No dia vinte e um de Dezembro de dois mil e oito, Domingo, saiu um artigo, da autoria de Catarina Gomes, no jornal Público, que não pode deixar de causar alguma inquietação e merecer uma séria reflexão. O artigo referia os seguintes dados: está a surgir, em Portugal e um pouco por toda a Europa, uma nova geração de alcoólicos entre os vinte e os trinta anos; os jovens estão a beber cada vez mais cedo bebidas de alto teor alcoólico; às consultas começam a chegar jovens com cirrose hepática nestas idades, assim como com alterações graves de comportamento, agressividade e doenças psicóticas; as raparigas estão a beber cada vez mais; inclusive, já há casos de morte por cirrose hepática na casa dos trintas anos; estamos a assistir a um fenómeno de “globalização” das tendências de bebida, acontecendo a primeira experiência com álcool aos doze anos e a primeira embriaguez aos catorze anos; na maioria dos casos, sair à noite é sinónimo de consumir álcool. Como ficar impávido e sereno diante desta realidade? Muitas famílias até nem terão conhecimento do que se está a passar, aliás, muitos pais desconhecem muitos aspectos da vida dos seus filhos, mas muitas famílias conhecem a realidade e reagem com total permissividade e até quase indiferença, o que é incompreensível, algumas até patrocinam e favorecem. Não está em causa o direito à diversão, de que todos gostamos de usufruir. Está em causa é a razão e a forma como se faz a diversão, que, na maioria dos casos, é evasão. Sempre me intrigou a necessidade exagerada que muita gente tem de sair à noite, e digo necessidade exagerada porque sair à noite e passar bons momentos com amigos ou família não é mal nenhum. Falo dos casos de muita gente, que tem uma necessidade permanente de viver a noite. Se ainda fossem casos como o de Nicodemos que escolheu a noite para se encontrar com Cristo, o encontro com Alguém que lhe poderia transformar a vida, o abraçar de uma nova proposta de vida, até se aceitaria. Mas não é o que acontece e permitam-me a ironia. Desde há muito que tenho para mim que o “culto” da noite é um sintoma da insatisfação da vida do dia-a-dia, de uma vida vivida sem um projecto de vida, sem um ideal, sem objectivos, sem causas, sem um sentido. Na vida de muitos jovens reina uma grande frustração e um grande vazio. A sociedade tem muita culpa. Todos temos muita culpa. É verdade que se deu uma grande mudança no mundo do trabalho e se verifica nele uma grande instabilidade, deram-se grandes transformações na família, o mundo andou depressa de mais nos últimos anos e há uma grande pressão e dificuldade para o acompanhar, mas o decisivo é que deixámos que uma perspectiva materialista e hedonista da vida configurasse a vida da Europa ocidental, atafulhámos as pessoas com tudo e mais alguma coisa, incentivámos ao desfrute de todo o tipo de experiências e sensações, pusemos a razão da alegria e da felicidade na diversão, no descompromisso e na irresponsabilidade e não nos apercebemos que isto não dá densidade e sentido à vida. Quais as razões que as pessoas hoje têm para viver? Noutros tempos, e não quero dizer que eram melhores, os actuais são sempre os melhores, as pessoas, com grande austeridade e disciplina, levantam-se com objectivos, com um ideal, com metas, tinham um sentido apurado do cumprimento do dever, defendiam uma ideologia, lutavam por causas, empenhavam-se por melhorar a sociedade e a transformar radicalmente. A vida tinha conteúdo e mil e uma razões para se viver e enfrentar, o que se fazia fazia-se com alegria e determinação, os cansaços tinham razão de ser, as abnegações eram oferecidas por um bem maior, os sacrifícios eram aceites em nome do progresso da sociedade, tudo valia a pena. Havia uma grande mobilização em torno de utopias que buscavam o progresso e o bem-estar da humanidade e ninguém queria ficar de fora. Tudo isto desapareceu. As ideologias estão nas gavetas, as causas são mais esporádicas e menos apelativas, os ideais são intrusos num mundo individualista e relativista, os objectivos são imediatos e limitam-se ao bem-estar. Passámos às novas gerações a impressão de que tudo está conquistado, tudo está quase resolvido. Empurrámo-las para uma diversão fútil, desinteressante, alienante, evasiva, bacoca, um “curtir” que outra coisa não é que ir “afogando” na noite o desencanto e o vazio, com muito álcool à mistura, e nela buscar o prazer e a satisfação que não se tem durante o dia e na vida, que não se reveste de perspectivas e horizontes a médio e longo prazo. Não sei se estas são as causas de muitas bebedeiras ou horas tardias, mas que elas lá estão presentes, estão. Sempre fomos um país com grande percentagem de alcoolismo, por força de sermos um bom produtor de vinho a nível mundial, mas que também não justifica tudo. Infelizmente, muita gente não sabe beber com moderação. Não há festa ou evento que não seja visto por muitos como uma boa oportunidade para a embriaguez, não havendo a mínima preocupação com a saúde (depois fazem-se promessas para se recuperar o que foi vítima do nosso descuido) e não se dando conta do ridículo que isso representa. E as novas gerações estão a ir pelo mesmo caminho, mas com consequências ainda mais devastadoras. Há que reagir. Despertemos já para o problema no seu todo, para evitarmos outros problemas futuros. E, sobretudo, gostaria de deixar um apelo aos jovens: ao contrário do que se diz, ser jovem não é curtir a vida, embora alguma diversão saudável seja legítima. O curtir a vida não passa, muitas vezes, de uma fuga da vida ou um adiamento do compromisso e da responsabilidade na vida. Ser jovem é ter a ousadia e o sonho de fazer um mundo diferente, é ter a audácia de pegar no rumo do mundo e o levar mais longe em verdade e humanidade, é viver a liberdade de fazer da vida uma aventura em direcção a uma plenitude, é ter o desplante de abraçar desafios, de rasgar horizontes e abrir caminhos para que a vida seja cada vez mais bela e carregada de sentido, é ter coragem para ir sempre mais além, buscando a vida em toda a sua profundidade e densidade. Não será tempo de mudar?