23.12.11
Estamos a aproximar-nos de uma das festas mais ternas e mais bonitas que ainda persistem na nossa cultura: o Natal. A celebração da incarnação do Filho de Deus, Jesus Cristo, que se dignou assumir a nossa condição humana. Acontecimento exclusivo do Cristianismo: Deus fez-se homem. Mais nenhuma religião tem isto. Deus quis ser o Emanuel, o Deus connosco, e fê-lo de forma surpreendente: vindo para o meio de nós, carne da nossa carne, ossos dos nossos ossos. Oh maravilha das maravilhas!
Como o Natal é uma festa que nos espanta e enternece, nasceram muitas tradições à sua volta, muitas delas fruto da cristandade em que se viveu, não há muito tempo. Saberemos a razão de ser das tradições do Natal? Noto que muitos cristãos seguem as tradições e costumes do Natal, mas sem saberem muito bem qual é o seu conteúdo e o seu fundamento. Vamos tentar compreender um pouco.
Antes de mais, alguns esclarecimentos de carácter histórico e bíblico. Muitos cristãos foram habituados a «sacralizar» a Bíblia, interpretando tudo à letra como lá está. Atenção, que muitas vezes é preciso interpretar e compreender, porque, quem escreveu, quis acima de tudo passar uma mensagem e não criar fundamentalismo literário. Como sabemos, os Evangelhos só foram escritos depois da ressurreição de Jesus Cristo, a partir mais ou menos do ano 60 do primeiro século. Pouco se sabia da infância de Jesus. Jesus Cristo não teve um repórter ou um historiador a seu lado para relatar detalhadamente a sua vida. De forma que, quando os evangelistas se lançaram na empresa de escrever sobre a vida e o ensino de Jesus, tentaram reconstruir os primeiros anos da sua vida, recorrendo aos acontecimentos e às promessas do Antigo Testamento e inspirando-se na história concreta que a Igreja vivia, formulando, assim, páginas de catequese e de expressão da sua fé e não relatos históricos. Alguns dados da história eram irrecuperáveis, como o dia exacto do seu nascimento, entre outros. Com o tempo, a Igreja também foi colmatando algumas lacunas. Ora, assim sendo:
Nasceu Jesus a 25 de Dezembro? Não. O dia exacto do seu nascimento é desconhecido. Os últimos estudos afiançam até que Jesus terá nascido 6 ou 7 anos antes da nossa era (no reinado de Herodes). No dia 25 de Dezembro, os povos pagãos celebravam a festa do nascimento do Deus Sol, com a entrada do solstício de Inverno (vitória da luz sobre a noite mais longa do ano). Com o tempo, os cristãos tentaram dar um conteúdo diferente a essa festa ou absorveram-na com as suas festas, de forma que o Papa Júlio I decretou em 350 que o nascimento de Cristo deveria ser comemorado no dia 25 de Dezembro, substituindo a veneração ao Deus Sol pela adoração ao Salvador Jesus Cristo. A verdadeira luz é Jesus Cristo. O nascimento de Cristo passou a ser comemorado no Solstício do Inverno em substituição das festividades do dia do nascimento do Sol Invicto. É uma das hipóteses, entre outras.
Os reis magos existiram? Não. O relato dos reis magos é um texto, ou até uma parábola, do que estava a acontecer na Igreja, na altura em que os Evangelhos estavam a ser escritos, que era a adesão dos povos pagãos a Jesus Cristo, ao contrário dos judeus, que o recusaram desde a primeira hora. Quer-se sublinhar a universalidade da salvação de Jesus Cristo, que não exclui nenhuma raça nem nenhuma cultura. Os seus presentes expressam a fé dos pagãos: acreditavam e acreditam em Jesus, Filho de Deus feito homem, Rei e Senhor da História e do mundo.
Houve uma estrela do oriente? Não. Muitas têm sido as teorias, a que cientistas, astrónomos e astrólogos se entregaram. Uns dizem que foi uma estrela nova, outros um cometa e outros até que aconteceu uma conjugação de planetas. Não aconteceu nenhum fenómeno no firmamento. A estrela simboliza a luz da fé que fez com que os pagãos descobrissem Jesus como o Salvador. Quem os guiou não foi nenhum astro, mas a fé.
Houve a matança dos inocentes? Não há dados seguros da sua historicidade. Só S. Mateus fala nela. Lembram-se que, no Antigo Testamento, também o Faraó mandou matar todos os recém-nascidos dos hebreus e só se livrou Moisés, lançado numa cesta ao Rio Nilo, que mais tarde viria a ser o libertador do povo hebreu? Mateus recorreu a este acontecimento para nos apresentar Jesus como o novo Moisés, o novo libertador que vinha celebrar uma nova aliança com todos os povos da terra. Por outro lado, é um episódio que procura retratar a famosa crueldade de Herodes, que mandou matar vários familiares, inclusive mulher e filhos, e notáveis do reino.
Não havia lugar para Maria na hospedaria? Muitas peças de teatro que por aí andam, apresentam-nos muitas vezes um José aflito batendo às portas de casas e hospedarias a ver se encontrava um lugar para Maria dar à luz. Esta cena não tem fundamento. Seria José um pai descuidado? Andou a dormir e não preparou tudo como deve ser? É claro que não. S. José era um pai responsável e zeloso. Nas prescrições da lei de Moisés constava que uma mulher que dava à luz ficava impura. Tinha que se conservar separada dos outros. Só após cumprir as regras de purificação é que se podia juntar à família e aos amigos. Por essa razão, Maria teve de dar à luz num lugar isolado e humílimo da casa de algum familiar de José, em Belém.
Vejamos agora alguns costumes do Natal. A consoada. Noutros tempos, a noite de véspera do dia de Natal era uma noite de jejum. As pessoas centravam-se na vivência do acontecimento religioso e esqueciam tudo o resto. Com o tempo, percebeu-se que talvez fosse um pouco exagerado. Criou-se então o hábito de comer uma refeição antes ou depois da missa da vigília, para «consolar» um pouco. Assim nasceu, talvez, a consoada, de «consolata», consolo. Em Portugal come-se sempre o polvo (talvez influência galega) e o bacalhau. No dia de Natal, comem-se carnes, nomeadamente o peru ou o capão, ou até o cabrito. O Presépio (do hebraico, manjedoura, estábulo) é uma reconstituição do cenário em que terá nascido Jesus. O primeiro a fazê-lo terá sido S. Francisco de Assis, em 1223. O costume do pinheiro é mais enigmático. O seu uso talvez se deva ao facto de ser uma árvore que não perde a cor e o vigor no Inverno. Assim sendo, simboliza a vida que não acaba. Jesus é a verdadeira árvore da vida eterna. Alguns não deixam de notar também a sua forma triangular, simbolizando assim a Santíssima Trindade. Na mesma linha vai o azevinho, que se mantém vigoroso durante muito tempo, simbolizando a vida eterna que Jesus Cristo é. As luzes de Natal são sinal de que Jesus é a luz do mundo, o sol da justiça e de que com o seu nascimento se iluminou o mundo. O hábito de dar prendas tem o seu possível fundamento no gesto dos reis magos. O bolo-rei simboliza as prendas que os magos deram a Jesus. O seu aspecto dourado simboliza o ouro, as frutas a mirra e o seu aroma o incenso. Segundo reza a lenda, os magos tiveram de fazer um bolo com uma fava para escolherem quem seria o primeiro a entregar os seus presentes. A quem calhasse a fava, teria esse direito. Beijar o menino no dia de Natal é sinal de reconhecimento e de adoração. Por fim, o bonacheirão pai natal, segundo se pensa, é uma réplica formatada pela Coca-Cola do bispo S. Nicolau, um bispo turco do século III, que teve grande apreço pelas crianças. Um bom natal para todos.