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minhas notas

21.08.10

1.

A internet é, seguramente, a maior invenção e progresso dos últimos anos. As suas virtudes e possibilidades são estupendas. Quando, em nossa casa, abrimos o browser, sentimo-nos entrar num mundo novo, onde corre um grande rio de informação e de serviços, sentimos que temos todo o mundo a nossos pés. Nela, com toda a facilidade, quebram-se distâncias, que julgávamos inultrapassáveis. Criam-se relações em segundos, com pessoas de todos os cantos do mundo. Adquire-se informação em minutos, que antes demorava um dia ou dias. Eliminam-se encargos e obrigações, que antes nos faziam perder tardes ou manhãs. Obtém-se divertimento e distracção, que não passavam de uma miragem noutros tempos. E dizem os entendidos que as suas virtualidades ainda vão a meio. Mas se é certo que a internet é um veículo admirável para a informação, para o saber e para as relações humanas, também é certo que se está a transformar num instrumento de refúgio para a libertinagem mais primária e para a evasão e a alienação. A internet é um mundo sem lei. E onde não há lei, floresce a sensação de que vale tudo. Muitos que nela entram, escondidos na carapaça do anonimato, julgam que é um mundo onde se pode fazer e dizer o que se quer, sem qualquer respeito pelo outro ou pelos outros que estão do outro lado e sem qualquer preocupação moral. Para muitos, ela é o espaço onde podem ajustar contas com as suas antipatias e frustrações e despejar todas as suas raivas e ódios. Quando percorremos demoradamente o recente universo dos blogues ou passamos os olhos pelos comentários a artigos e sites da imprensa, encontramos um submundo onde anda à solta a javardice, a malcriadez e a boçalidade mais elementar, com reparos e insultos para todos os gostos, na sua maioria, gratuitos. Esta sociedade em que vivemos, não generalizando, como é óbvio, que se gaba de ser a sociedade da urbanidade, que gosta de se engalanar, por vezes com muita imposturice à mistura, para sessões de glamour e de gourmet, – significando isso que entrámos num patamar superior de socialização e convivência humana - tendo um pouquinho de liberdade a mais, não mostra senão que ainda pactua com a vil baixeza e má educação. É impressionante verificar que, apesar de vivermos na sociedade da informação e da ciência – nunca como hoje tivemos o conhecimento e a informação tão à mão – nem de longe nem de perto estamos a eliminar a parolice e a estupidez, não se interligando o saber com o devido crescimento humano.

Este submundo da internet lembra-nos mais uma vez a regressão moral que se deu nas nossas sociedades e que vivemos uma grave crise de valores, sendo necessário e urgentíssimo repensar a nossa educação e propor às pessoas, a começar pelas famílias e pelas escolas, a interiorização dos verdadeiros valores morais e humanos, que humanizam. De nada adianta saber muito para ser pouco, se é que realmente se sabe alguma coisa. A verdade é que esta sociedade da informação e do saber, lá no fundo, pouco informa e forma as pessoas. Hoje a informação está ao serviço da diversão e do espectáculo. Basta ver os nossos telejornais. Directos atrás de directos, contando mais a emoção e o espectáculo do que a informação em si. Não se faz uma síntese e não se informa o que realmente é importante informar. Trabalha-se e analisa-se pouco a informação ou os novos conhecimentos, sendo que pouco ou nada fica retido pelas pessoas e chega à vida, ou se chega é mais um trapo numa manta de retalhos. Não passamos de consumidores e ruminantes da informação, sem síntese e memória.

2.

Os últimos dados sobre o aborto só nos podem deixar preocupados e, ao mesmo tempo, perplexos, reveladores do mar de insensatez e contradição, senão mesmo irracionalidade, em que estamos mergulhados. Como se esperaria, o aborto aumentou desde que a nova lei entrou em vigor desde 2007, possivelmente porque o aborto clandestino se transferiu para o aborto legal, embora o clandestino ainda continue a ser praticado. Quando em 2007 se discutiu a nova lei, muitos dos seus defensores afirmaram que seria uma lei para dar a possibilidade à mulher de pontualmente interromper uma gravidez indesejada. Mas em muitos casos não é isso que se está a passar. O aborto está a ser usado como contraceptivo, com a anuência dos serviços de saúde. Muitas mulheres, sem qualquer consciência e responsabilidade, estão a abortar duas e três vezes por ano. É uma vergonha. Será que temos o direito de andar assim a brincar com o direito à vida? As razões, ou melhor, as petas, apresentadas para abortar, na sua maioria, são quase sempre as mesmas: impossibilidade de oferecer boas condições de vida ao nascituro, no momento actual, e outras prioridades para o casal, entre outras. E quando se lhes oferece os serviços de planeamento familiar, obrigatório a seguir a um aborto, são poucas as mulheres ou casais que lhe dão importância, vejam o número de faltas às consultas. Sejamos claros: a lei do aborto em Portugal está ao serviço da sexualidade irresponsável e libertina que impera na sociedade, e que, infelizmente, a nossa educação persiste em cimentar. É escandaloso todo este facilitismo à volta do aborto e a leviandade como se trata a vida, merecedora de todo o cuidado e respeito. Quando já somos o oitavo ou nono país mais velho do mundo, obrigando-nos isso a repensar seriamente o nosso apoio à família e à vida e como deveríamos conciliar vida laboral e familiar, ao invés, promovemos o aborto fácil e irresponsável, com total inconsciência e sem qualquer preocupação com o futuro. Como é triste ver muitas mulheres a desperdiçarem o auge da sua fertilidade, simplesmente porque o prazer e o comodismo falam mais alto. Ou começamos, quanto antes, a rever as nossas políticas e valores, ou não sei para onde é que isto vai. Alguém entende?

3.

Durante meses, as nossas brigadas morais europeias, algumas orgulhosamente anticlericais, com a devida conivência dos meios de comunicação social – falar mal da Igreja Católica vende sempre -, detentoras de um apurado espírito justiceiro e extremamente sensíveis aos desrespeitos da moral mais pura e politicamente correcta, degustaram-se com o saboroso manjar que foi a pedofilia dentro da Igreja Católica, em alguns países europeus. Apareceram sentenças para todos os gostos, todas clamando justiça severa. Obrigou-se, sem qualquer reserva ou cuidado, bispos e padres a retratarem-se, numa apoteose de autoflagelação e humilhação, que até chegou ao Papa Bento XVI, vasculhou-se o passado tenebroso e horrendo da Igreja, que, para muitos, não passa de uma instituição hipócrita, prenhe de lobos vestidos de cordeiros. Ficou assim claro que a sociedade jamais pactuaria com a pedofilia e que se esta acontecesse, não haveria a mínima piedade. Mas não demorou muito para muitos engolirem o que disseram e defenderam e para nos darmos conta de que afinal, sem a mínima coerência e com o maior desplante, temos dois pesos e duas medidas. A Suíça acaba de recusar a extradição de Roman Polanski, famoso realizador de cinema, para os Estados Unidos, onde está acusado de pedofilia. O mundo da arte e do cinema, sempre tão sensível aos abusos e injustiças da sociedade, exultou de alegria com a decisão. Então como é que é? Então para uns exigimos justiça máxima e a outros desculpamo-los? Ai se ele andasse de batina…E os meios de comunicação social, agora não falam e escrevem? Onde estão a vozes que pedem a condenação para o realizador? O mundo do cinema e da arte está acima do bem ou do mal ou da justiça? Mas o crime dele está mal explicado e já foi há muitos anos, dizem alguns. E os da Igreja? Alguém se preocupou em saber a verdade e o fundamento das acusações, com total isenção? Que necessidade houve de ir desenterrar actos cometidos há cinquenta e sessenta anos? Estou fascinado com a justiça magnânima das nossas brigadas morais. Bem-vindos ao mundo belo das nossas contradições. Quando se trata de fazer justiça a quem odiamos ou desejamos abater, o verdugo veste-se de uma maneira. Quando o mesmo crime bate à porta de quem gostamos, o verdugo veste-se de outra maneira. Grande moral e grande justiça. Estou espantado. Tenho muito medo de uma justiça que tem segundas intenções.

10.08.10

 

 

 

 

 

Nestes meses quentes de Verão, nomeadamente no mês de Agosto, muitas famílias, na sua maioria emigrantes, celebram um dos acontecimentos mais importantes da sua vida: o baptismo dos filhos. As razões porque o fazem são claras: cumprir a tradição – entre nós ainda parece mal não baptizar os filhos - e passar umas horas de farra com a família e alguns amigos. Duvido que muitas o façam com profundas motivações religiosas, para as quais, nós párocos, apelamos na preparação mínima que nos é possível realizar. Baptizar um filho é celebrar um compromisso com Deus e com a Igreja, dispondo-se a viver esse dom em comunhão, com entrega, fidelidade e responsabilidade. Todo o sacramento dentro da Igreja é sempre em ordem a uma maior adesão a Deus e a uma maior inserção dentro da sua família, que é a Igreja. Grande número dos casais que baptizam os filhos não participam assiduamente na eucaristia dominical, o que não dá para entender, depois do que celebraram. E acham-se no direito de exigir o baptismo ao pároco. Ai se este lho nega. Claro que um pároco sente muita relutância em negar um baptismo a uma criança, mas não deixa de ficar estupefacto com o desplante de muitos casais, a quem não conhece pingo de vida cristã, que não se inibem de exigir tudo e mais alguma coisa, quando não têm a mínima autoridade, como se pedir o baptismo não tivesse os seus requisitos e exigências. De uma vez por todas, muitos crentes cristãos têm de resolver a questão religiosa na sua vida: ou se dizem cristãos e assumem-no claramente, com integridade e fidelidade, em profunda comunhão com Cristo e com a Igreja, ou dizem que não querem ser cristãos e seguem outro caminho. Não se pode é querer viver com um pé dentro e outro fora, andando-se a vida toda a dizer a Deus e à Igreja aquilo que não se quer assumir e com o qual não nos queremos comprometer, adoptando-se uma conduta de sornice e quase total indiferença em relação aos compromissos e à vida da Igreja. E não me venham lá com essa treta de que quem vai à Igreja não é melhor do que os outros. Deixemos essa parte para a vida eterna, quando estivermos olhos nos olhos com o Criador.

Noto que, cada vez com mais insistência, se começa a questionar o baptismo das crianças, porque, segundo dizem, é um atentado à sua liberdade. Um ou outro pai já me confidenciou que vai deixar essa decisão para o filho, quando for adulto. Não se sentem no direito de lhe impor algo sobre o qual um dia pode vir a discordar. O filho, mais tarde, pode não querer seguir a Igreja Católica. Até lá, vai andando às quatro pancadas. Alguma modernidade bem-pensante, muito sensível à liberdade individual, considera que é mesmo abusivo, até mesmo violento, o baptismo de crianças. Este nosso mundo moderno está cada vez mais incompreensível: ora achamos que temos todos os direitos, ora achamos que não temos direitos nenhuns. Será que quando não queremos baptizar o nosso filho, estamos mesmo a pensar na sua liberdade? Então se assim é, temos de ser mais coerentes: não se lhe dá um nome, o rapaz pode não gostar do nome que lhe deram; não o obriguem a ir à escola, o miúdo pode não querer estudar e, às vezes, até tem de ir para um curso que não gosta, mas que agrada aos pais; não o intoxiquem com propaganda futebolística para ser do mesmo clube do pai ou da mãe; não o obriguem a comportar-se como deve ser, não vá o miúdo apanhar algum complexo ou ficar traumatizado. Quem são os pais para lhe dizerem o que é bem e o que é mal? Então os pais acham que têm direito em impor umas coisas e outras não? Deixem o miúdo em paz. Desculpem, mas esta da liberdade não pega.

O Baptismo não tira nada à criança e é mais um bem que lhe damos. E se um dia o quiser recusar, poderá fazê-lo na sua liberdade. A Igreja, ou melhor, Jesus Cristo, não impõe nada a ninguém. Um pai ou uma mãe, se são verdadeiros crentes, sabem que a fé é preciosa, de um valor inestimável. E se assim é, sentem a necessidade de a comunicar, quanto antes, ao filho e de o ajudar a valorizá-la e a aprofundá-la, até se tornar adulto na fé. Ela não estorva a liberdade, mas com ela, esclarecida e assumida, é que somos verdadeiramente livres. Por outro lado, a fé também é um conjunto de hábitos e de práticas e quanto mais cedo somos introduzidos nelas, mais frutos vamos colher na vida adulta.

Por detrás deste questionamento do baptismo de crianças esconde-se muito comodismo, aversão a compromissos, próprio da cultura contemporânea e, sobretudo, muita falta de fé e de convicções. A invocação do respeito pela liberdade disfarça a frieza que sentimos diante de Deus e a aridez interior em relação aos valores espirituais e religiosos, que a nossa sociedade actual deturpa e desvaloriza, com consequências imprevisíveis. Mas não esqueçamos: tudo na vida tem um pau de dois gumes. Se é certo que uns se podem congratular pelo facto de os pais não lhe terem dado a conhecer a fé, outros poderão acusá-los porque o podiam ter feito, quando tinham todas as condições para o fazer. Que muitos pais não venham a sofrer deste remorso.

 

 

 

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