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minhas notas

20.01.14

Na sua primeira mensagem para o Dia Mundial da Paz, o Papa Francisco apela à fraternidade. Diz o Papa: «A fraternidade é uma dimensão essencial do homem, sendo ele um ser relacional. A consciência viva desta dimensão relacional leva-nos a ver e tratar cada pessoa como uma verdadeira irmã e um verdadeiro irmão; sem tal consciência, torna-se impossível a construção duma sociedade justa, duma paz firme e duradoura». Dificilmente podemos contestar esta afirmação. Pela nossa simples racionalidade, facilmente percebemos que o outro que vive e convive comigo, seja ele quem for, apesar das suas diferenças e da sua unicidade, é alguém «semelhante» a mim. Como eu, tem a sua consciência, os seus sonhos, as suas aspirações e os seus desejos, o seu projeto de pessoa e de felicidade, feito da mesma carne de que eu sou feito. Esta semelhança faz me interiorizar que o outro é um «irmão» a quem devo respeitar e amar, com quem me devo relacionar para que nos realizemos como pessoas humanas. Para quem é crente em Deus, esta constatação fraterna torna-se ainda mais clara e aprofunda-se ainda mais: temos um mesmo criador, um mesmo Pai, que a todos deu e dá a vida. Todo e qualquer homem que encontre nos caminhos da vida – o meu próximo – é um irmão que Deus me dá, que eu devo acolher e com quem devo viver em comunhão e reciprocidade. Se assim o fizer, certamente que construo a paz, aquele ambiente saudável em que os corações têm serenidade e alegria e em que todos se sentem bem. Paz que eu devo acolher de Deus e construir todos os dias com os outros, porque todos temos direito à paz.   

Mas, infelizmente, ainda há muito para andar na construção de uma fraternidade sólida. No campo dos princípios, todos a afirmamos e defendemos, proclama-se a fraternidade nos quatro cantos do mundo, de várias formas e feitios, mas, na realidade concreta da vida, ainda é muito insuficiente e anémica. O próprio Papa também o lembra: «Esta vocação é muitas vezes contrastada e negada nos factos, num mundo caracterizado pela «globalização da indiferença» que lentamente nos faz «habituar» ao sofrimento alheio, fechando-nos em nós mesmos». Não faltam bons exemplos de fraternidade, uns mais casuais, outros vividos quotidianamente, mas ainda estamos muito longe da verdadeira fraternidade que Jesus Cristo pediu e que a Igreja procura e deve promover. E como é perturbador ver que alguns dos piores exemplos são nos dados por cristãos.

Nas nossas relações diárias, na educação e na cortesia, no trabalho, nas inúmeras atividades sociais, nas instituições, até na Igreja, ainda se vê muita frieza, falta de respeito, desprezo, indiferença, falta de amor e de atenção pelos outros, discriminação, falta de partilha, exploração, insensibilidade, agressividade verbal e física, falta de solidariedade, rebaixamento dos outros, competição mais própria de inimigos do que de irmãos. E repito: tudo isto é exibido por cristãos. Não tem sentido andarmos a celebrar liturgias solenes aos Domingos, que não nos aproximam de Deus e uns dos outros, liturgias que não fomentam a fraternidade e comunhão entre todos. Corremos muito o risco de andarmos a viver uma «fraternidade de laboratório», como afirmou aqui há uns tempos o Papa, uma fraternidade rezada e muito bem pensada, mas que não se realiza, nem se vive. Uma fraternidade assim é um embuste e descredibiliza profundamente o que celebramos nas nossas igrejas.

A cultura em que vivemos não promove uma verdadeira fraternidade, cultura essa que temos de mudar, como nos diz o Papa: «As inúmeras situações de desigualdade, pobreza e injustiça indicam não só uma profunda carência de fraternidade, mas também a ausência duma cultura de solidariedade. As novas ideologias, caracterizadas por generalizado individualismo, egocentrismo e consumismo materialista, debilitam os laços sociais, alimentando aquela mentalidade do «descartável» que induz ao desprezo e abandono dos mais fracos, daqueles que são considerados «inúteis». Assim, a convivência humana assemelha-se sempre mais a um mero do ut des (dou para que dês) pragmático e egoísta». Uma cultura em que julgamos que nos podemos bastar a nós próprios, em que o outro, muitas vezes, é visto como um concorrente ou um opositor que me estorva, ou até um inimigo que eu devo abater, em que o outro se torna um estorvo para a minha felicidade egoísta, em que o outro é visto como um meio de que me posso servir e que posso usar para o que muito bem entender, é uma cultura desumana e enferma, que não devia ser promovida por pessoas que se consideram irmãs e que querem viver (será que sim?) como irmãs. Repensemos seriamente a fraternidade que vivemos e que temos andado a desenvolver. A fraternidade é possível e para quem é crente é uma exigência. É uma valor admirável. Mas temos de o cultivar no coração e de o construir com verdade e de verdade todos os dias, senão calemo-nos com os nossos belos discursos sobre a fraternidade.

2.Nos dias seguintes à celebração do Natal, procuro captar a «verdade do Natal», ou seja, até que ponto o Natal foi mesmo uma celebração cristã, encontro e acolhimento de Jesus Cristo, e o que é que ela trouxe de novo à vida das pessoas e do mundo. Só Deus sabe o que aconteceu no coração de cada um, mas, pelos sinais exteriores, fico desapontado. O Natal tornou-se apenas uma festarola familiar como tantas outras, o cumprimento de meia dúzia de exteriorismos (fazer presépios, comprar e dar prendas, gastronomia tradicional, enfeite e iluminação de casas, cantares natalícios, uns mais tradicionais, outros mais aligeirados, que de Natal genuíno têm muito pouco, saudações festivas a tudo e a todos). E já nem falo do consumismo do Natal. Perguntam: mas então o Natal não é aquilo tudo? É. Mas é muito mais do que aquilo. Infelizmente, muitos cristãos pensam que o Natal é apenas celebrar uma data bonita ou um acontecimento encantador ou pura e simplesmente reunir a família. Não, é encontro e acolhimento de Jesus Cristo, com o seu Evangelho e com o seu Reino. «Nasceu para vós um Salvador», diz a liturgia. Celebrar o Natal também é conversão e dar novos caminhos à vida. E não vejo isso acontecer. As mesmas pessoas que não vão à missa, continuam a não ir à missa. As mesmas pessoas que vivem alheadas dos valores, da doutrina e da vida da Igreja, continuam alheadas. Não vejo as pessoas a adquirirem valores humanos e espirituais. Não vejo divisões a serem ultrapassadas. Não vejo relações humanas a serem melhoradas. Não vejo caras a recuperar a alegria e a esperança. Não vejo vontade de dar mais aos outros, sobretudo em tempo e amizade. Não vejo mais compromisso com Jesus e com o Evangelho. Ó pobre Natal. Na vida de muitas pessoas não aconteceu Natal. Sim, dizem que aconteceram algumas coisas agradáveis, mas não foi Natal. Marquem outra data para o celebrarmos.

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