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minhas notas

05.06.15

Duas enfermeiras do Centro Hospitalar do Porto queixaram- se de que foram obrigadas a fazer um teste de amamentação, espremendo as mamas diante de médicos de saúde ocupacional, para se comprovar que de facto ainda estavam a amamentar e assim terem direito a menos duas horas de trabalho, como manda a lei.

 O caso, mal foi conhecido, gerou imediatamente polémica, ganhou rapidamente os contornos de um «escândalo», e, como não podia deixar de ser, alguns partidos pediram urgentemente esclarecimentos ao Centro Hospitalar do Porto e ao governo, manifestando a sua indignação por tamanho atentado à dignidade das mulheres. O governo, pelo seu ministro da saúde, informou que desconhecia esta metodologia e que iria averiguar e o diretor do Centro Hospitalar do Porto informou que este método será abandonado, sendo substituído por outro procedimento mais correto e menos vexatório.

 Temos de concordar que, de facto, o método é indecoroso e abusivo. Se existem outras formas de o fazer, mais dignas e menos humilhantes e intrusivas à intimidade das pessoas, há que as pôr em prática. Uma entidade patronal tem direito à verdade e a pedir a devida comprovação para determinadas exceções ou direitos que o trabalhador reclame, em conformidade com a lei ou até apelando à bondade da entidade patronal, mas isso não lhe dá o direito a usar todos os métodos possíveis. A decência que a razão nos dita e o respeito pelo trabalhador e pela sua dignidade humana são fronteiras que nunca devem ser ultrapassadas.

 A razão invocada para o uso deste método impróprio foi a suspeição de que existem atestados fraudulentos de mães que já não amamentam, para continuarem a usufruir da redução das duas horas no seu horário de trabalho. É muito provável que existam fraudes e falsidades. Engraçado que contra isto nunca vimos um partido político inflamado e indignado ou organismos e entidades a exigirem mais ética e honestidade aos trabalhadores. Não faz parte do politicamente correto da nebulosa sociedade em que vivemos e vai contra a moralidade oca que o turvo discurso mediático nos impõe. O trabalhador é sempre o pobre explorado e o patrão é o rico explorador. Por isso, convencionou-se que só se deve dar pancada no patronato. Mas a realidade mostra-nos que existem bons e maus dos dois lados. Sermos justos com todos é a melhor atitude a adotar.

 O método para se provar a amamentação é inaceitável, mas também o é a mentira, a fraude e o engano. E não sejamos ingénuos: existem muitas trafulhices, trapaças e falsidades de muitos trabalhadores para com as suas entidades patronais ou outras entidades. E parece que há um acordo tácito que legítima o direito a cada um fazer o que muito bem lhe interessa de acordo com as suas conveniências. Vale a pena lembrar que o fazer pela vida não pode ser feito à margem das leis, nem à custa da transgressão da moral que se exige a uma pessoa humana.

 O que este dito escândalo mais uma vez transparece é que vivemos numa sociedade em que a moral e a ética andam pelas ruas da amargura. Há uma preocupante degradação moral no mundo atual. Há falta de seriedade e de verdade. Criámos um ambiente social em que desconfiamos todos uns dos outros e já quase ninguém confia em ninguém. Quando é assim, burocratizamos a vida: tudo tem de se provar e comprovar. Temos de andar todos de papel na mão e carimbo no bolso. A palavra dada não tem valor nenhum e os compromissos valem até onde as conveniências e os interesses ditarem. Louva-se a esperteza saloia e a astúcia desonesta e apelida-se de parvo e ingénuo quem age com honestidade e integridade. A ditadura dos interesses corrompe tudo. Paulatinamente, temos vindo a condimentar o caldo para fazermos da vida um pequeno inferno onde todos vivemos. É lamentável que vivamos numa sociedade assim. Uma sociedade que não tenha na sua base a moral e a ética é uma sociedade que se constrói com alicerces de areia.

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