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minhas notas

19.09.13

Vivemos numa grande crise de objetividade e de verdade, e, por vezes, já começa a ser desesperante. A verdade é fundamental na vida, em plena objetividade com a realidade. Sem a verdade, nada tem valor e consistência, e o homem deixa de ter a bússola que norteia as suas decisões e os seus progressos, deixa de ter firmeza e solidez no seu caminho. As sociedades democráticas (ou talvez os seus bem-pensantes) criaram o dogma, com fortes raízes nos séculos passados recentes, de que nada é absoluto e definitivo, tudo é relativo, não existe nenhuma verdade absoluta, universal, válida e necessária para todos os seres humanos. Mas se assim é, quando nada é definitivo, então também nada é verdade e mentira. Vale tudo e tudo tem valor. Deixou-se de procurar e estabelecer uma verdade vinculada com a realidade, exaltando-se as verdades subjetivas, fechadas sobre si mesmas. Anda por aí à solta, como um privilegiado, o subjetivismo de costas voltadas à verdade dos factos, da vida, da lei, das regras e do homem e da sua natureza, buscando e perseguindo o benefício imediato. Não consigo entender como é que se pode construir uma sociedade e criar um pacto social entre seres humanos, quando não se define e se distingue com clareza e objetividade o que é verdadeiro e o que falso, o que está certo e o que está errado, o que é bem e o que é mal. Não podemos viver no mar da confusão e da desordem, tornando-se a vida indecisa e insuportável. O relativismo e o subjetivismo têm de ter limites, dando lugar a uma verdade sólida e inquestionável, válida para todos. Vejamos alguns exemplos, dos mais variados quadrantes.

O Primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, afirmou que a constituição não é um problema em Portugal, mas sim a sua interpretação. Como assim? Então a Constituição está sujeita a várias interpretações? A Constituição tem de ser clara e objetiva, só pode dizer «uma verdade», não pode dizer três ou quatro verdades e estar sujeita aos pontos de vista de quem a lê. Que confiança mereceria assim uma Constituição? Pode-se questionar o seu conteúdo, que muitos ainda consideram atual e outros obsoleto, mas não se pode dizer que diz várias coisas ao mesmo tempo e que se pode virar para onde nos dá mais jeito.

Os partidos políticos, na análise que fazem à ação e ao desempenho dos vários governos depois do 25 de Abril, proferem balanços antagónicos e sem o mínimo ponto de contacto e de encontro. Como é possível? Então a mesma realidade não está diante dos olhos de todos? Nunca fica nada assente, que se possa assinalar como certo e histórico. Ficam as meias verdades de cada família política, que depois o historiador, com que isenção, sabe-se lá, terá de desmontar.

Motivo de maior perplexidade é a justiça. É incompreensível e até mesmo escandaloso o que se passa com a lei em Portugal. Os maiores atributos de uma lei são ser clara e objetiva na definição do que é justo e correto. Qual não é o nosso espanto quando ouvimos que uma mesma lei origina seis pareceres diferentes. Como é que se pode acreditar numa lei assim, numa lei à vontade do freguês, numa lei confusa e labiríntica? É inacreditável o que se passa com a justiça em Portugal. Está claramente agrilhoada por interesses instalados e é um fator estimulador e gerador de gritante desigualdade entre os cidadãos. É por aqui que começam a cair as democracias.

No jornalismo, que na minha modesta opinião, já teve melhores dias, há dez ou quinze anos atrás os jornais e as revistas tinham mais qualidade, reina a vaidade e a feira das opiniões, ou, nas palavras do jornalista Paulo Baldaia, a «ditadura do comentário». Parece que importa mais o que se diz e se interpreta dos acontecimentos do que os acontecimentos em si, quase já não se percebendo no fim o que de facto aconteceu, mas o que parece que aconteceu, segundo a opinião de cada um. O jornalismo nasceu para informar e contar a verdade dos acontecimentos e não o que parece que é verdade nos acontecimentos, por muito diferentes que sejam os olhares. Se perde esta ligação umbilical com o acontecimento, torna-se conversa de snack-bar. Como escreveu Paulo Baldaia: «Nunca foi consumida tanta informação e, paradoxalmente, nunca valeu tão pouco o jornalismo. Na Internet, onde a maioria procura informar-se, o que mais há são rumores, boatos e teorias da conspiração. Nos jornais, rádios e televisão há cada vez menos condições para investigar, analisar, produzir bons dossiers informativos. Vale a santa opinião. O estatuto de um jornalista mede-se mais hoje pela capacidade de produzir opinião do que pela qualidade das notícias que faz».

Nas redes sociais e nas muitas conversas do dia-a-dia, é mais do que notório o relativismo e o subjetivismo reinante, medindo-se tudo pelo ponto de vista pessoal, sem preocupação pela verdade e sem prudência e fundamentação por aquilo que se diz. Mas estarão as pessoas capacitadas para dar opiniões? Eis a questão. Duvido que muitas pessoas leiam, estudem, investiguem e reflitam. A grande enciclopédia de muitas pessoas é o que os outros dizem e espelham por aí, não se questionando o que se ouve e se escreve. Se ainda ao menos se reconhece-se isto, mas não. Impera uma ignorância soberba, que não sabe e não quer saber e que para se esconder e não perder mais tempo bombardeia rapidamente com insultos e impropérios. E lá se vai andando, orgulhosamente convencido, com opinião para tudo, muitas vezes sem se saber nada de nada ou não se fazer nada para se saber alguma coisa, humildemente aberto a uma verdade mais profunda e fundamentada.

Não podemos ficar apenas no relativismo e no subjetivismo. Temos de chegar à verdade e à objetividade. Assim o exige a vida e a inteligência. Enrique Rojas escreveu: «O limite do relativismo tem de ser imposto pela existência de algo absoluto, objetivo e ponto de encontro da condição humana. Há que buscar a verdade universal, aquela que se encontra acima das ideias pessoais ou das preferências particulares. Se não for assim, caímos numa verdade por encomenda, que cada um assume segundo os seus gostos e opiniões. O absoluto gira e compõe-se de valores milenários e invariáveis, como essas estrelas fixas que iluminam o nosso caminhar noturno».

Joseph Ratzinger, antes de ser escolhido para Papa Bento XVI, contou na Universidade Sorbonne, em França, em 1999, uma parábola, chamando logo atenção que “o homem contemporâneo reconhece-se nesta parábola”. “Uma vez, um rei do norte da Índia reuniu todos os cegos da cidade. Depois, fez passar um elefante diante deles, deixou que uns tocassem na cabeça, e disse: ‘Um elefante é assim’. Outros puderam tocar na orelha ou no dente, na tromba, no lombo, no casco, na traseira, nos pêlos da cauda. O rei, em seguida, perguntou a cada um: ‘Como é um elefante?’. E, segundo a parte que tinham tocado, respondia,: ‘É como um cesto entrançado...’, ‘é como um vaso...’, ‘é como a haste de um arado...’, ‘ é como um armazém...’, ‘é como um pilar...’, ‘é como uma giesta...’. Então – continua a parábola – começaram a discutir, gritando: ‘O elefante é assim’, ‘não, é assim’, atiraram-se uns aos outros e começaram a lutar”. Olhemos bem para nós.  

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