29.12.09
1.É para nós inquestionável que os grandes acontecimentos, seja de que ordem forem, exigem preparação. Se esta não acontece, tudo nos passa ao lado e não ficará senão uma vivência superficial. Por isso, a Igreja propõe aos seus fiéis o tempo do advento, um tempo de preparação para o Natal, embora sabendo que o mundo está impaciente para chegar ao Natal. E não só para nos preparamos para o Natal, mas para que a Igreja não desaprenda a viver em advento, porque o Senhor já veio, continua a vir na sua palavra, nos sacramentos e nos múltiplos desafios da vida, e virá no dia da morte e no final dos tempos. É o tríplice advento, que está sempre presente diante da Igreja e que a convida a viver desinstalada e desperta, como S. Bernardo ensinava nos seus sermões.
Um exemplo e uma voz nos guiam nesta caminhada: Maria e S. João Baptista. Destacaria as palavras deste profeta rude e frontal, que popularmente celebramos em Junho: «preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas» e «quem tiver duas túnicas reparta com quem não tem nenhuma e quem tiver mantimentos faça o mesmo; não pratiqueis violência com ninguém nem denuncieis injustamente». Não há verdadeiros encontros e relações sem caminhos e pontes. O Natal é o acolhimento de alguém que nos veio inundar e regenerar com a sua vida sublime, de alguém que nos veio inebriar e fecundar com o seu amor eterno e que nunca mais deixou de o fazer. Por isso, é necessário continuar a fazer todo o esforço por se criar sintonia de desejos e de vontades e continuar a abrir-lhe o coração e a vida para que possamos «ver a sua salvação». Mas será que o mundo está disposto a endireitar caminhos para acolher alguém? Estará alguém disposto a levar a sério o apelo veemente à conversão de S. João Baptista durante este advento e na vida? O mundo moderno, erigindo como valor supremo o individuo e a sua liberdade, tem vindo a promover a desmoralização e a desculpabilização de tudo e mais alguma coisa, tudo tem feito para desresponsabilizar as pessoas dos seus actos e acções, com todo um discurso psicologizante e social, que profissionais da área não se inibem de adoptar, pronunciar a palavra «pecado» é para muitos regressar a um passado tenebroso e sem sentido, participar numas confissões é descabido, já que «cada um é que sabe de si e não tem que prestar contas a ninguém e, além do mais, não sou assim tão má pessoa como isso», enfim, somos um mundo de muita boa gente, que de vez em quando comete uns pequenos deslizes e, se existem más pessoas, são sempre os outros. Como andamos tão ceguinhos. Ou fazemo-nos ceguinhos. É mais cómodo. Permite-nos ir vivendo nas nossas hipocrisias e ao sabor das imoralidades do nosso egoísmo. Depois claro: não há pessoas más e não há mal, mas andamos todos escandalizados e indignados. Acabo de ler no jornal a notícia da condenação de um grupo de jovens a 25 anos de prisão por terem morto uma colega, durante uma orgia sexual, simplesmente porque uma amiga dela não gostou dumas piadas que ela disse. Tão simples como isto. Violência sem motivo ou por motivos fúteis. O comportamento de alguns banqueiros foi o que se viu. A corrupção na política começa a desvelar-se. Todos os dias não faltam vozes a reclamar o regresso da ética à política, à economia e às instituições. A violência doméstica - que vergonha - não pára de aumentar, ou senão aumentou, pouco diminuiu, inclusive entre casais jovens. Relatos de violações a jovens aparecem quase todos os dias nos jornais e televisões, para não falar das violências físicas de outra ordem e verbais, que os noticiários não se fartam de passar até à exaustão. Uma em cada quatro crianças portuguesas vive na miséria e isso pouco ou nada nos importa. Falta de civismo e irresponsabilidade nas estradas acontecem todos os dias. E muitas mais coisas se poderiam enumerar. Não esqueço que o mundo tem muitas coisas boas, mas estas é só para lembrar que não alinho nada com o discurso oficial de que o mal quase não existe e de que quando existe não há responsáveis e se os há é porque são vítimas das circunstâncias. Seria bom que todos, e digo todos, porque ele está em todos, aproveitássemos muito bem o tempo do advento para nos confrontarmos com a verdade da nossa vida e nos dispunhamos a enfrentar a sério a presença do mal e do pecado na vida. É preciso fazer conversão, que tem um sentido claro: abrirmo-nos a um Deus que nos quer sarar por dentro e só Ele o pode fazer, fazendo-se igual a nós, chamando-nos a ser verdadeiramente livres, no amor e na verdade. Enquanto o mal estiver presente na vida nunca seremos os homens e mulheres que deveríamos ser e andaremos sempre longe da alegria e da felicidade que nos realizam como pessoas.
2.A alma do advento é a esperança, mas não uma esperança qualquer, a esperança assente em Cristo, porque Ele é a esperança e sem Ele não há esperança digna desse nome. Viver o advento em direcção ao Natal é abrir-se à verdadeira esperança. Nos últimos anos, o mundo tem atingido sucessos e metas que não passavam de ilusões nos séculos passados. Mas se é certo que nos maravilhamos com os sucessos, também é certo que os vemos florir sobre a areia, fazendo parte de uma vida que se nos escapa, marcada com limites e fragilidades. Crescemos e progredimos, mas estamos sempre a esbarrar na nossa finitude e no cansaço das realidades do mundo. Por outro lado, todos facilmente reconhecemos que estamos a chegar a um beco sem saída, em todos os sentidos. A política não tem ideias, os economistas são pouco claros na apresentação de soluções, as elites andam indiferentes e estão acomodadas, as referências e os valores estão feitos è medida de cada um e sentimos que nada é seguro e sólido. Nada é certo, nada é claro, nada é consensual, nada é estável, tudo deambula ao sabor do tempo. Qualquer nova visão ou doutrina levanta um mar de suspeitas e desconfianças. A própria democracia, até agora não merecedora de qualquer laivo de suspeita, começa a suscitar algumas reservas. Coloquemos as perguntas simples, mas essenciais: Para onde caminha o mundo? Que futuro estamos a construir? Quantas não são as dúvidas e as incertezas que nos cercam. Sem Cristo nada é certo e nada tem sentido, ainda que sejam pequenas conquistas para o rumo do mundo, e não passamos de um belo navio que anda em alto mar sem rumo, apesar de ir vencendo as ondas gigantes. O Papa Bento XVI, na sua Encíclica «Salvos pela Esperança», diz: «é verdade que quem não conhece Deus, mesmo podendo ter muitas esperanças, no fundo está sem esperança, sem a grande esperança que sustenta toda a vida. A verdadeira e grande esperança do homem, que resiste apesar de todas as desilusões, só pode ser Deus – o Deus que nos amou, e ama ainda agora «até ao fim», «até à plena consumação». Só com Ele a vida é Vida e o amor é Amor.
3.Nos últimos tempos, crentes e não crentes preocuparam-se em questionar o celibato dos padres. Durante uma semana, vários programas televisivos debateram o tema, com comentários para todos os gostos. Dois reparos: se os padres se sentem bem como estão, salvo raras excepções, porquê tanta preocupação com as suas opções e a sua liberdade? Não acham um pouco estranho que uma sociedade, infelizmente, marcada com as cicatrizes do divórcio e de casamentos infelizes e instáveis, que só Deus sabe como andam, e que se empenha todos os dias em desacreditar a instituição do Matrimónio, preferindo todos os outros tipos de união, ande tão preocupada em ver os padres casados? Eu acho e muito.
Aproveito para desejar, desde já, um bom natal a todos e boas festas e, por amor de Deus, vão à missa no dia de Natal. Não consigo compreender como se pode viver o natal sem ir à missa. A razão de ser do natal é a incarnação do Filho de Deus. O resto é tudo consequência disso. Não há natal sem Cristo. Será que Ele não merece um beijo simples, mas afectuoso, por todo o encanto que o Natal nos proporciona e por tudo aquilo que fez por nós?