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minhas notas

09.02.15

Nos últimos dias, não pudemos deixar de acompanhar e partilhar a consternação e a indignação que invadiu os espíritos pelo atentado terrorista abominável que ocorreu em França. Para além de atingir valores fundamentais das sociedades democráticas ocidentais, o que choca, sobretudo, é a banalização da morte e do mal e o total desrespeito pela vida humana, que é sagrada. E fazê-lo em nome de um deus ou de um profeta, é uma gravíssima manipulação e instrumentalização da religião. Mais um contributo para duas inquietantes constatações: a mentalidade e a consciência humanas não têm acompanhado o progresso e a evolução científica e tecnológica das nossas sociedades e a sociedade do conhecimento e da informação não formou nem fez evoluir o ser humano, ou, pelo menos, não o tem feito como era expectável. Acusamos outras épocas da história se serem tempos de ignorância e de aviltamento da pessoa humana. E se olhássemos um pouco mais para nós? Temos atualmente um homem rico na materialidade e na cientificidade, mas pobre na interioridade e na humanidade.  É isto que nos deve fazer refletir. Andamos centrados na técnica e nos instrumentos e nos meios e não na pessoa humana. É preciso inverter este caminho errado e trazermos para o centro do debate e das nossas preocupações a ética e a humanização, com todos os valores e princípios que lhes estão umbilicalmente ligados.

 Acontecimentos destes dão origem a manifestações espontâneas e arrebatadoras.  As grandes figuras mundiais da vida política e social acorreram a elas. Mas é incompreensível que, no ano passado, tenham morrido quase quarenta mulheres em Portugal vítimas de violência doméstica e que só meia dúzia de cidadãos se tenha manifestado e que nem um único político tenha levantado a voz com a indinação que os dados exigem. É incompreensível que todas as semanas morram africanos nas águas do Mediterrâneo, para tentar alcançar a Europa, em números assustadores, e que nenhuma manifestação se tenha feito em defesa da vida e da dignidade humana, com a total passividade e indiferença da comunidade política e das sociedades europeias, salvando-se o Papa Francisco que, com frontalidade e coragem, alertou para o drama. Não dá para entender a nossa inconstância e inconsistência europeias:  diante dos mesmos valores e das mesmas violações e desrespeitos, umas vezes reagimos e outras vezes não reagimos. Só andamos atrás das ondas mediáticas do momento. É próprio dos incoerentes. E é incompreensível que nós, europeus, que nos damos ao luxo de invadir as terras arábicas e de obter as suas matérias-primas mais valiosas e de ainda por cima achincalharmos a sua cultura, vivamos ingenuamente pensado que isso não tem um preço ou uma consequência.

Sem dúvida que um dos valores inquestionáveis da cultura ocidental e da democracia é a liberdade de expressão. Cultivar o humor, com a justa dose de ironia e sátira,  é saudável, porque o humor faz crescer e ajuda-nos a abater as nossas megalomanias e as nossas contradições, e, sobretudo, cria momentos de boa disposição.  Mas a liberdade de expressão não é absoluta. Tem limites. E já se ouviram muitos disparates nos últimos dias. Passar o tempo todo a insultar e a ridicularizar a fé dos outros não é liberdade de expressão. As religiões devem estar abertas à crítica e à sátira, até porque lhes fazem muito bem, para purificarem as suas representações de Deus e a validade dos seus ensinamentos, mas há limites. Muito do que o jornal francês publica é insultuoso e de muito mau gosto. Como compreender que se viva só quase para insultar as convicções dos outros? Não consigo compreender a necessidade persistente e quase mórbida de denegrir e escarnecer convicções religiosas alheias. Lá no fundo também é uma forma de fanatismo: é dizer aos outros que eles é que têm razão e que os outros deviam pensar como eles. De qualquer forma, que fique bem claro: não é motivo para tirar a vida a ninguém. Mas temos de aprender a não insultar. Há um dado da cultura ocidental, que, talvez, cause assombro ao Oriente: perdemos a noção e o respeito pelo sagrado, perdemos o contacto com a transcendência e tornámo-nos sociedades sem espiritualidade. É uma visão da vida que um árabe não consegue entender.

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