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minhas notas

20.03.10

 

Estamos no tempo da Quaresma, um tempo de graça e salvação que nos vai levar até á Páscoa, a grande festa cristã. Diante dos últimos acontecimentos e factos, uma quaresma bem vivida poder-nos-ia ajudar a ultrapassar muitos problemas, tanto a nível individual, como comunitário. Ora vejamos.

A quaresma é tempo de oração. Ao ponto a que está a chegar a nossa dívida pública e o nosso endividamento, sendo que uma grande parte do nosso PIB será para a sua futura liquidação, não resta ao governo senão começar a clamar uma intervenção divina, porque já não há orçamento que arrume a casa e, pelos vistos, ninguém está disposto a baixar o seu nível de vida e a mudar os seus hábitos. Durante anos e anos, o país andou a viver acima das suas possibilidades, com dinheiro emprestado. Agora começam a chegar as facturas. Como é que a as vamos pagar, com tão baixo crescimento económico e tanto comodismo dos cidadãos? Vamos rezando, talvez o milagre aconteça…Com menos apego aos bens materiais e ao consumismo daríamos um bom contributo.

A quaresma é tempo de penitência. Sei que num mundo de «boas pessoas», em que parece que ninguém tem nada a ver com o mal que vai acontecendo, propor a penitência pode parecer algo descabido e até a roçar a arrogância. Mas olhem que não. Penso que já era tempo de alguns juízes se penitenciarem das suas sentenças, de alguns funcionários da justiça se penitenciarem dos atropelos injustificáveis ao segredo de justiça, de muitos jornais e televisões pedirem perdão por quererem aumentar as suas audiências e tiragens pactuando com violações ao segredo de justiça, assobiando para o lado quando vêem pessoas a ser julgadas e enxovalhadas na praça pública, de muitos políticos e seus acólitos pedirem ao menos desculpa por terem faltado à verdade, quando enfrentaram os cidadãos olhos nos olhos. Um pouquinho de penitência não faz mal a ninguém.

A quaresma é tempo de jejum. Alguns jornalistas bem podiam fazer algum jejum de palavras, pois cada vez que falam ou escrevem parece que é só para alimentarem polémicas e ajustes de contas. De controvérsia e polémica está farto o país sério e trabalhador. Como as escutas o revelaram, algum jejum de palavras também poderiam fazer alguns membros do governo e gestores de empresas públicas, com requintes de maledicência e rudez que nada lhes ficam bem. Muitos chicos-espertos, que por aí andam, também faziam bem em fazer algum jejum das suas maquinações e habilidades para atingirem cargos para os quais não são competentes, não se valendo apenas de serem amigos deste ou daquele, e quem diz atingir cargos, diz obter préstimos e serviços pouco claros e por meios pouco claros. Jejum de palavras também poderiam fazer alguns deputados, já que,  para eles, estar na política é passar o tempo em ataques pessoais, guerrilhas e intrigas partidárias, que deixam os cidadãos cada vez mais desiludidos com a política.

A quaresma é tempo de partilha. O desnível de salários, em Portugal, é escandaloso. Por muito competentes que os gestores possam ser, nada justifica os salários principescos que auferem, que fazem bradar aos céus. E o mais intrigante é não se vê ninguém com coragem e com sentido de justiça, que esteja disposto a alterar a situação. Ó senhores gestores, que tal pensar um bocadinho mais nos outros? E quem diz os gestores, diz os directores, subdirectores, e por aí fora, das empresas públicas e outras instituições do Estado. Não é porque atingem lucros para além das expectativas que merecem um tratamento de excepção, ainda por cima pago com o dinheiro dos contribuintes.

A quaresma é tempo de renúncia. Em Portugal, telefona-se demais. E quando se telefona não é pelas melhores razões. O muito dinheiro que é gasto a congeminar estratégias para amansar empresas ou grupos económicos, ou a construir impérios, poderia ser aplicado no bem de todos e não apenas de alguns.

Digam lá que, se se levasse a sério a Quaresma, não teríamos um país diferente?

Ironias e reparos à parte, espero que todos os cristãos estejam a viver a sério a quaresma. É o tempo favorável para renovar a vida cristã, rebuscando a frescura do baptismo e combatendo o mal, sob todas as suas formas, presente na vida. Somos levados por Deus ao deserto para reorientar a vida e recuperar o essencial: a nossa identidade de filhos de Deus, que devemos procurar aprofundar. A quaresma é, sobretudo, um tempo para redescobrir Deus e o próximo, que é nosso irmão. «Só a Deus adorarás», disse-nos Jesus no primeiro Domingo quaresmal. Mas para o adorar temos de o descobrir e senti-lo próximo da vida. Para muitos cristãos, Deus é uma ideia ou um conceito, para outros é um conjunto de permissões e proibições, pouco amigo da alegria de viver. É preciso redescobrir-mos o Deus que dá sentido à vida e que é a fonte dessa mesma vida. O deus que torna a vida uma festa e um banquete de vida sem fim, ajudando-nos a combater o mal e o pecado e a enfrentar a morte. Muitos cristãos celebraram os sacramentos da iniciação cristã, mas não descobriram o rosto de Deus. É preciso estabelecer uma relação mais sólida e profunda com Deus e com a Igreja.

Continuação de boa quaresma para todos.

05.03.10

Quem contacta com a realidade do nosso concelho todos os dias, como é o caso de nós, párocos, não deixa de perceber que o concelho está a perder, de forma preocupante, a sua maior riqueza: as pessoas. Umas porque entraram no descanso eterno, e são muitas, outras porque vão para os meios citadinos e outras ainda porque emigram e também são muitas. As nossas aldeias, que são a força do concelho, estão a ficar com poucas pessoas e, na sua maioria, são pessoas de meia-idade e idosas. Mais uma década ou duas, não será leviano afirmar que muitas aldeias parecerão escombros de tempos idos. Após alguns minutos de conversa, não demora muito este tema a vir ao de cima, umas encolhendo os ombros, lamentando-se e sentindo-se impotentes, olhando com melancolia para o fundo das ruas enlameadas, que noutros tempos faziam gemer juntas de bois e batucar socos e eram espaços de forte confraternização, outras falando com saudade dos tempos da sua juventude, em que, apesar de serem tempos duros, eram tempos alegres e de vivacidade, com muita «malta», esboçando um meio sorriso, talvez porque ainda acreditem que um dia ainda se poderá regressar a esses «bons tempos», embora de outra forma.

Para além de outros factores, não é difícil de compreender que tudo isto se deve ao abandono da interioridade por parte do governo central, ao longo dos últimos anos, centrando-se a industrialização e a comercialização nas cidades ou noutros pontos estratégicos. Ao interior foram chegando apenas algumas migalhas de investimento. Aliás, não vai demorar muito o país a perceber que cometeu um erro crasso ao permitir o desenvolvimento de forma desequilibrada. Não há balança que funcione só com um prato. Por outro lado, a agricultura e a pecuária, como sempre, actividades cansativas, tornaram-se pouco lucrativas – e muitos ainda as vão mantendo porque está em causa a sua sobrevivência e dificilmente se adaptariam a outra actividade –, o que levou muitas pessoas a irem à procura de emprego nos grandes centros ou a emigrarem para os outros países europeus. Em grande número, as pessoas que podem assegurar o futuro do concelho e que o podem revitalizar não estão cá. Isto deve merecer uma séria reflexão de todas as forças vivas do concelho.

Já notei que a situação do concelho está no centro das preocupações de muitos barrosões, que orgulhosamente defendem a sua terra e que ansiosamente olham para o seu futuro. Alguns, talvez porque contactaram com outras realidades e estão dentro dos assuntos, vão apontando erros e soluções. Mas fica tudo muito disperso e anónimo. Daí que deixo a minha sugestão, acreditando que do diálogo nasce a luz: organizar, de forma despartidirizada, com todas as forças vivas do concelho, em tempo oportuno, umas jornadas de debate e reflexão sobre a realidade do concelho, em ordem a se debater a sério os problemas do concelho, iluminados por alguns especialistas em interioridade e ruralidade, que seriam convidados para algumas conferências. Seriam um tempo para se dar voz aos presidentes de junta, às associações presentes no concelho, aos empresários, aos licenciados e doutorados, às escolas e outras instituições, assim como a todo e qualquer barrosão que ache que tem algo de bom a partilhar e não tenho a menor dúvida de que há muito barrosão que tem coisas interessantes a dizer. Ouvir a população barrosã é uma boa maneira de a estimular e integrar nas soluções. Hoje está mais que provado que temos que trabalhar em rede e em conjunto uns com os outros e desengane-se quem pensa que tem a solução para todos os problemas. Com as jornadas, poderíamos tomar pulso ao concelho: como está a população, quantos idosos temos, jovens, crianças, emigrantes; o que fazem; as actividades que temos e a sua viabilidade; as zonas mais ricas e as zonas mais pobres; quais as riquezas a explorar; os erros a evitar; quais as causas da situação actual e por aí fora. É sempre bom definirmos o que queremos e o que não queremos. Após o debate sério e fecundo, apontar-se-iam prioridades e firmar-se-ia um pacto para se trabalhar em conjunto. Face à realidade que os concelhos do interior estão a enfrentar, o pior que nos pode acontecer, penso eu, é andarmos a trabalhar de forma desarticulada e ao sabor das intuições de cada um. Está na hora de se reconhecer que a sobrevivência do concelho passa por estarmos unidos no essencial e divergentes no acessório. Claro que um debate sério não poderá deixar de apontar os erros que foram cometidos nas últimas décadas e de denunciar a indiferença e o egoísmo de quem só pensa em si e vive para o mundo dos seus interesses e tem pouco amor à sua terra, estando sempre à espera que os outros resolvam tudo, ou que a situação actual do concelho se deve também a muito imobilismo e comodismo. Mas é algo que não poderá deixar de se fazer.

Sei que para muitas pessoas, este tipo de incitativas é perda de tempo e que, por muito boas que sejam as intenções, acham que acabarão por resvalar para as trincheiras partidárias, resumindo-se em acusação a quem está ou a quem esteve no poder. Mas isso também é um dos males em barroso: arrasta-se tudo para as guerras partidárias e não se percebe que ninguém ganha nada com isso. Não diz o ditado que é falar que a gente se entende?

 

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