- Senhor Padre, na nossa última conversa falámos do purgatório e espero que tenhamos esclarecido um pouco mais as pessoas.
- Eu também espero que sim, João. Há muitas coisas que dizemos e em que acreditamos que não têm sentido nenhum.
- Então, já agora, Senhor padre, seria oportuno falarmos do Inferno. Acho que também há muita confusão e uma má compreensão do inferno.
- É verdade, João. Cometeram-se muitos exageros à volta dele: tanto na pregação (e aqui, nós padres, temos de bater um pouco no peito), na catequese, na moral cristã, entre outras coisas, de maneira que muitos cristãos interiorizaram que o mais importante era “fugir” ao inferno e o céu logo se veria. Estou a brincar um pouco, João, mas era assim que as pessoas pensavam…Chamo-lhe a esse tempo a “religião do medo”. As pessoas faziam as coisas, não por amor a Deus e aos outros, mas com medo dos castigos de Deus. Não se educou as pessoas para viverem uma fé adulta, no amor. Fica a saber que há pessoas que tinham e têm pesadelos com aquilo que ouviam do inferno. Como foi possível chegarmos a isto? E o que mais me entristece é que ensinámos uma imagem de Deus errada: um Deus vingativo, que, por iniciativa dele, te faz pagar pelo mal que fizeste. Não foi isso que Jesus ensinou…
- Então, Senhor padre, o que é o inferno?
- João, nós aprendemos na catequese que os novíssimos do homem, isto é, as últimas realidades que vamos encontrar, são os seguintes: morte, juízo, inferno, paraíso. Após a morte, teremos o juízo de Deus sobre a nossa vida, e depois deste há duas possibilidades: o inferno ou o paraíso. O inferno será o estado de todos aqueles que livremente não quiseram amar a Deus, que pecaram gravemente contra Ele, contra o próximo e contra si mesmos, e que recusaram até ao fim da vida, acreditar e converte-se. Jesus advertiu-nos de que seremos separados d’Ele se formos indiferentes às necessidades dos pobres e dos pequeninos seus irmãos. Diz o catecismo da Igreja Católica que «morrer em pecado mortal sem arrependimento e sem dar acolhimento ao amor misericordioso de Deus significa permanecer separado d’Ele para sempre, por nossa própria livre escolha. E é este estado de auto-exclusão definitiva da comunhão com Deus e com os bem-aventurados que se designa de Inferno». «A principal pena do inferno consiste na separação eterna de Deus, o único em Quem o homem pode ter a vida e a felicidade para que foi criado e a que aspira».
- Ora, se estou a entender, Senhor padre, o inferno não é um lugar, mas um estado, a grande pena do inferno é a separação de Deus para sempre, é uma consequência do mau uso da nossa liberdade, pois Deus não predestina ninguém para o inferno, nem o deseja para o homem…
- Isso mesmo, João, os ensinamentos da Igreja sobre o inferno são um apelo ao sentido de responsabilidade com que o homem deve usar da sua liberdade, tendo em vista o destino eterno. Constituem, ao mesmo tempo, um apelo urgente à conversão. Quem tiver uma aversão voluntária a Deus durante toda a vida e nela persistir até ao fim, outro destino não terá que o inferno. Quem não quis saber de Deus e dos outros na vida, como poderá depois estar junto de Deus e dos outros na vida eterna? Como já te disse, Deus é bom connosco, mas não poderá deixar de ser justo. Há que acolher o seu amor ao longo de toda a vida.