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minhas notas

13.04.11

Face à paralisia e ao coma em que está a Igreja católica alemã, após a mediatização dos abusos sexuais de crianças e jovens praticados por sacerdotes e religiosos, duzentos e quarenta professores e professoras de teologia (ramo do saber que tem por objecto o estudo de Deus e da religião), sentindo que não podiam continuar indiferentes, publicaram um memorando, ou se quisermos um manifesto, num jornal alemão, apontando alguns campos onde a Igreja católica tem de empreender algumas reformas profundas. O manifesto tem como título ‘Igreja 2011: um ressurgimento necessário’. A descoberta de abusos sexuais no seio da Igreja deixou patente, na opinião deles, que é preciso uma mudança, um novo começo, uma viragem nas estruturas, na organização e na disciplina e na doutrina da Igreja, como, aliás, vários bispos têm também reclamado em entrevistas e pregações. Está na hora de a Igreja se renovar, sob pena de perder muitos fiéis, como aconteceu na Alemanha no último ano, e sob pena de a Igreja perder capacidade de dialogar com a sociedade do seu tempo, a quem é enviada. A Igreja é feita por homens e estruturas, que, mais tarde ou mais cedo, acusam cansaço e inadaptação às exigências das novas linguagens e dos novos desafios que os tempos apresentam. E se é certo que a Igreja convictamente se sente no dever de levar o Evangelho à sociedade, também tem que ter a humildade suficiente para ouvir a sociedade em ordem ao seu aperfeiçoamento, em clima de franco diálogo, para essa mesma sociedade ser Igreja, percebendo que não pode ficar eternamente agarrada ao mesmo imobiliário doutrinal e ao dogmatismo de métodos e estratégias, por muito peso que tenha a sua história.  

No manifesto, os professores e professoras propõem várias reformas ou ‘campos de acção’: 1. Maior participação dos fiéis leigos nas acções e nas decisões da Igreja. Porque é que não são ouvidos na nomeação de um novo pároco ou de um novo bispo? 2.Reforço da vida comunitária dentro da Igreja. A criação de unidades administrativas enfraqueceu o espírito comunitário. Não havendo comunidade, não há proximidade, pertença e partilha. Fica-se um pouco perdido e distanciado. Para se evitar padres sobrecarregados, devia-se repensar a situação dos padres casados e o acesso das mulheres ao sacerdócio. 3. Uma cultura jurídica clara dentro da Igreja. Cada cristão deve estar devidamente esclarecido quanto aos seus direitos e aos seus deveres e responder efectivamente por ambos. 4. Liberdade de consciência dentro da Igreja, promovendo-se a responsabilidade e evitando-se o tique de tutelar e controlar exageradamente os fiéis. Uma maior atenção aos homossexuais e aos divorciados recasados. 5. Fomento da reconciliação fora e dentro da igreja. Rigor quanto ao pecado, misericórdia para com o pecador. É inadmissível dentro da Igreja uma moral rigorista sem misericórdia. 6. Maior abertura da liturgia a novas expressões e experiências. A liturgia não pode estar amarrada ao tradicionalismo. Unidade não é uniformidade.  

Concordo com todos os pontos. Mas há um que me chama mais atenção: o acesso das mulheres ao sacerdócio. Concordo plenamente. Já é tempo de a Igreja eliminar uma injustiça que tem cometido há séculos. A mulher não tem nada a menos do que o homem para poder desempenhar dignamente o ministério ordenado dentro da Igreja. Tem a mesma dignidade e o mesmo valor do homem, que o livro do Génesis já diz há séculos. A vocação de ser padre é um chamamento de Deus. Então Deus só chama homens? Deus é sexista e machista? Já nem falando do chamamento só de celibatários. Não consigo ter argumentos sólidos que justifiquem o não acesso das mulheres ao sacerdócio, a não ser por puro preconceito ou torpe irracionalidade. A Igreja transportou para dentro de si acriticamente as considerações mesquinhas e enviesadas das culturas que fazem do homem o actor principal e da mulher um actor secundário, subordinado ao homem. O maior argumento contra o acesso das mulheres ao sacerdócio é o facto de Jesus Cristo só ter escolhido homens para apóstolos (este argumento tem os seus perigos. Se o ser homem foi decisivo, porque é que ser pescador ou cobrador de impostos não é? Só se deveriam escolher para padres e bispos pescadores e cobradores de impostos. E porque é que o facto de alguns deles serem casados é esquecido?). Mas, para mim, a razão porque o fez é clara: no seu tempo a mulher estava reduzida a nada. Era considerada inferior ao homem (dizia-se que era melhor queimar a Lei do que dá-la a uma mulher). Entregar o anúncio do evangelho e os alvores da Igreja a mulheres, dentro de culturas marcadamente androcentricas e machistas, era condenar tudo ao fracasso. E não porque considera-se mais os homens do que as mulheres. Aliás, quem usa aquele argumento esquece-se que Jesus Cristo foi um revolucionário em relação ao machismo rabínico que imperava no seu tempo, admitindo mulheres como discípulas e, inclusive, entrado nas suas casas, o que era considerado um escândalo. Na sua prática é notório um progresso em relação às mulheres, que depois a igreja interrompeu, tornando o sacerdócio um privilégio dos homens. Várias mulheres o seguiram e auxiliaram ao longo da sua vida. Da sua nova forma de ver as mulheres e de as considerar resultaram das mais belas páginas dos Evangelhos. E foi, nem mais, uma mulher a primeira a anunciar a ressurreição. S. Paulo, nas suas cartas, não deixa de nomear inúmeras mulheres que o auxiliavam no seu apostolado e que, possivelmente, exerciam lideranças importantes nas comunidades paulinas. Seriam até diaconisas. Quem é que hoje em dia se empenha na catequese, nos coros, nos serviços paroquias, e até já nas comissões das comunidades cristãs? São as mulheres. Se lhes é reconhecida capacidade para tudo isso, porque será que não podem aceder ao sacerdócio? Não será a falta de vocações um sinal para a Igreja de que é preciso romper com a história e quebrar cadeias injustas? Não estará na hora de dar mais um passo em frente como Abraão fez, ao estar disposto a sacrificar o seu filho a Deus? A história da Igreja tem o seu peso, mas mais importante do que a história é o homem e o Evangelho. Tenho pena que uma disciplina tão rígida da Igreja se baseie num único gesto de Jesus, esquecendo a sua prática e a sua mensagem na globalidade.

Em tempo de Quaresma, tempo de mudança e de conversão, a Igreja pode aproveitar para ir ao deserto encontrar-se com a sua verdade e com a verdade do Evangelho. Por norma, há sempre uma grande resistência à mudança dentro da Igreja. Reina a impressão de que mudar é perder genuinidade ou até caminhar para a perdição. Alguns argumentarão que, nestes dois mil e tal anos de história cristã, vontades de mudança sempre ouve, que o vento se encarregou de levar para longe. A ‘verdadeira’ Igreja vai sobrevivendo incólume. Assim como Jesus Cristo teve a sua «hora», também começa a chegar a hora de a Igreja perceber que mais do que querer mudar o mundo, chegou a hora de ela mesma mudar. E não tem que ter medo da mudança. A Igreja nasceu da mudança, nasceu do ímpeto daqueles que tiveram coragem de fomentar uma ruptura com o seu passado judaico e se abriram ao Reino de Deus pregado por Jesus de Nazaré, nasceu dos que se dispuseram a ser odres novos para um vinho novo, que era a Palavra de Jesus Cristo. O medo é sempre fraco conselheiro. De que é que tendes medo, homens de pouca fé? 

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