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minhas notas

05.03.10

Quem contacta com a realidade do nosso concelho todos os dias, como é o caso de nós, párocos, não deixa de perceber que o concelho está a perder, de forma preocupante, a sua maior riqueza: as pessoas. Umas porque entraram no descanso eterno, e são muitas, outras porque vão para os meios citadinos e outras ainda porque emigram e também são muitas. As nossas aldeias, que são a força do concelho, estão a ficar com poucas pessoas e, na sua maioria, são pessoas de meia-idade e idosas. Mais uma década ou duas, não será leviano afirmar que muitas aldeias parecerão escombros de tempos idos. Após alguns minutos de conversa, não demora muito este tema a vir ao de cima, umas encolhendo os ombros, lamentando-se e sentindo-se impotentes, olhando com melancolia para o fundo das ruas enlameadas, que noutros tempos faziam gemer juntas de bois e batucar socos e eram espaços de forte confraternização, outras falando com saudade dos tempos da sua juventude, em que, apesar de serem tempos duros, eram tempos alegres e de vivacidade, com muita «malta», esboçando um meio sorriso, talvez porque ainda acreditem que um dia ainda se poderá regressar a esses «bons tempos», embora de outra forma.

Para além de outros factores, não é difícil de compreender que tudo isto se deve ao abandono da interioridade por parte do governo central, ao longo dos últimos anos, centrando-se a industrialização e a comercialização nas cidades ou noutros pontos estratégicos. Ao interior foram chegando apenas algumas migalhas de investimento. Aliás, não vai demorar muito o país a perceber que cometeu um erro crasso ao permitir o desenvolvimento de forma desequilibrada. Não há balança que funcione só com um prato. Por outro lado, a agricultura e a pecuária, como sempre, actividades cansativas, tornaram-se pouco lucrativas – e muitos ainda as vão mantendo porque está em causa a sua sobrevivência e dificilmente se adaptariam a outra actividade –, o que levou muitas pessoas a irem à procura de emprego nos grandes centros ou a emigrarem para os outros países europeus. Em grande número, as pessoas que podem assegurar o futuro do concelho e que o podem revitalizar não estão cá. Isto deve merecer uma séria reflexão de todas as forças vivas do concelho.

Já notei que a situação do concelho está no centro das preocupações de muitos barrosões, que orgulhosamente defendem a sua terra e que ansiosamente olham para o seu futuro. Alguns, talvez porque contactaram com outras realidades e estão dentro dos assuntos, vão apontando erros e soluções. Mas fica tudo muito disperso e anónimo. Daí que deixo a minha sugestão, acreditando que do diálogo nasce a luz: organizar, de forma despartidirizada, com todas as forças vivas do concelho, em tempo oportuno, umas jornadas de debate e reflexão sobre a realidade do concelho, em ordem a se debater a sério os problemas do concelho, iluminados por alguns especialistas em interioridade e ruralidade, que seriam convidados para algumas conferências. Seriam um tempo para se dar voz aos presidentes de junta, às associações presentes no concelho, aos empresários, aos licenciados e doutorados, às escolas e outras instituições, assim como a todo e qualquer barrosão que ache que tem algo de bom a partilhar e não tenho a menor dúvida de que há muito barrosão que tem coisas interessantes a dizer. Ouvir a população barrosã é uma boa maneira de a estimular e integrar nas soluções. Hoje está mais que provado que temos que trabalhar em rede e em conjunto uns com os outros e desengane-se quem pensa que tem a solução para todos os problemas. Com as jornadas, poderíamos tomar pulso ao concelho: como está a população, quantos idosos temos, jovens, crianças, emigrantes; o que fazem; as actividades que temos e a sua viabilidade; as zonas mais ricas e as zonas mais pobres; quais as riquezas a explorar; os erros a evitar; quais as causas da situação actual e por aí fora. É sempre bom definirmos o que queremos e o que não queremos. Após o debate sério e fecundo, apontar-se-iam prioridades e firmar-se-ia um pacto para se trabalhar em conjunto. Face à realidade que os concelhos do interior estão a enfrentar, o pior que nos pode acontecer, penso eu, é andarmos a trabalhar de forma desarticulada e ao sabor das intuições de cada um. Está na hora de se reconhecer que a sobrevivência do concelho passa por estarmos unidos no essencial e divergentes no acessório. Claro que um debate sério não poderá deixar de apontar os erros que foram cometidos nas últimas décadas e de denunciar a indiferença e o egoísmo de quem só pensa em si e vive para o mundo dos seus interesses e tem pouco amor à sua terra, estando sempre à espera que os outros resolvam tudo, ou que a situação actual do concelho se deve também a muito imobilismo e comodismo. Mas é algo que não poderá deixar de se fazer.

Sei que para muitas pessoas, este tipo de incitativas é perda de tempo e que, por muito boas que sejam as intenções, acham que acabarão por resvalar para as trincheiras partidárias, resumindo-se em acusação a quem está ou a quem esteve no poder. Mas isso também é um dos males em barroso: arrasta-se tudo para as guerras partidárias e não se percebe que ninguém ganha nada com isso. Não diz o ditado que é falar que a gente se entende?

 

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