22.08.11
De vez em quando, gosto de ouvir aqueles discursos inflamados sobre a elevação cultural e moral de certos povos. Por vezes, após a sua conclusão, experimento algo contraditório: nem sei se hei-de dar uma gargalhada estridente ou se deva manifestar comiseração. Desde sempre, nós portugueses, mergulhados na nossa baixa auto-estima, nos habituámos a engolir o discurso da superioridade dos grandes países europeus e das suas culturas. Organização, disciplina, educação, cultura, desenvolvimento, é com a França, com a Alemanha, com a Inglaterra, entre outros. Até os nossos emigrantes não perdem a oportunidade para desabafar que lá fora é «autre chose», cá em Portugal é uma desgraça.
É claro que estes povos estão mais desenvolvidos do que nós e têm traços civilizacionais, que devem merecer o nosso interesse e admiração. Deram e dão um contributo impar para o progresso da humanidade e para a construção da caminhada histórica. Mas quanto à elevação moral, jogo sempre com o factor prudência. Não porque seja um cínico ou até um pessimista sobre a natureza humana, muito longe disso, mas porque, nós homens e mulheres, somos mais ou menos iguais e temos tendência para nos mostrarmos melhor do que o que somos, refugiando-nos em chavões que não reflectem a realidade. A Inglaterra, que se gaba de ter os melhores colégios do mundo, onde se formam personalidades cultas e de refinada qualidade moral. A Inglaterra que se gaba de ser o país da cortesia, da disciplina, do respeito solene, a senhora das boas condutas, mestra em protocolos perfeccionistas, promotora de celebrações de extrema finura, de fazer inveja aos outros países, também é o país da bisbilhotice, do voyeurismo, do binóculo em riste para esmiuçar a vida dos outros, em busca de um qualquer escândalo de quem quer que seja. Rebentou o caso indecoroso do jornal «News of the World», já extinto, do magnata da comunicação social, Rupert Murdoch, após se descobrir que o jornal recorria a escutas telefónicas para lançar notícias bombásticas sobre figuras públicas ou casos sociais. Mas porque é que fazia isso? Porque sabia que tinha uma multidão ávida de escândalos, que gosta de ver os outros enxovalhados na praça pública, que gosta de mexericar a vida dos outros, com uma curiosidade mórbida e perversa, que não gosta de ver vidas arrumadinhas e de sucesso, mas que, roída de inveja, gosta de ver um pouco de lama e de sangue na cara dos outros. E é tão forte a influência deste tipo de jornalismo miserável na Inglaterra, que os senhores do poder não se coíbem de contratar jornalistas destas fileiras para seus assessores. Que grandes exemplos de elevação moral!
Em Portugal, este tipo de jornalismo medíocre e rasca e este tipo de curiosidade insana e pestilenta também andam a fazer escola. Até os jornais mais insuspeitos, que primam pelo respeito das regras morais mais elementares, começam a entrar na onda. Desde o caso de Renato Seabra com Carlos Castro, passando pela morte de Angélico, até ao acidente de Sónia Brazão, explorando-se sem dó nem piedade a desgraça e a morte dos outros, escancarando-se abusivamente a vida das pessoas, deu-se um desfile de notícias aviltantes e estúpidas, que só interessam a não sei quem. Um jornalismo sério e profissional, mesmo sabendo que o que causa emoção vende, sabe ou deveria saber que se deve ter respeito pela vida das pessoas, sobretudo em momentos de grande dor e sofrimento. Aliás, a nossa sociedade é contraditória: grita bem alto que cada um tem direito à sua privacidade e à sua intimidade, mas ao mesmo tempo alimenta a curiosidade de saber tudo sobre todos, de devassar a vida dos outros, de não perder pitadinha dos contornos rocambolescos da vida alheia. Proclama que se tem direito à autonomia e à independência pessoal, mas não acredita muito nisso e viola isso a toda a hora, com a bisbilhotice da vida dos outros para ser igual aos outros.
Não consigo entender a importância que se dá à imprensa denominada cor-de-rosa, que anda à volta das também chamadas figuras públicas. Entender até consigo: vivemos numa sociedade exibicionista. As pessoas gostam de mostrar o seu status social, o seu glamour, a sua conformidade com a moda, a sua superioridade intelectual, o seu sucesso empresarial, a sua riqueza, por maior que seja a fachada e a representação, tudo em nome do reconhecimento social, considerado factor de realização e felicidade. Não ser falado e não dar nas vistas é uma seca! Que as pessoas gostem de se armar em pavões, paciência. Agora, que isso interesse aos outros, não consigo entender. Que me importa a mim que é um playboy irresponsável, armado em garanhão, ou uma ninfomaníaca desvairada, que tem tantos carros não sei de que marca, que tem mobílias chiquíssimas, que organiza não sei quantas festas, que é amigo não sei de quem, que esteve não sei onde, que vai de férias para não sei onde, que fez plásticas e por aí fora? A quem é que interessam estas banalidades e futilidades? Com tanta coisa boa para ler, perco-me neste amontoado de imprensa medíocre?