fugir da vida e de não se pensar a vida, é um grande mal e um grande problema, que temos de repensar urgentemente. Há uma distracção doentia que faz com as pessoas não organizem e não reflictam sobre a vida, não encarem os problemas e as dificuldades que têm, não se questionem sobre as verdadeiras razões da sua existência e não estabeleçam os laços e construam as pontes para uma vida humana vivida de forma saudável e fecunda. É induzido um esquecimento e uma abstracção às pessoas, uma vida irreal, que não possibilite o confronto com a realidade, a verdade da vida, que não as deixa ser pessoas e viverem verdadeiramente com pessoas e que não lhes dá tempo para procurarem um sentido pleno para a sua vida.

A tecnologia é boa. Mas temos de saber doseá-la e não deixarmos que nos torne dependentes e nos arraste para a alienação da vida e da relação com os outros.

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