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minhas notas

23.11.12

No ano de 2009, o Papa Bento XVI, num discurso de felicitações natalícias a toda a cúria romana, manifestando inquietação face ao ateísmo e à indiferença religiosa atual, sugeriu a criação de um «átrio dos gentios», um espaço de diálogo entre crentes e não crentes, uma nova estrutura de investigação, encontro, participação e reciprocidade encaminhada para um enriquecimento comum, uma janela aberta sobre o vasto, múltiplo, inquieto e rico mundo da cultura contemporânea, nas palavras do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura.

            Após algum tempo de ponderação e reflexão, o Conselho Pontifício da Cultura, no ano de 2011, lançou a iniciativa em algumas cidades europeias, fomentando o encontro, a partilha e o diálogo entre crentes, ateus e agnósticos, sem intuitos de querer converter ninguém, mas procurando compreender melhor outras visões da vida e do mundo, encontrar pontos de união e de convergência, escutar quem pensa diferente, aprofundar o conhecimento mútuo, sanar mal-entendidos, possibilitar uma melhor compreensão da mundividência cristã, abrir caminho aos que andam à procura de Deus. Por estes dias, chegará a Braga e a Guimarães, mais concretamente nos dias 16 e 17 deste mês, centrado no Valor da Vida.

            De onde vem o nome da estrutura? O átrio dos gentios (todos os povos não judeus que não tinham o conhecimento e a fé em Deus, povos pagãos) era um espaço (pátio) do antigo templo de Jerusalém, onde todos podiam aceder livremente, independentemente da sua religião, cultura e língua (quem não era judeu não podia aceder às outras partes do templo). Os sacerdotes e os escribas detinham-se ali a dialogar com todos os estrangeiros que queriam conhecer melhor a fé do povo judeu.

            Com esta estrutura, que tem sido um “espaço de diálogo entre crentes e não crentes sobre os grandes temas: a verdade, a justiça, o direito, a arte, o amor, a morte, a palavra sagrada das tradições religiosas, a transcendência, a ciência, o mal, a dor”, a Igreja Católica manifesta abertura, tolerância e capacidade de escuta. É de salientar. É bom ver a Igreja quebrar o autoritarismo, a rigidez, o fechamento, a intransigência, o pretensiosismo e, até certo ponto, a arrogância de outros tempos, que nunca deveriam marcar a sua postura na terra dos homens, na opinião de algumas franjas da sociedade. O não crente deixou de ser anátema e condenado à perdição e passou a ser o parceiro de diálogo e de partilha, como sempre deveria ser visto, no respeito pela sua liberdade.

Pessoalmente, não acredito nos crentes e nos não crentes que não têm dúvidas e que não questionam aquilo em que acreditam ou não acreditam. Ou é cegueira ou comodismo. Um crente que não questiona permanentemente a sua fé (entenda-se, não no sentido de pôr em causa a fé, mas de acreditar melhor e aprofundar os princípios da fé) é um fraco crente. Acreditar é pôr-se a caminho, é ser peregrino de um mistério que se vai dando a conhecer aos poucos, que exige busca contínua, quer intelectualmente, quer espiritualmente. O próprio Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura reconhece-o: «A própria fé - ponto crucial - necessita de diálogo e dinamismo, não só para se aprofundar e saber dar razão dela mesma, mas também para fazer-se permeável e depurar-se de toda a rigidez, de todo o fundamentalismo, de toda a posição deduzida e já incapaz de fecundidade pelo espírito». Crentes e não crentes têm muito a ganhar com esta plataforma de diálogo que a Igreja criou. Uns perceberão as incoerências e as lacunas da sua fé e a necessidade de mais reflexão e fundamentação. Outros perceberão o sem sentido e a inconsistência do seu pensamento e a vacuidade da sua visão da vida, mas também que não estão assim tão longe de Deus como pensam. Ao mesmo tempo, perceberão que não têm de se odiar ou evitar e que podem conviver e estabelecer compromissos para a edificação de uma humanidade mais justa e solidária, no respeito pela casa comum e pela dignidade da pessoa humana.

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