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minhas notas

20.01.10

1.D. Manuel Clemente, actual Bispo do Porto, recebeu o Prémio Pessoa de 2009, galardão de 60 mil euros atribuído pelo jornal Expresso, com o patrocínio da Caixa Geral de Depósitos, a personalidades que se distinguiram ao longo do ano nos campos artístico, científico ou literário ou que tenham tido alguma intervenção assinalável no melhoramento da sociedade. A atribuição do prémio a uma eminente figura da Igreja apanhou alguns de surpresa, outros manifestaram a sua discordância, nomeadamente alguma esquerda (já é tempo de alguma esquerda em Portugal perceber que não é proprietária da cultura e que a Igreja tem um grande contributo a dar para o crescimento da sociedade e merece todo o respeito), mas, para uma maioria, é inquestionável a justiça na atribuição do prémio. O Júri, presidido pelo Doutor Francisco Pinto Balsemão, apresentou as razões do galardão: D. Manuel Clemente desenvolveu uma grande acção a favor da «tolerância, do combate à exclusão e de intervenção social», e tem sido uma voz activa e determinada, «num ano e num tempo em que a pobreza e a fome são realidades».

De facto, e na senda dos bispos do Porto, D. Manuel Clemente tem sido uns dos bispos mais interventivos da Igreja, alertando, com perspicácia, para os problemas hoje presentes na sociedade e apelando a amplos debates e reflexões para se encontrarem soluções equilibradas, enraizadas nos valores que há muitos séculos tecem a sociedade portuguesa e europeia. Como homem da cultura, é um bispo com grande bagagem cultural e com grande poder de comunicação, munindo-se de uma linguagem simples e directa, sem malabarismos literários, chegando, por isso, com facilidade às pessoas. A sua capacidade de dialogar e ouvir quem pensa diferente, que deve ser apanágio da Igreja, tem sido notável. Paulatinamente tem ganho o estatuto de ser, hoje, uma grande referência para a sociedade portuguesa, como também o são outras figuras da Igreja. Guardo na memória uma conferência que realizou na Universidade Católica do Porto, era eu estudante, em que apresentava a evolução histórica europeia dos últimos séculos. Primou pela concisão e clareza e gostei da forma como olhava a história, não como uma sucessão de nomes e datas – como infelizmente e tediosamente aprendemos a estudar história, o bom aluno era o que decorava tudo e não o que aprendia a ler e a pensar com a história – mas como um legado para o homem aprender a viver e descobrir caminhos em direcção a um ideal e uma meta que persegue, tanto como homem como sociedade. O mais importante é o que aprendemos com a história e não o que aprendemos da história e perceber as aspirações e anseios que movem o homem, embora não esquecendo o caudal dos homens e acontecimentos concretos que dela fazem parte.

Atento, como sempre, aos últimos acontecimentos e propostas, já manifestou a sua discordância relativamente à ideia lançada pelo vice-presidente da Associação Empresarial de Portugal, Paulo Nunes de Almeida, de se reduzirem os feriados por causa deste período excepcional que estamos a viver. Seria uma boa medida par se aumentar a produtividade e o crescimento do PIB. Mas será que um ou dois feriados resolvem assim tanta coisa? É preciso trabalhar mais ou melhor? D. Manuel Clemente salientou que «ter momentos de celebração é, também, uma boa maneira de combater a crise», «se forem ocasiões aproveitadas criativamente, serão, certamente, um óptimo factor de produtividade e de encontrarmos razões acrescidas para continuarmos». Porque é que nunca ocorre aos nossos empresários não pensar tanto nos lucros ou reparti-los melhor com os bons trabalhadores que estão ao seu serviço? Não é extremamente provocante ver propor medidas para fustigar os trabalhadores e depois apresentar lucros astronómicos?

Questão, onde D. Manuel Clemente tem tido grande intervenção e visibilidade, é a do casamento de pessoas do mesmo sexo. Na sua opinião, é necessária bastante ponderação e uma ampla reflexão, sobre uma questão que pode ser profundamente fracturante para a sociedade portuguesa. Para ele, «temos assistido a uma deriva libertária que vai no sentido de que eu desejo pura e simplesmente, eu quero assim e isso é razão e quase que moral suficiente para seguir independentemente do que os outros pensem ou do que as instituições me peçam, sem ter de dar satisfações a ninguém. Esta deriva do liberal para o libertário está aí». De facto, há que admitir que permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo é um desafio aos nossos princípios e valores e poderá levar a uma descaracterização das nossas sociedades, com danos incalculáveis. A questão é complexa e em vez de andarmos com pressa a condenar ou a manifestar concordância, agarrados a chavões do passado que escondem muita hipocrisia e incompreensão, seria bom que se desse espaço ao diálogo e à reflexão. Infelizmente, hoje em dia, ouvimo-nos pouco uns aos outros. Definimos um dos lados da barricada e depois passamos o tempo a recolher argumentos para derrubar os argumentos do outro, não nos dando conta das incoerências e dos exageros que cometemos. Honestamente, neste momento, nem sou contra nem sou a favor, embora sou levado a ser contra porque acredito profundamente na família, com um pai e uma mãe, sem a qual uma sociedade dificilmente poderá ter equilíbrio e uma vida saudável. Mas as perguntas são muitas para ambos os lados e quero aqui deixar o meu contributo para uma reflexão séria e sem preconceitos. Uma questão que ainda falta dirimir – e que para mim desempenha um papel fulcral – é como entendemos a homossexualidade. É normal ou é um desvio de uma sã sexualidade? Há dias, o Conselho Nacional Executivo da Ordem dos Médicos reafirmou que não existe qualquer tratamento para a homossexualidade. Apoiado num parecer do Colégio de Psiquiatria, este órgão entende que a homossexualidade não é uma doença, mas sim uma variante do comportamento sexual. Se é normal, o homossexual tem os seus direitos e merece outra consideração da nossa parte. Se não é normal, temos que lhe dizer que se vá curar, porque ainda não deu um passo, que é descobrir a alteridade e aprender a viver para a complementaridade. Mas o que fazemos com as pessoas que não ultrapassam a sua homossexualidade? Condenamo-las, como fizemos durante séculos, ao silêncio e ao vexame público? Mas também não será que com a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo estamos a ser cúmplices de um devaneio ou de um capricho de uma sociedade sexualista, que vive obcecada pelo prazer sexual, não olhando a meios para atingir os fins? Não será a homossexualidade uma criação e uma obsessão tonta das sociedades contemporâneas? Mais complexa é a questão da adopção de crianças, por estar em causa o seu são crescimento e a sua liberdade, não se adoptam crianças sem mais nem menos, por capricho, mas há perguntas que não poderemos deixar de fazer. Que certezas temos que é necessário crescer com a masculinidade e com a feminilidade? A vida ensina-nos que deve ser assim, e digo a vida, porque os estudos científicos escasseiam e não são conclusivos, mas não faltam pessoas na nossa sociedade que só cresceram entre tios ou tias ou só com o pai ou só com a mãe e não deixam de ser pessoas boas e equilibradas. O que é preferível para muitas crianças: deixá-las crescer às quatro pancadas num lar onde reina o alcoolismo e a miséria ou dar-lhes a possibilidade de crescer num lar onde é amada e lhe são oferecidas todas as condições para crescer com dignidade? É verdade que o casamento é uma instituição intrinsecamente ligada à união entre um homem e uma mulher, que se prestam a servir a vida e a constituírem uma comunidade de vida e de amor. Mas qual é a razão do casamento: a procriação ou o amor? Alguns casais tomaram a opção de não ter filhos e não deixam de ser um casal e uma família. Ninguém pediu a anulação do seu Matrimónio. Como vemos, as coisas não são preto e branco, como tantas vezes as fazemos.

 

2.Um dos valores que mais prezamos é a nossa privacidade e intimidade. Estamos logo prontos a levantar a voz e a apontar o dedo em riste a quem se dedique a este tipo de intromissões. Um dos valores inquestionáveis em qualquer civilização é o respeito pela privacidade das pessoas. Mas, infelizmente, há autoridades e instituições que se sentem no direito de passar por cima dos valores mais elementares, quando até deviam ser os seus promotores e zeladores do seu respeito. O Parlamento Europeu dá-se ao luxo de perguntar o seguinte aos candidatos a assessores dos eurodeputados: Bebe? Fuma? Tem hemorróidas? Quando foi que teve a última menstruação? Como assim? Mas estas coisas perguntam-se a alguém? Que discreto é o Parlamento Europeu…Algumas perguntas ainda têm cabimento, mas outras nem ao diabo lembram. Ao mesmo tempo, cada candidato tem de apresentar análises e exames de vária ordem, que doenças já sofreu, qual o historial da sua família, se é hipertensa ou se já teve casos de cancro ou de doenças mentais, e por aí fora. Como sempre, há que tentar constituir um grupo de puritanos. Como somos tão pródigos em promover a discriminação e a segregação entre as pessoas. Quando será que aprendemos a olhar para as pessoas porque são pessoas e para o seu valor, esquecendo tudo o resto?

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