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minhas notas

25.11.13

Estamos no mês de Novembro, popularmente denominado o mês das almas, ou seja, um mês em que toda a Igreja recorda e reza por todos aqueles que já partiram deste mundo, os defuntos (aqueles que cumpriram a sua «função» ou missão e agora estão em Deus), animada na feliz esperança da ressurreição e da vida eterna, verdade basilar da fé cristã. Por todas as paróquias do Barroso, dentro do possível, celebra-se a eucaristia e canta-se o ofício pelos defuntos, oração de louvor e súplica a Deus, e oferece-se a celebração do Sacramento da Confissão a quem o desejar, para que se celebre um verdadeiro momento de comunhão entre todos os membros de Cristo, em Cristo e com Cristo.

Durante este mês é inevitável não pensar nessa realidade ou acontecimento que nos espera a todos: a morte. Não somos eternos neste mundo, a nossa vida é finita, é passageira, e não sabemos nem o dia, nem a hora. Morte certa, hora incerta. Todos esperamos uma vida longa e desejamos deixar o mundo com uma velhice serena, mas a vida ainda tem códigos que ainda não deciframos e esconde as suas contas e os seus esquemas. Ainda assim, caminhamos determinada e serenamente, porque o sol nunca deixará de aparecer, sacudidos pela sede de vida, de eternidade, de vida plena e total, de imortalidade que nos habita. É muito importante nunca deixar de refletir sobre a morte e de a termos bem presente nos horizontes da nossa vida, sem morbidez, porque o sentido que lhe dermos marca decisivamente o rumo que damos à vida e a forma como vivemos. Diz-me como vês a morte e eu dir-te-ei como vives.

Na sociedade atual, notamos várias respostas ou formas de encarar a morte, que nos deixam sempre desconsolados, desorientados e insatisfeitos. Em primeiro lugar, temos a ignorância ou a fuga da morte. Um bom número de pessoas tenta não pensar na morte e fazer de conta de que ela não existe. Come, bebe, goza a vida e um dia ponto final. Não penses que vais morrer. Só tens esta vida, aproveita-a. Já vem dos gregos e dos romanos: carpe diem, goza o dia, goza o presente, leva a vida na boa e um dia estoiras e pronto. Muitas pessoas, simpatizantes desta estreita visão, não têm paciência para ir a funerais, e compreende-se porquê, e, se vão, não conseguem evitar o semblante apascaçado, e não admitem temas fúnebres nas conversações. Sabemos o que esta filosofia de vida arrasta atrás de si: um inferno para a nossa vida, pela conduta que lhe damos, por norma amoral e imoral, escrava dos prazeres do mundo, e um inferno para os outros. Importa perguntar: será que esta visão leviana e infantil da vida pode dar sentido a toda uma vida? Se a vida é só para gozar, para que é que temos inteligência e sedes profundas? E os que a não podem gozar, que sentido podem dar à vida? O que é que adianta viver seja o que for, sem continuidade e sem sentido? Uma vida assim é uma vida digna de pessoas humanas? Como podemos ficar resignados diante de um fim da vida, se viver é tão belo? É preciso pensar a vida para lá do carpe diem. Ignorar a morte é uma pobre solução. É cómodo ignorá-la porque nos permite ir vivendo ao sabor do que mais nos interessa e convém. Mas, a médio e longo prazo, deixa-nos num beco de desespero e de perdição. Todos pressentimos que a vida tem algo de mais profundo que é importante descobrir e viver.

Uma segunda atitude diante da morte é o desespero e a angústia, a dor de ter de se deixar tudo que se ama e saboreia, encarando-se a morte como o fim violento de tudo, da vida, de todos os sonhos e projetos, de todas as aspirações e utopias, um ponto final inaceitável, que tira sentido a tudo o que homem faz. Quem assim a entende sente-se tentado a não lutar por nada e pensar que tudo é vão. Na linha de alguns filósofos, «a vida é uma paixão inútil», porque um dia já não estamos cá e não aproveitaremos o que construímos e semeámos. A vida é um absurdo! Mas onde é que está escrito que ela é o fim de tudo?

Uma terceira atitude é a exorcização da morte, a tentativa de esconder o que ela tem de doloroso e violento, vendendo-se mesmo a ideia de que ela não existe, não passa de uma «ilusão», o homem tem forças para a vencer e para nunca deixar de viver. Não faltam seitas e filosofias orientais a porem nas montras dos seus templos estas ideias e vão tendo adeptos. É um bom ensaio para se tentar domesticar a morte e afastar a assombração que ela nos provoca, mas não convence. Ela existe mesmo e dói.

Mais estranha é a atitude daqueles que se divertem com a morte, de várias formas, como vamos vendo todos os dias. Se uns a ignoram, para outros é a coisa mais normal do mundo. Até nós já nos habituámos a ver filmes e séries e a jogar jogos de extrema violência, em que matar e morrer é uma banalidade. Não deixa de ser estranho e não devemos deixar de nos questionar sobre a nossa sanidade humana e psicológica. Assim como também é esquisito aceitá-la sem o mínimo de pavor e de repúdio, em nome de fins duvidosos e macabros, como é o caso dos terroristas suicidas. O terrorismo choca-nos porque é o cume da irracionalidade e da imoralidade que julgaríamos que jamais um ser humano atingiria e tem um «prazer» obsceno pela morte. 

Jesus Cristo ensina-nos a ter a atitude correta diante da morte e a saber vivê-la com toda a sua verdade e, sobretudo, com esperança. Jesus Cristo teve sempre a morte no horizonte da sua vida e sabia que pela sua pregação e pelas suas obras ela estaria iminente na sua vida. Como todo o homem, não deixou de sentir medo e angústia, mas não fugiu dela e procurou dar-lhe um sentido, cheio de confiança no «Pai»: através da morte, iria de novo abraçar o Pai, a quem amou e serviu com todas as forças, e conquistaria um tempo de vida nova e de libertação e salvação para os outros, irmãos dele em Deus. E assim aconteceu, porque ao terceiro dia estava vivo e vivo para sempre, o Senhor. A partir do mistério central da vida de Jesus, a sua morte e ressurreição, fez-se luz sobre o mistério da morte: ela não é o fim da vida, mas o início de uma nova vida, eterna e definitiva (o Dies Natalis – o dia do nascimento - dos primeiros cristãos), a entrada na plenitude da vida, junto de Deus. Como gosto de dizer, Deus organizou a vida por etapas, sem nunca deixarmos de ser a mesma pessoa: a primeira etapa é a vida terrena, onde devemos levar a cabo a nossa humanização, na vivência do amor e na otimização da nossa capacidade de amar; depois, entramos na segunda etapa, definitiva, a nossa divinização junto de Deus, «seremos semelhantes a Ele (Deus), porque o veremos tal como Ele é», como nos diz S. João, divinização que já começou no Batismo. O termo ressurreição é apropriado porque vinca o fim de uma forma de vida e a entrada numa outra vida, acompanhando-nos o progresso que já fizemos na nossa capacidade de amar e de nos doarmos. Portanto, lembremo-nos: em Cristo já somos eternos. Não deixemos de cantar bem alto esta nossa esperança e esta nossa fé durante o mês das almas.

22.05.09

No dia 15 de Março, o Jornal Público publicou um estudo sobre as mudanças que estão a acontecer na forma como se está a morrer nas sociedades contemporâneas. A jornalista Alexandra Campos serviu-se, para isso, da tese de mestrado em Bioética do Padre José Nuno, actual Capelão do Hospital de S. João, no Porto, e Coordenador Nacional e Diocesano dos Capelães Hospitalares, padre que tive o privilégio de ter como prefeito e educador durante um ano no Seminário do Porto. Uma das grandes conclusões a que o P. José Nuno chegou na sua tese de mestrado, é que, no espaço de uma geração, o local da morte transferiu-se de casa para o hospital. A morte deixou de ser um passo íntimo, em família. Se, em 1970, 80% dos doentes morriam em casa, hoje em dia só um terço das pessoas morre em sua casa, acontecendo mais no Norte que no Sul. Diz o P. José Nuno, “no século XX a atitude do homem perante a morte mudou. E, como a atitude mudou, mudou o modo de morrer”. Os hospitais não estavam preparados nem sensibilizados para esta realidade e daí que agora se esteja a desenvolver todo um esforço de domiciliação e humanização do hospital, alargando-se a rede de cuidados paliativos, que ainda só dão resposta a 10% das necessidades, e permitindo-se a presença de familiares nos últimos momentos de vida do doente, já que ninguém quer morrer sozinho, sem um último olhar ou aperto de mão.

Porque é que estas mudanças aconteceram? Todos, possivelmente, queremos ter uma morte íntima, em família, é a mais digna de uma pessoa humana. Todos guardamos na memória aquelas imagens de um pai ou mãe que gostava de reunir à sua volta toda a sua família e deixar-lhe as últimas recomendações e, sentindo o calor e os últimos afagos da família, cerrar lentamente os olhos. É a morte serena e reconciliada. Infelizmente, a nossa sociedade começou a ver esta forma de morte como sinal de atraso e até de negligência, o que não é verdade, e instalou-se a ideia de que morrer bem é morrer num hospital, ligado às máquinas. É verdade que se deu uma grande mudança na realidade familiar e hoje é praticamente impossível a muitas famílias acompanhar um doente até ao fim da sua vida. Mas as razões destas mudanças são mais profundas: em primeiro, a nossa indisponibilidade para nos dedicarmos a quem quer que seja, já que o importante sou eu e a minha vida, muito menos a alguém que já é “inútil”, que possivelmente até fez muito por nós, mas que facilmente esquecemos num estalar de dedos, e, em segundo, a sociedade do bem-estar que decretámos nos últimos anos, que não demorará muito a falir, que não suporta o espectáculo do sofrimento e da morte nem o convívio com os que sofrem e os que morrem, como o P. José Nuno sublinha na sua entrevista. Proclamou-se que só se deve mostrar e conviver com o que torna a vida gira, gozosa, alegre, curtida, escondendo-se a morte, não vá isso traumatizar alguém, como se ela e o sofrimento ligado a ela não fizessem parte da vida… Repare-se como o luto não tem nenhum valor para as novas gerações e quem se dispõe a vivê-lo, nem que seja num curto espaço de tempo, é logo apelidado de antiquado e retrógrado. E pior ainda é o fenómeno da americanização da morte a que já começamos a assistir, iludindo-se a morte, mascarando o cadáver e pondo-o mais bonito do que quando estava vivo, tentando-se assim suavizar o “choque” da morte. Esquecer a morte e tudo fazer para eliminar o mínimo vestígio da sua presença na vida não é senão preparar as pessoas para uma má morte ou uma má vivência da morte. Seja qual for o lugar da morte, que ninguém deixe de ter a devida assistência e atenção para morrer com dignidade e evite-se a todo o custo que alguém morra abandonado.

 

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