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minhas notas

20.03.12

 

Ultimamente, ando pasmado e atónito com a discussão mediática e os tristes episódios à volta das grandes figuras do Estado, nomeadamente do Presidente da República e do Primeiro-Ministro, e, claro está, falo destas coisas sem qualquer conotação política, mas como cidadão atento ao desenrolar da vida pública. Está instalada uma cultura de falta de verdade e de seriedade, de maledicência e crítica pacóvia, que quase nos faz resvalar para o desespero. No espaço público, prevalece uma espécie de «esquizofrenia mediática», em que não se dá importância ao que é verdade, mas ao que se quer que seja verdade, e uma espécie de «ditadura do ruído», que venha de encontro aos anseios de quem não consegue viver sem polémicas e discussões, mesmo quando feitas de disparates e banalidades. Parece que já não se consegue viver sem este ruído de fundo. Retiram-se as palavras dos contextos, responde-se sem reflexão e coerência, quem disse, diz que não disse ou que não era bem aquilo que queria dizer, volta-se a dizer para não dizer nada, deturpam-se afirmações e ideias, enfim, uma trapalhada. O que é verdade e o que é mentira? Quer lá alguém saber? Uma qualquer afirmação serve logo para se levantar uma ventania que mete tudo e todos ao barulho, deputados, governantes, comentadores, cidadãos de todos os quadrantes, de ataques e contra-ataques, numa discussão pueril e simplória. Toda a gente acha tudo inadmissível e incompreensível, anda tudo com a mostarda no nariz, por norma exibindo o populismo mais reles e a demagogia mais barata, que se vende a rodos nos cafés,  mas ninguém apresenta ideias novas, projectos alternativos e soluções viáveis. Não se reflectem a sério e com verdadeiro espírito de colaboração os problemas e as soluções, sem as máscaras partidárias e sem os interesses imediatos, para lá da espuma mediática. E o pior de tudo, é que de dia para dia cresce a desacreditação das instituições basilares da sociedade e promove-se a irreverência pela democracia. Vamos aos factos.

 

Andaram uma semana, pelo menos, a discutir o «facto» de o Senhor Primeiro-Ministro chamar piegas aos portugueses.  O Senhor Primeiro-Ministro não chamou piegas aos portugueses. Afirmou que «não devemos ser piegas, mas exigentes, com os alunos da escola, que, coitadinhos, sofrem muito para aprender». Daqui se concluiu que os portugueses são piegas. Não tem o mínimo sentido. Falava de uma atitude concreta no ensino, na sua óptica, errada, a facilidade para com os alunos. É preciso rigor e exigência. Imediatamente, os partidos da oposição, comentadores, cidadão comum aproveitaram para especular e rebater o «insulto» que foi feito aos portugueses, os insuspeitos defensores da pátria entregaram-se à proferição dos traços nobres da alma portuguesa e dos feitos deste nobre povo, numa polémica estéril e parva, extrapolando-se as palavras. Que montagem tão bem feita. Os inventores de polémicas devem estar em êxtase.  

 

O Senhor Primeiro-Ministro deslocou-se a Gouveia, onde uma turba de descontentes o esperou e apupou de forma vil e inaceitável em democracia, como também se fez ao Engenheiro Sócrates. Certamente que algumas injustiças poderão estar a ser cometidas. Mas os sacrifícios estavam anunciados. É preciso que todos façam um pouco de esforço para se ultrapassar a crise originada pela deriva do país nas últimas décadas. Infelizmente, muita gente aceita sacrifícios se forem para os outros. Não tenho a menor dúvida de que o Primeiro-Ministro que está à frente do governo, está a dar o melhor de si e a procurar a melhor estratégia para o país sair do atoleiro em que se meteu. Recebê-lo de forma alarve e ofensiva, onde quer que seja, é intolerável e impróprio de países civilizados. O descontentamento também tem regras e formas correctas de se expressar. E como é lamentável, sob o anonimato da «manada», ver que ainda anda por aí muita malcriadez e grosseria, muita parolice e espírito campónio. Que democracia é esta, em que os próprios cidadãos elegem governantes para passarem o tempo todo a insultá-los?   

 

O Senhor Presidente da República, que onde quer que vá representa a nação e o respeito que se deve ter pela nação, recusou-se a ir visitar uma escola, onde umas dezenas de ganapos eufóricos o queriam admiravelmente receber com insultos e berraria. Que país é este em que os fedelhos acham que têm o direito de receber assim um Presidente da República? O que é que eles já sabem da vida? A democracia tem as suas regras e os seus modos. Os alunos poderão ter algumas razões de queixa, mas são de longe a geração mais favorecida e apoiada, como nenhuma outra foi em Portugal. A escola que o Senhor Presidente da República ia visitar é das mais bem apetrechadas do sector, agraciada, ultimamente, com um investimento de 20 milhões de euros. E existem motivos para protestar? E repare-se: em vez de se ter condenado com veemência a atitude estapafúrdia dos alunos, que têm é de estudar e crescer, de preferência aprendendo que a vida não é só exigir, condenou-se a aparente cobardia do Senhor Presidente. Oh, pobre democracia. Que desfeita o Senhor Presidente fez a tantos portugueses que deliram com o achincalhamento dos políticos na praça pública!

 

Nos cortejos carnavalescos e em algumas entrevistas de rua que vamos vendo, não falta quem amaldiçoe a Troika, insultando-se os seus membros e o regime que estão a impor ao país. Que inconsciência e que ignorância! A troika não entrou aqui à força. Foi o governo português que solicitou a sua ajuda e a sua intervenção. Se assim não fosse, hoje já estava muita gente na rua, muitas pessoas sem salário e no horizonte a saída do euro, como um país falido e sem credibilidade nenhuma. Seríamos um país em ruínas. Que dizer do pobre que morde a mão que o ajuda? Sinceramente, não dá mesmo para entender. Ainda lhe vamos agradecer o facto de vir solucionar muitos problemas, que o imobilismo português e os interesses partidários e económicos eternizam no país.

12.03.12

Depois do forrobodó e da saudável mofa e sátira da vida e da sociedade, que o carnaval nos oferece, a Igreja convoca-nos para a Quaresma. Exorcizado mais um ano, com as suas penas e agruras e com os seus excessos e pantominas, Deus convida-nos a ir ao deserto, para recentrarmos a vida no essencial e refazermos a nossa vida cristã. O que há num deserto? Nada. Só nós. Os gregos tinham duas palavras para designar o tempo: chrónos (o tempo quantitativo, no qual o homem não pode intervir) e Kairós (o tempo qualitativo, oportunidade para fazer algo de novo e no qual o homem pode intervir). A Quaresma é um kairós que Deus nos oferece, um tempo urgente de salvação e para a salvação, que não devemos desperdiçar para renovarmos o coração e a vida. A Quaresma é o tempo para pesarmos a vida e medirmos a sua largura e a sua profundidade, segundo os valores e os critérios de Deus. É o tempo para mergulharmos no mar da nossa interioridade, encarando, sem fugas, a verdade e o âmago da nossa vida. É o tempo para renovarmos a vida em Cristo e a vida em Igreja, revigorando o nosso baptismo. É o tempo para expulsarmos toda e qualquer mancha do pecado, que esteja presente na nossa realidade humana e social. É o tempo decisivo e oportuno para revitalizarmos a nossa relação com Deus, em Jesus Cristo, para celebrarmos a Páscoa com renovada alegria e como verdadeiros discípulos de Cristo. É o tempo santo que Deus nos oferece para nos sujeitarmos a uma terapia espiritual libertadora e crescermos em qualidade, como filhos de Deus, em direcção à santidade. Para se atingir esta meta, a Igreja propõe-nos intensificar a oração, a leitura e meditação da Palavra de Deus, a conversão e a penitência, o jejum, a abstinência e a partilha.

Terá sentido propor a quaresma aos homens de hoje, que se sentem esmagados pelo poder financeiro e económico opressor, que outra coisa não faz que pedir sacrifícios e mais sacrifícios e empobrecer as pessoas e as suas vidas? Numa sociedade secularizada, que se afastou de Deus e que promove a toda a hora o seu eclipse, que vê a fé como resquício de épocas obscurantistas, terá sentido propor um tempo de aproximação a Deus e ao mistério do seu amor? Como pedir expiação e penitência pelos pecados a uma sociedade que perdeu a noção de pecado e que dissipou as fronteiras entre bem e mal?Não estará a quaresma reservada a uma elite, hierarquia da Igreja e meia dúzia de cristãos piedosos? Pelo que se vai vendo e ouvindo e perscrutando na mentalidade dominante, a quaresma é um «corpo estranho», até para muitos cristãos. Hoje em dia não se entende o sentido e o valor do sacrifício e da renúncia, a não ser para se obter uma silhueta mais elegante. Se se pode ter prazer a toda a hora, para quê fugir dele? Além do mais, actualmente privilegia-se uma vida cómoda, feita ao sabor de cada um. Sair de si e da sua rotina é visto como um exercício inútil e sem sentido. Seja como for, e inquietações à parte, a quaresma aí está e todo o cristão está convidado a tomar a sua cruz e a seguir Jesus Cristo.

Ela não é um peso ou um fardo absurdo ou até um exercício de masoquismo, como muitos poderão pensar. Infelizmente, é assim que muitos cristãos a testemunham. Ela é caminho para a verdadeira alegria e para a verdadeira liberdade. Ela é libertação e purificação de tudo aquilo que está a mais na vida e que distorce e corrompe o pensar, o olhar e o sentir do homem. Ela é cura da podridão e das cicatrizes do mal que persistem no interior do homem e na vida do mundo. Ela é redenção e vida nova em Deus, de quem somos e para o qual fomos criados. O Papa Bento XVI, na sua mensagem, servindo-se de uma citação da Carta aos Hebreus - «Prestemos atenção uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras» - recomenda-nos três comportamentos: prestar atenção ao irmão que temos a nosso lado, sabendo que somos responsáveis pelo seu destino. É necessário combater a atitude actual de não se querer intervir na vida do outro por «respeito à sua esfera privada». É a fórmula que nós criámos para fugirmos ao dever de amar e cuidar do outro e para vivermos na indiferença em relação ao seu bem, vivendo no nosso egoísmo e individualismo. Além do mais, devemos recorrer à correcção fraterna para mutuamente crescermos como pessoas, sem tiques de censura ou condenação. Depois, o Papa recomenda-nos a valorização da reciprocidade, lembrando-nos que as nossas acções têm repercussão na vida dos outros, com quem vivemos em comunhão. Cada um deve esforçar-se por realizar aquilo que contribui para a mútua edificação e maior humanização de si e dos outros. Por fim, recomenda-nos a frutificação dos talentos e capacidades individuais em prol da salvação pessoal e da vida da Igreja. Temos só quarenta dias para o fazer. Não percamos tempo. Boa Quaresma. 

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