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minhas notas

22.07.11

 

Uma Igreja minimamente atenta facilmente se apercebe que a sociedade portuguesa já não é cristã. O que é necessário para se dizer que uma sociedade é cristã? É necessário que uma boa parte dessa sociedade adira formal e concretamente às práticas, princípios e valores do Cristianismo, servindo o Evangelho de inspiração à política, à economia, à educação, à vida artística e à vida social. Formalmente, ainda há um bom número de pessoas que se dizem católicas. O último estudo – veremos o que dizem os censos – revelava que 90 por cento dos cidadãos portugueses se consideravam católicos. É claro que não é verdade. Muita gente ainda se considera católica porque nasceu em ambiente católico, vai cumprindo algumas tradições, vai a meia dúzia de missas por ano (sobretudo em funerais), tem um filho ou um neto na catequese, concorda com o humanismo e algum profetismo da Igreja. Servem-se destes meios exteriores para se integrarem no cristianismo, meios que não servem senão para constatar um cristianismo muito superficial e formal, que se herdou sem grande convicção, uma espécie de cristianismo morninho, que nem tuge, nem muge. Dizer sim a um conjunto de verdades e concordar com uma determinada visão do homem, do mundo e da vida é muito fácil, e muitos ainda se consideram cristãos nesta adesão intelectual, mas viver convicta e livremente de acordo com essas verdades, princípios e valores, na busca de um ideal e de uma perfeição, é outra história. E é aqui que o cristianismo da sociedade portuguesa mostra os seus pés de barro. Andam por aí muitos cristãos que se dizem cristãos, que não são cristãos. Quanto muito, poderão ser um pouco religiosos, mas não cristãos. Somos um país com grande tradição cristã, é certo. Mas a mim interessa-me o cristianismo vivido e consumado todos os dias. Pelos frutos se comprova o nosso cristianismo.

É muito simples de verificar. Podia até exemplificar com a aprovação do aborto e dos casamentos homossexuais, em clara ruptura com o Evangelho e com a doutrina da Igreja Católica. Podia até ilustrar com a corrupção e o enriquecimento ilícito, que saltam à vista de todos, não se olhando a meios para atingir os fins. Para muita gente não há qualquer problema em ser desonesto e ir à missa. Podia elucidar com a onda de violência e de agressões de vária ordem, que varrem o país de norte a sul. O amor ao próximo é para os outros. Podia até pintar com a desumanidade que é visível nas relações laborais. O que importa é o lucro, as pessoas que se lixem. Podia até comprovar com a pouca assiduidade aos sacramentos, nomeadamente à missa dominical, para a qual se inventou comodamente a palavra católico não praticante, que é o mesmo que chamar quadrado a um triângulo. Podia até argumentar com a total indiferença como certos feriados religiosos são encarados. São bons dias de folga. E podia ainda reforçar com as romarias religiosas de norte a sul do país, que têm como objectivo farra e diversão e não compromisso e adesão a Deus. Olhando aos números do estudo, tudo isto é feito por «cristãos». Tínhamos pano para mangas. Mas não. Vou-me limitar ao dar a vida pelos outros, valor cimeiro do Cristianismo. Ser cristão é fazer da sua vida um dom, para que os outros, aceites como irmãos, tenham vida e a tenham em abundância. Ser cristão é dar-se pela vida e pela salvação do mundo. Mas, pelos vistos, isto não foi bem entendido por muitos que se dizem cristãos. O dar-se aos outros realiza-se de várias formas, inclusive e de forma sublime no ofício que se exerce socialmente. Mas, repare-se na forma egoísta e interesseira como muita gente está na vida. Em alguns sectores da sociedade, bastou o Estado mudar um pouco as regras da reforma e dos vencimentos e não demorou muito a acontecer uma debandada, com pedidos de reformas antecipadas e uso de diversas escapatórias, de gente que ainda poderia dar muito à sociedade. Afinal, importa mais o ordenado e as vantagens pessoais do que servir os outros. Afinal, parece que muita gente ocupa determinados cargos e exerce certos ofícios porque dão bons ordenados e boas reformas e não porque são um lugar privilegiado para servir condignamente a sociedade. Certamente que argumentarão que algumas mudanças foram injustas. Mas mesmo assim, um bom cristão, por amor aos outros, supera a injustiça, com mais alguma capacidade de sacrifício e de entrega …A questão é que, contrariamente aos princípios cristãos, o que norteia a nossa vida é o nosso bem individual ou familiar e não o bem dos outros, ou, se quisermos, o bem comum da sociedade.  

Afinal, no dia-a-dia, os «cristãos» não fazem a diferença. No palco da vida, onde se pode testemunhar uma outra forma de estar na vida e valores diferentes dos mundanos, os ditos cristãos não mostram senão que o que os norteia são os mesmos critérios materialistas e mesquinhos que norteiam qualquer cidadão. Se não fazemos a diferença nestas coisas, no que é que fazemos?  

19.07.11

Os católicos adversativos

 

In memoriam de Maria José Nogueira Pinto,
uma católica não adversativa.

A barca de Pedro é como a arca de Noé. Se esta providencial embarcação incluía toda a espécie de criaturas que havia à face da terra, também a Igreja congrega uma imensa variedade de almas. Todas as gentes, qualquer que seja a sua raça, a sua cultura, a sua língua ou os seus costumes, desde que legítimos, cabe na barca de Pedro. Por isso, graças a Deus, há católicos conservadores e progressistas, de direita e de esquerda, republicanos e monárquicos, regionalistas e centralistas, etc.

Se, em política, tudo o que parece é, o mesmo já não se pode dizer na Igreja. Tal é o caso dos ‘católicos’ adversativos. Muito embora a designação seja original, a realidade é, infelizmente, do mais prosaico e corrente:

- Eu sou católico, mas...

E, claro, a seguir a esta proposição adversativa, seguem não poucos reparos à doutrina cristã. A saber: eu sou católico, mas creio na reencarnação; eu sou católico, mas defendo o aborto; eu sou católico mas, não acredito no inferno; eu sou católico, mas sou a favor da eutanásia; eu sou católico, mas concordo com o casamento entre pessoas do mesmo sexo; etc., etc., etc.

É verdade que a Igreja acolhe também aqueles que, por desconhecimento ou por debilidade, não conseguem ainda viver de acordo com todos os seus preceitos. Ao contrário do que pretendiam os cátaros, a Igreja não é só dos puros ou dos santos, os únicos que são, de facto, cem por cento católicos. Com efeito, a Igreja não exclui os néscios, nem os fracos que, na realidade, somos quase todos nós. Mas não aceita os nossos erros, nem os nossos pecados, antes impõe que, da parte do crente, haja uma firme decisão de conversão.

Esta é, afinal, a diferença entre o pecador e o fariseu: ambos pecam, mas enquanto aquele reconhece-o humildemente e procura emendar-se, este justifica-se e, em vez de mudar de conduta, desautoriza a doutrina em que, afinal, não crê. O pecador que é sincero no seu propósito de santificação, tem lugar na comunidade dos crentes, mas não quem intencionalmente nega os princípios da fé cristã.   

Na comunidade cristã há certamente margem para a diversidade de pontos de vista, também em matérias doutrinais opináveis, mas não cabe divergência no que respeita aos princípios fundamentais. Um cristão que, consciente e voluntariamente, dissente de uma proposição de fé definida pela competente autoridade da Igreja, não é simplesmente um católico diferente ou divergente, mas um fiel infiel, ou seja, um não fiel.

Conta-se que o pai de uma rapariga algo leviana, sabendo do seu estado interessante, tentou desesperadamente conseguir-lhe um marido que estivesse pelos ajustes. Para este efeito, assim tentou aliciar um possível candidato:

- É verdade que a minha filha está grávida, mas é só um bocadinho...  

Ser ou não ser, eis a questão. Pode-se ser católico sendo ignorante e até muito pecador, mas não se pode ser ‘católico’ adversativo, ou seja, negando convictamente a doutrina da Igreja.

A fé não se afere por uma auto-declaração abstracta, mas pela opção existencial de seguir Cristo, crendo e agindo de acordo com os princípios do Evangelho. Não é católico quem afirma que o é, mas quem pensa e quer viver como tal. «Tu crês que há um só Deus? Fazes bem, no entanto também os demónios crêem e tremem. O homem é justificado pelas obras e não apenas pela fé. Assim como o corpo sem alma está morto, assim também a fé sem obras está morta» (Tg 2, 19.24.26).

P. Gonçalo Portocarrero de Almada, in Voz da Verdade 
       

08.07.11

D. Joaquim Gonçalves deixou de ser o bispo da Diocese de Vila Real desde o dia 22 de Maio, por limite de idade. D. Amândio José Tomás, coadjutor desde 2008, é agora o bispo da Diocese. Os bispos são obrigados a resignar pelo direito canónico (direito que rege a vida da Igreja) aos 75 anos de idade, apresentando a sua resignação em carta enviada ao Santo Padre, que, normalmente, aceita. Apesar de ter tido complicações graves de saúde – recordo que fez um transplante de coração em Coimbra –, acontecimento muito presente na sua espiritualidade e na sua pregação, exerceu com tenacidade e abnegação o seu ministério episcopal até ao limite «legal». No ano de 1987 chegou à Diocese de Vila Real nomeado como coadjutor de D. António Cardoso Cunha, vindo de Braga, e em 1991 assumiu o cargo de bispo da Diocese de Vila Real. Esteve 24 anos ao serviço da Diocese. 

O que dizer destes 24 anos? Não sou, nem de longe, nem de perto, a pessoa mais indicada para fazer uma apreciação objectiva e detalhada do exercício do seu ministério episcopal. Outros o farão melhor do que eu. Mas como padre que conviveu com o Senhor D. Joaquim desde os tenros anos do seminário menor, deixo aqui a minha singela apreciação, de uma pessoa que não foi um grande reformador e um bispo excepcional, mas foi um bom bispo, que deixa as suas cicatrizes, promotor de pequenas reformas, de uma pessoa que na sua acção sabe que não foi consensual e de um episcopado que não deixará de ter diversas interpretações. Há três ou quatro aspectos que registo com agrado, tanto da sua acção, como das suas palavras.

Em primeiro lugar, D. Joaquim era um bom orador. E quando digo bom, não no sentido de ser um malabarista das palavras e com apuradas técnicas de retórica, mas no sentido de comunicar bem a mensagem e de a tornar entendível aos seus diversos ouvintes. É um dom que poucos oradores têm. Destituído da vaidade que se vê em muitos académicos, que não perdem a oportunidade se usar um qualquer púlpito para mostrarem o quanto são iluminados e em que matérias são doutos, com um vocabulário próprio, quase sempre assertivo, e com imagens retiradas da vida concreta, D. Joaquim apresentava sempre um discurso vivo e atractivo, a que nenhum ouvinte ficava indiferente. Sabiamente, sabia dosear teologia, espiritualidade, moral e pastoral nas suas homilias. Sempre resolutamente empenhado em «cheirar» a sociedade, como às vezes afirmava, com uma sagacidade impar foi chamando a atenção para os ínvios caminhos que o homem actual escolhe e apontando novos rumos, à luz da fé. Detentor de um discurso simples, directo e bem organizado, tornou a mensagem evangélica e doutrinal da Igreja mais próxima das pessoas, cumprindo, assim, o objectivo desta. Com estas palavras não ponho em causa a capacidade oratória de ninguém, simplesmente sublinho um dom especial que D. Joaquim tinha neste campo. A sua forma de expor é assinalável e exemplar. Era um orador «popular».

Em segundo lugar, o grande contributo que deu à celebração da liturgia. São muitos os padres que reconhecem o salto qualitativo que se verificou na preparação e vivência da liturgia, ao longo do seu episcopado, apesar de nem sempre alguns padres entenderem a sua exigência, que, por vezes, parecia roçar o capricho. A liturgia é o espaço onde a Igreja mostra a sua cara, e até mais do que isto, é o espaço onde a Igreja fala do Deus em que acredita e da profundidade da sua fé em Deus. Uma liturgia mal celebrada, feita à pressa e sem organização, não é encontro com Deus e celebração de salvação. Ao longo do seu episcopado, D. Joaquim pediu sempre um especial cuidado com os leitores, com os cantores e a qualidade dos cânticos usados nas celebrações, recomendou especial atenção à forma como se reza, que deve ser lenta e sentida, e não um palavreado acelerado e sem afecto, e reclamou beleza nas celebrações. É verdade que a Igreja não nasceu só para realizar celebrações majestosas, bem longe disso, mas é na liturgia que a Igreja busca a força para viver e testemunhar a sua fé e suscita o primeiro interesse a quem a queira integrar. Uma liturgia pobre e sem qualidade faz um Deus pobre e desinteressante.

Em terceiro lugar, o aperfeiçoamento dos agentes da transmissão da fé, pedindo sempre renovado empenho a pais e catequistas, tema quase sempre recorrente nas suas intervenções e homilias, ou se quisermos, a importante interacção e entreajuda entre paróquias e famílias. A catequese deu alguns passos decisivos (o secretariado tem feito um bom trabalho), embora ainda sejam muitas as inseguranças e desconfianças que a rodeiam. Como às vezes dizia, é precisa uma catequese que não se limite a comunicar fórmulas e orações, mas uma catequese que leve a pensar e a encontrar respostas para as questões da vida. O porquê das coisas. Em relação à catequista, muitas vezes chamou a atenção para sua grande responsabilidade dentro da Igreja e a ser mais do que uma amiguinha que está com os meninos uma ou duas horas por semana. Uma ou um catequista tem que ser alguém com envergadura humana, espiritual e eclesial, devidamente capacitado para comunicar e testemunhar a fé.

Em quarto lugar, o brio que D. Joaquim exigia aos cristãos na sua vida dentro da Igreja (desde o leitor à zeladora, do acólito ao escuteiro, do sacristão ao sacerdote) e no seu testemunho de cristãos. Brio que não é vaidade, mas gosto em fazer bem as coisas, brio que é mostrar a beleza e o encantamento que se vive. De facto, não importa fazer as coisas por fazer, de qualquer forma ou feitio, ou lá porque se vive no meio de cristãos, que se pode ser um cristão amorfo e descuidado. Os cristãos devem mostrar sempre a fé que os encanta. Uma fé que brilha é uma fé que encanta.

Certamente que outros aspectos se poderiam sublinhar. Fico-me por aqui. De negativo, a relação ambígua que manteve com o clero, chegando, por vezes, à tensão e à incapacidade de diálogo e de cordialidade com alguns padres, o que não se compreende, pela natural e intensa fraternidade que deve existir entre os seguidores de Cristo e porque os padres são os seus colaboradores, que o ajudam a dar corpo às suas ideias e projectos. Bem-haja D. Joaquim.

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