24.09.10
1.De vez em quando, algumas das nossas aldeias do Barroso oferecem-nos uma das experiências mais estranhas e inquietantes por que passamos: ir de ponta a ponta das aldeias e não ver uma única pessoa. E mesmo após algum ruído, o silêncio permanece. Vai-se confirmando o que um prestigiado demógrafo afirmava aqui há uns tempos: «O interior está num sono de morte». O silêncio, muitas vezes, pressagia a erupção de novos mundos e de grandes mudanças. Mas, no nosso interior, vaticina o epílogo da vida de muitas das nossas aldeias e a estagnação e desertificação de uma região bela e rica, que deveria merecer outra atenção. Não há como fugir a este realismo. É por demais evidente que muitas das aldeias de Barroso não têm um futuro risonho no horizonte. A população, na sua maioria, é senil. Ainda temos alguns jovens, mas duvido que fiquem na terra. Crianças muito poucas (há paróquias onde não há um único baptizado num ano). A longo prazo, o ‘reino maravilhoso’ do Barroso terá pouca gente para conservar e produzir riqueza, na sua especificidade, que é a ruralidade, e para preservar e enriquecer todo o património institucional, familiar e paisagístico. Será uma região deserta, pobre e catatónica.
Todos temos culpa nesta definhação do Barroso. Há muito mais que se poderia ter feito pela terra e não se fez, preferindo-se o comodismo e o apego ao mais fácil, e já nem falando da nossa velha modorra, que nos faz estar sempre à espera que os outros tomem a dianteira e resolvam os problemas por nós. Excluindo-se alguns bons filhos desta terra e alguns que vieram de fora, há uma grande falta de emprendorismo e de coragem para arriscar para além das seguranças da vida. Mas os grandes culpados são os últimos governos e as politicas que puseram em prática em relação ao interior, empurrando a maioria da população para a faixa litoral do território português. Nenhum governo soube ter uma politica harmoniosa e de desenvolvimento sustentável para todo o território português. E a falta dessa política continua: fecham-se serviços, escolas e maternidades por este interior fora, com intuito meramente economicista, sem qualquer respeito pelos cidadãos que lá habitam e desincentivando que outros venham, decepando-se irreversivelmente a auto-suficiência e o desenvolvimento do interior. Em vez de se impor o rigor e a racionalização nas grandes cidades, onde o estado desperdiça montes de dinheiro dos contribuintes nos seus muitos institutos e instituições e na concessão de mordomias a parasitas do estado e de se moderar a megalomania por grandes obras de dúbia utilidade e rentabilidade, pelo contrário, arrasa-se com o interior, pouco ou nada importando a qualidade de vida dos seus habitantes e a fixação da população por todo o território português. O interior começa a sentir penosamente o carácter eleitoralista e a permeabilidade aos lobbys que norteou e norteia muitos políticos inquilinos de S. Bento, que mais não têm a dizer que tudo isto «é inevitável». Não, meus senhores. Era evitável. O inevitável fomos nós que o construímos. Se desde sempre houvesse uma preocupação clara por todos os cidadãos e uma visão consistente e equilibrada do desenvolvimento e crescimento de todo o país, com respeito por todas as suas regiões, e uma governação racionalizada e bem ponderada com a devida responsabilidade, talvez não fosse agora necessário assistirmos à depauperação e desertificação do interior. Dantes não tínhamos infra-estruturas (bons edifícios e estradas) e tínhamos pessoas. Agora, temos boas estradas e bons edifícios, mas não temos pessoas e tudo indica que querem que não tenhamos pessoas. Anda sempre qualquer coisa ao contrário.
2.Finalmente o processo casa pia teve um grande avanço: foi pronunciada a sentença para alguns dos abusadores de crianças da Casa Pia, assim considerados pelo tribunal. Nada é ainda definitivo. Vai tudo a meio e vamos lá ver se vai ter mesmo fim. Fim terá, mas poderá não ser o muita gente espera. De toda esta convulsão processual e social retiro três coisas que me preocupam: a sociedade que temos ainda não defende os fracos e desprotegidos, e quando digo a sociedade refiro-me aos homens e mulheres que eles encontram no dia-a-dia da sua vida. O Estado português tem cada vez mais meios de assistência para lhes dar uma vida minimamente digna, o que é de sublinhar. Mas muito cidadão comum ainda olha para um desprotegido como pau para toda a obra. Em vez de lhe oferecer o seu cuidado e atenção, maquina formas de o usar a seu bel-prazer, que o vil dinheiro tenta fazer esquecer. A maturidade de uma sociedade vê-se na forma como trata os que não são de ninguém. São estes casos que põem a nu a verdade de muitos discursos oficiais que por aí andam sobre humanismo e respeito pelos direitos humanos. Olhemos até para nós: como nos relacionamos e tratamos os zés-ninguém que por aí andam? Em segundo lugar, é por demais notório que, em Portugal, quem tem dinheiro tem menos probabilidades de ir parar à prisão. É urgentíssimo reformar a justiça. Só há verdadeira democracia se todo o cidadão tem acesso a uma justiça como deve ser. Não poder ser um privilégio de ricos. Uma justiça cara e confusa é uma ameaça à democracia; em terceiro lugar, a justiça está excessivamente mediatizada e alguns senhores juízes têm culpas no cartório. O itinerário processual e os julgamentos não deveriam perder o seu recato, por força de se tratar de assuntos delicados e de mexer com vidas que podem ficar marcadas para o resto da vida. A justiça não tem que alimentar o voyeurismo da comunicação social e de curiosos mórbidos ou até de justiceiros que se comprazem com a humilhação dos outros. Os réus não deixaram de ser pessoas com direitos e com família. Ler sentenças para a comunicação social, expondo-se dados que só deveriam ser lidos dentro do tribunal, mais não é do que contribuir para o linchamento público dos réus e para o agravamento do sofrimento de amigos e família.